Portugal nos Óscares: uma “campanha de guerrilha" de "Ice Merchants" contra a m&

A nomeação de "Ice Merchants" a 21 de janeiro para o Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação foi o culminar de um ano muito especial para o cinema português: “O Homem do Lixo”, de Laura Gonçalves, foi a outra curta que chegou ao grupo de 15 finalistas de animação na categoria, e "O Lobo Solitário", de Filipe Melo, integrou o grupo das curtas em imagem real.

O filme de 14 minutos, completamente sem diálogos, tem vindo a conquistar públicos de todo o mundo desde maio do ano passado, numa metáfora poderosa e universal sobre a família, a perda e a reconciliação, a partir de um ponto de partida simples mas graficamente muito arrojado, fazendo pleno uso da vertigem e das perspetivas mais extremas, da história de pai e filho que vivem suspensos nas alturas, numa casa presa no alto de um precipício, e trabalham no comércio de gelo, que vendem numa aldeia na planície lá muito em baixo. Como lá chegam? Lançam-se pelos ares, de para-quedas, de forma tão temerária como visualmente espetacular.

A assinar a realização, a música, o argumento, a montagem, a direção de arte e parte da própria animação, o filme é o primeiro feito em contexto profissional de João Gonzalez, cineasta de 27 anos com formação clássica em piano e estudos de animação na londrina Royal College of Art, onde fez os dois filmes anteriores, “The Voyage” e “Nestor”, ambos já com sólida circulação em festivais.

A produção pertenceu à cooperativa Cola Animation, com o produtor a ser o multifacetado Bruno Caetano, 43 anos, também editor de BD e ele próprio realizador de filmes em animação “stop-motion” como o muito premiado “O Peculiar Caso do Senhor Jacinto” e de encantadores telediscos como “Cinegirasol” e “Fundo de Garrafa” para os Azeitonas.

💥️Veja o trailer de "Ice Merchants".

O filme tornou-se uma das raras curtas-metragens de animação portuguesa a ter estreia mundial na Semana da Crítica do Festival de Cannes (seguindo-se a “Os Salteadores”, em 1994, na Semana da Crítica, “Estória do Gato e da Lua”, em 1995, na Seleção Oficial em Competição, e “Água Mole”, já em 2017, na Quinzena dos Realizadores) e o primeiro de todos a ser aí premiado, com o troféu Leitz Cine Discovery, destinado à melhor curta-metragem a concurso.

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"Foi a primeira vez que o filme foi exibido em público, nós estávamos lado a lado e duas filas atrás havia uma pessoa que chorava naquela parte mais emocionante. (...) Há muita gente que se emociona a ver o filme, talvez por razões distintas. O filme é tão humano, poderá afetar cada um de uma forma completamente diferente ou por razões completamente diferentes. Mas a verdade é que as pessoas sentem aquilo que o João tentou transmitir com o filme. E aí realmente há uma sensação de missão cumprida. É bom conseguir transmitir estas coisas ao público", recordou Bruno Caetano em entrevista ao ysoke Mag nos primeiros dias de fevereiro.

Foi o início de um período recheado de galardões em todo o mundo, que culminou com a nomeação ao Óscar... que levou a uma estreia inédita em mais de 30 salas de cinema comerciais portuguesas a 16 de fevereiro, já a ultrapassar os 7500 espectadores.

A dupla tem vivido num frenesim de entrevistas, parabenizações e solicitações. A campanha intensificou-se a partir de 13 de fevereiro com a presença no tradicional almoço que junta os nomeados em Los Angeles e ainda mais depois da vitória a 25 de fevereiro em Melhor Curta-Metragem nos Prémios Annie, os mais importantes para o o cinema de animação nos EUA.

Após chegar a este patamar e sobre a possibilidade de conquistarem a seguir o Óscar, que não está nas previsões finais de qualquer imprensa especializada de referência americana, o realizador confessou: “Seria algo absolutamente incrível, mas temos de manter os pés na terra. Acho que nenhum de nós acha que é completamente impossível, mas na corrida há, claramente, um ou dois favoritos que, em termos mediáticos, têm mais projeção que nós”.

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De facto, os outros nomeados na sua categoria também têm dado muito que falar no mundo da animação: o norte-americano “My Year of Dicks”, realizado por Sara Gunnarsdótti, premiado no Festival de Annecy; o canadiano “The Flying Sailor”, da dupla Amanda Forbis e Wendy Tilby, produzido pelo incontornável National Film Board of Canada; e o australiano “An Ostrich Told Me The World Is Fake And I Think I Believe It”, curta em 'stop-motion' de Lachlan Pendragon, que já conquistou o troféu da Academia destinado a filmes de estudantes.

Mas a forte concorrência vem do popular “O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo” baseado no célebre livro do mesmo título de Charlie Mackesy, que realizou o filme com Peter Baynton.

Vencedor de quatro Annie na mesma cerimónia e ainda do BAFTA da Academia Britânica, é o grande favorito, em parte, como notou o The Hollywood Reporter nas suas previsões finais, porque "apesar de ser bastante banal e sem graça", tem a seu favor o impacto do livro, a presença de estrelas no elenco de vozes e na produção (Gabriel Byrne, Idris Elba, Tom Hollander, J. J. Abrams, Woody Harrelson) e... "a Apple gastou uma fortuna para promovê-lo".

Já "Ice Marchants", com apoios do Ministério da Cultura, do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) e da Câmara Municipal do Porto, tem na equipa de promoção exatamente quatro pessoas, duas delas os próprios Gonzalez e Cateno, com Benoit Berthe Siward e Celine Ufenast, da Animation Showcase, que criaram a estratégia até ao fim da votação às 17h00 de terça-feira.

Na primeira fila, à esquerda, Bruno Caetano e João Gonzalez com os outros nomeados na sua categoria num evento da Academia em Los Angeles da Academia a 8 de março

À Lusa, o produtor descreveu uma “campanha de guerrilha” para promover a obra portuguesa: “É lógico que gostaríamos de ter cartazes nas paragens de autocarro e ‘outdoors’ em Los Angeles, mas quando um ‘outdoor’ o mínimo são 15 mil dólares, nós não temos maneira nenhuma”.

Ou seja, apostou-se em mais entrevistas a meios importantes nos EUA, eventos de exibição e investimento em publicidade direcionada ‘online’ direcionados às cidades onde há maior concentração de membros da Academia, de forma a maximizar o alcance da curta-metragem, com um posto de operação no próprio apartamento onde estão hospedados Gonzalez e Caetano.

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Há um mês, o realizador destacava ao ysoke Mag que os Óscares eram, "acima de tudo, uma possibilidade de expor o nosso filme. Porque os Óscares têm aquele fator mediático, toda a gente sabe o que são. Nós fazemos filmes para chegarem às pessoas, e se os Óscares nos ajudarem com isso, ficamos muito felizes, obviamente".

Já a partir de Los Angeles descobriu um outro impacto de estar na corrida aos Óscares: “O que me surpreendeu muito pela positiva foi entrar em contacto direto não só com celebridades, mas com membros da Academia e através das conversas perceber que eles realmente tinham visto o filme. As pessoas conheciam e algumas estavam interessadas em falar connosco”.

“Surreal” é como descreveu a experiência de estar na meca do cinema como nomeado: "É um mundo mais caótico do que o que estamos à espera, mas toca-nos muito saber que numa cidade tão grande, mesmo com os nossos recursos limitados, o filme está a chegar às pessoas”.

Caetano também partilhou a surpresa de serem interpelados por pessoas – mesmo produtores de grandes estúdios – que ficaram interessadas ao saber que eles eram os responsáveis por “Ice Merchants”.

“Disseram que adoraram o filme”, contou, e ficaram estupefactas com o facto de ter sido uma animação feita por duas pessoas em cerca de quatro meses.

“É a capacidade portuguesa do desenrasca”, resumia com humor.

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