Aos 27 anos, ela entrou na Justiça para adotar três adolescentes
Laís Seguin Colaboração para Universa "Sempre soube que um dia seria mãe e, durante a pandemia da covid-19, este desejo pela maternidade ficou mais forte. Estávamos cada vez mais unidos, em família, no lar e eu não queria engravidar. Não sei dizer o motivo de não querer engravidar. As pessoas me perguntam se tenho algum trauma, algo nesse sentido. Se tenho, ainda não me lembrei. O fato é que queria ser mãe e sabia que existiam pessoas querendo ser filhos. Decidi adotar. Era maio de 2023 e estava casada há dois anos. Meu marido ficou alegre (ele já tinha dois filhos, um deles adotivo). Entramos em contato com o fórum da nossa cidade, em Teresópolis (RJ), e começamos o procedimento com a Vara de Infância e Juventude. Havia dois passos importantes neste primeiro momento. O primeiro era reunir a documentação necessária, como certidão de casamento, antecedentes criminais, atestado de sanidade mental e comprovante de residência, para serem entregues ao fórum. O segundo era passar por um curso obrigatório de 21 horas oferecido pela Vara, que nos prepararia para a realidade da adoção. Fizemos o curso e entregamos a documentação em 17 de agosto de 2023. Em 8 de setembro de 2023, tivemos a primeira entrevista com a assistente social, na nossa casa. Pouco tempo depois, fomos entrevistados pela psicóloga da Vara. Após esses passos, em 28 de setembro saiu a primeira resposta: habilitados! Feito isso, precisávamos decidir a escolha do perfil. É uma ficha na qual escolhemos, qual tipo de menor queremos adotar, com idade, gênero e etnia. Neste formulário nos perguntavam inclusive a quantidade. Se queríamos um ou mais, se aceitaríamos irmãos, deficiências ou doenças crônicas. Preencher essa ficha foi um dos momentos mais difíceis do processo. Nos faz refletir sobre muitas coisas. Afinal, não estamos em um supermercado escolhendo um produto. Mas, ao mesmo tempo, a escolha do perfil é o que nos ajuda a sermos realistas quanto ao que queremos e o que podemos dar conta. A escolha, a princípio, era um menino ou menina, mas aceitávamos até dois irmãos, ambas as possibilidades em uma faixa etária dos 12 aos 18 anos. Crianças menores não faziam sentido na nossa rotina. Existem, claro, adaptações possíveis. Eu poderia diminuir a carga horária de trabalho, poderia ter uma funcionária que me ajudasse nos serviços domésticos ou nos cuidados da criança, como uma babá. Mas não queríamos isso. Adoção não é um processo romantizado e é preciso escolher e ponderar. Escolhemos adolescentes pela função que teríamos enquanto pais. Fazia sentido para nós acolhermos as crises existenciais, traumas e orientar sobre as possíveis convicções duvidosas que foram formadas por eles ao longo dos anos. Porém, quando expliquei para a Vara sobre meu desejo de adotar um adolescente, me explicaram que eu não poderia. Eu tinha 27 anos na época e meu marido, 43. No Brasil, é necessário que se tenha 16 anos de diferença de idade entre o adotante e o adotado e não era o meu caso. Eu e meu marido dissemos que entendemos e que fazia todo o sentido. Como psicóloga, fazima sentido para mim os mais diversos argumentos. Desde a minha suposta maturidade esperada para 27 anos (na época da adoção) até ao fato dos filhos talvez não conseguirem me ver como mãe ao saberem da minha idade. Entretanto, com 24 anos já estava casada, tinha concluído meu mestrado, meu salário era estável e acima da média e também possuía carro próprio. Para além de uma estabilidade profissional e financeira de minha parte, meu marido é 16 anos mais velho que eu. Ele é neuropediatra, trabalhava em hospitais públicos, privados e consultório. Quanto à estabilidade, cumpríamos os requisitos. Quanto à minha idade, questionei quantas pessoas teoricamente adequadas já tinham desistido no meio do caminho. Mas, mesmo assim, embora muito delicada, a equipe técnica colocou a minha idade em todas as páginas, de todos os relatórios, frisando o fato de que eu não poderia mesmo adotar alguém com mais de 11 anos de idade. Toda essa relação entre mãe e filho se constrói quando existe alguém acolhendo, amando e educando. Então, a adaptação não é apenas no sentido da convivência, mas no sentido de aprender uma função que até então, ainda não se tinha. Já ouvi algumas vezes de alguns deles, falas como: "Você nunca vai ser minha mãe. Você tem a idade dos meus irmãos". Isso porque todos eles vêm de grupos de irmãos, que foram adotados separadamente ao longo dos anos. Eu dizia a eles coisas como: "De fato, tenho idade para ser sua irmã. Mas não sou. E irmãos não fazem o que eu estou fazendo. Ser mãe é uma função. A função que eu exerço com vocês é a de maternidade". A idade era só uma desculpa para os momentos de raiva. As dificuldades de fato são muito mais profundas. A cada vez que chamávamos a atenção deles, como por deixar a cama desarrumada, eles arrumavam as mochilas pensando que perderiam mais uma família. Hoje, eles entendem que a minha idade não era o ponto. Não era nela que eles encontrariam segurança, mas sim na minha insistência em permanecer e em amar, apesar de qualquer cenário. A lei que determina como exigência para adoção uma diferença de 16 anos entre o adotante e o adotado é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), especificamente em seu artigo 42, §3º. De acordo com a advogada Laísa Santos, especializada em direito de família, a proposta tem o intuito de evitar motivos ocultos, nos quais a demonstração de amor parental para com o adotando tenha um eventual interesse impróprio. Porém, há exceções para essa regra. Segundo Laísa, há uma flexibilização deste critério de 16 anos de diferença de idade pelo Poder Judiciário quando é comprovado que o melhor interesse da criança ou do adolescente está preservado. "Dependerá das peculiaridades do caso e dos elementos que forem demonstrados durante o processo. Ou seja, o juiz irá fazer uma análise do que foi apresentado, vai ponderar as eventuais vantagens e os motivos do interesse pela adoção", Laísa Santos Todo o processo de adoção costuma levar 120 dias, podendo ser prorrogado em igual período. Porém, quando um caso exige maior aprofundamento e cuidado por parte dos profissionais envolvidos, existe a possibilidade do prazo ser ainda maior. Dessa forma, não é possível estipular quanto tempo casos como o de Luísa, onde a pessoa tem uma diferença de idade inferior a 16 anos em relação ao adotando, levariam para serem analisados e concluídos. "Seja em razão da quantidade insuficiente de magistrados e servidores e do excesso de demanda e atribuições de cada profissional", pontua Laísa. Caso o juiz indefira a adoção, por quaisquer razões, o postulante à adoção pode interpor recurso contra a decisão.'Adotar adolescentes é o que fazia sentido para nós'
'Frisaram em todas as páginas que eu não poderia adotar alguém com mais de 11 anos'
Diferença mínima entre o adotante e adotado
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