Duas autoras me ensinam que sentir ciúme, inveja e paixão não é pecado
Duas autoras me ensinam que sentir ciúme, inveja e paixão não é pecado
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Natalia Timerman
Foi com alento, então, que li Ilaria Gaspari em seu "A vida secreta das emoções" dizer que também demorou "muito para compreender que ser emotiva não significa ser instável ou desequilibrada: apenas estar viva, aberta e permeável à experiência do mundo."
"Para muitas mulheres, ser tida como emotiva e, portanto, instável é uma contínua espoliação de autoridade, no trabalho, na política, na vida", constata a filósofa e escritora italiana que, em seu livro, publicado no Brasil pela editora Âyiné com tradução de Letícia Mei, examina a ira, a ansiedade, a compaixão e outras emoções por meio da história do pensamento filosófico, da literatura e, é claro, da própria experiência.
Leitura ao mesmo tempo prazerosa e densa, "A vida secreta das emoções" perpassa um terreno até há pouco tempo majoritariamente ocupado por homens, criadores do aparato filosófico e teórico sobre eles mesmos, mas também sobre as mulheres.
Mas não se trata de um livro para ser lido apenas por mulheres, ao contrário; a inteligência que brilha na escrita de Gaspari não resvala em reducionismos. "Para conhecer as emoções sem se deixar dominar por elas, para não sucumbir a elas nem as reprimir, mas vivê-las, antes de tudo deveríamos nos educar para sua linguagem" — e isso, afinal de contas, é universal.
Não que as mulheres não pensassem sobre as próprias emoções e não escrevessem a respeito delas; talvez fosse apenas uma questão de reconhecimento. Como um dos exemplos mais notáveis, temos a escritora francesa Annie Ernaux e seu "Paixão simples", que ganhou nova edição no Brasil pela Fósforo, com tradução de Marília Garcia. O livro de Ernaux se debruça sobre uma paixão obsessiva vivida pela autora e, na época de seu lançamento na França, foi recebido com críticas irônicas, que provavelmente seriam economizadas caso ela já tivesse sido agraciada com o prêmio Nobel.
Ernaux escancara os mecanismos da paixão da melhor maneira possível: devassando a própria. Ela expõe sem autocomiseração sua vulnerabilidade e sua vergonha para chegar ao oposto disso: à força e à potência da escrita e da própria paixão.
Ah, e que prazer de leitura. Li como se sorrisse, como se me reconhecesse, como se, nas palavras dela, me visse vingada pela inadmissível fragilidade que me assolou nas vezes em que me apaixonei. "Um intervalo de tempo delimitado por dois ruídos de carro, seu Renault 25 freando e depois dando a partida no qual eu tinha a certeza de nunca ter vivido nada mais importante na minha vida, nem ter filhos, nem ter passado em concursos, nem ter feito viagens para longe, nada importava mais do que aquilo, estar na cama com esse homem no meio da tarde." Uma legitimação, pela escrita, da fragilidade que não é das mulheres: é da própria paixão.
Paixão que Annie Ernaux não quer explicar, pois isso talvez a levasse a considerá-la um erro ou um transtorno do qual seria preciso se justificar: "só quero mostrar o que ela é." E, mostrando, conclui que apaixonar-se é um dos maiores luxos que pode haver na vida de uma pessoa: "Perguntar se ele 'mereceu' ou não isso tudo não faz o menor sentido. E constatar que essa história começa a ser para mim tão estranha quanto se tivesse acontecido na vida de outra mulher não altera em nada o fato de que, graças a ele, eu me aproximei do limite que me separa do outro, a ponto de às vezes imaginar que iria chegar do outro lado."
Ainda que literatura alguma precise de objetivos, Gaspari e Ernaux acabam fazendo um convite fundamental: o de encarar as próprias emoções, a própria nudez afetiva e o próprio desejo como verdadeiros mananciais.
E que emoção autêntica não parece, em si, um excesso? Talvez os momentos nos quais não conseguimos nos conter ou nos delimitar serão justamente, depois, os momentos memoráveis: os que nos distinguem, aqueles que poderão, quem sabe, compor a história de nossas vidas.
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