O difícil equilíbrio entre exposição e recolhimento

Amelia Bartlett/Unsplash

O mundo: isso que os seres humanos compartilham, isso que é feito de objetos, sentimentos, datas, relações; isso que é feito de concretude e tempo. Isso que é feito de abundância e falta, o que o próprio gesto de escrever vem confirmar.

Porque nem sempre é fácil. Na maior parte das vezes é difícil, e eu já disse que minha semana, desde que me tornei colunista, passou a se dividir em duas partes, o antes e depois de conseguir escrever. A primeira metade é de angústia e aflição: sempre te ronda a possibilidade de o texto simplesmente não sair. Embora nunca tenha acontecido de fato, ela está ali, a falha, o silêncio das palavras, a partir do qual sempre emana, afinal, tudo o que é dito.

E o texto, o texto sai como ele quiser. Ele pode jorrar, exigir ser escrito ou precisar ser arrancado à força das profundezas do seu ser; ele pode sair dias antes ou em cima da hora. Pode acontecer também de você já ter escrito a coluna daquela semana e ser atravessada por algo que precisa ser dito agora, geralmente porque o mundo pede, ou mesmo porque você o necessita.

A segunda metade da semana é de alívio, sensação de dever cumprido, do ciclo do tempo se realizando através de você mais uma vez. Ainda que nem sempre o resultado seja o que você previa: houve colunas que eu achei que seriam lidíssimas e sumiram; houve textos que fiz de última hora, como deu, e tiveram surpreendente destaque. Assim é escrever uma coluna; assim é também a vida, imprevisível, irreversível, pois o que foi lido já não pode deixar de ser; assim, na verdade, é a ação humana, segundo minha cara filósofa Hannah Arendt, quem me ensinou a pensar.

Foi ela também quem me ajudou a entender o que provavelmente é o maior desafio de quem escreve uma coluna semanal. Um desafio que não se atém, porém, a escrever um texto, mas se coloca para todos os viventes dessa tecnológica contemporaneidade: a necessidade de equilíbrio entre exposição e recolhimento. Publicar um texto toda semana é, como diz o termo, torná-lo público; mas mais que uma obviedade, isso é um risco. Pois se uma existência vivida inteira em público perde substância e profundidade, como diz Hannah Arendt em "A condição humana", esse é um risco que o próprio texto corre: o de se tornar raso.

Dia desses me peguei querendo escrever algo que havia presenciado; de tão habituada a apreender o mundo para publicá-lo em colunas, eu vinha me esquecendo da existência do caderno, do diário, do que escrevo só para mim. As palavras que permanecerão trancadas; que terão tempo de maturação; as palavras que seguirão minhas, só minhas. É preciso que essas existam para que as outras digam o que precisam dizer.

E quanto aos textos semanais, esses que me imprimiram um ritmo de escrita outro: como encontrar o equilíbrio entre ser lido e ser verdadeiro consigo? Pergunta que pode se traduzir em: como estar por dentro dos assuntos quentes, clicáveis, sem perder a voz, sem perder o que precisa haver de silêncio por detrás de uma voz para que ela seja própria?

Ainda não consigo responder a essas perguntas a não ser escrevendo semana a semana. Tentando. Aprendendo. Correndo riscos, seja no texto ou fora dele. Meu companheiro, por exemplo, vive reclamando que discuto nossa relação mais nas colunas do que com ele. Talvez ele reclame amanhã de eu responder à sua queixa por aqui: esse é o preço de se viver com uma mulher que escreve. Que aprendeu a se chamar de escritora e percebeu que isso é uma maldição, porque a escrita é maior que a vida. Mesmo quando a escrita é semanal; e principalmente quando é sobre a vida.

O que você está lendo é [O difícil equilíbrio entre exposição e recolhimento].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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