O que é right to repair? Saiba como aparece no Brasil e o que pode mudar
Right to repair é o movimento que prevê uma garantia maior dos direitos do consumidor sobre seus próprios produtos, sobretudo para consertá-los ou modificá-los de forma independente. Apesar de forte nos EUA e no Reino Unido, a ideia ainda é recente no Brasil, mas já aparece em PLs (projetos de lei) que pretendem deixar a legislação sobre o assunto mais clara. Além disso, em muitos casos, reparos fora da garantia precisam ser feitos via fabricantes ou autorizadas, limitando as ofertas de peças e preços pela manutenção.
Segundo os advogados Júlio César Ballerini Silva e Guilherme Alexandre Hees, especialistas em direito do consumidor entrevistados pelo 💥️TechTudo, a prática vista hoje é abusiva, já que as empresas controlam os processos desde a fabricação até a manutenção dos aparelhos. A seguir, saiba mais sobre o direito ao reparo, em que pé estão os projetos de lei que existem no Brasil e o que o consumidor pode fazer hoje para ter seus direitos garantidos.
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2 de 7 Right to repair já aparece no Brasil, mas ainda é novidade — Foto: Reprodução/iFixItRight to repair já aparece no Brasil, mas ainda é novidade — Foto: Reprodução/iFixIt
O movimento right to repair tem bastante força nos EUA e na Europa. O Reino Unido, por exemplo, já tem novidades nesse sentido e as fabricantes são obrigadas, por lei, a oferecerem peças de seus aparelhos para venda direta aos consumidores. Nos EUA, uma ordem executiva focada em movimentar a economia do país prevê maior facilidade para consertos independentes ou por terceiros. Segundo o comunicado da Casa Branca, isso diminuiria também o preço dos serviços pela maior concorrência.
Em uma audiência pública promovida pelo governo do país para discutir o assunto nesta segunda-feira (19), o CEO do, Kyle Wiens, falou sobre a limitação imposta pelas empresas na disponibilização de peças. Em um exemplo, citou a busca por uma bateria em uma fabricante parceira, que não poderia vender o componente diretamente por uma restrição contratual da marca envolvida.
A pauta também ganhou força recentemente pelo posicionamento favorável de Steve Wozniak, cofundador da Apple, que reforçou a importância de dar liberdade aos usuários para manusearem seus próprios eletrônicos. Isso vai de encontro com as práticas da maçã, que costuma não ir bem em índices de reparabilidade feitos pelo próprio , por exemplo, como no caso do iMac mais recente.
Wozniak apontou ainda que o impedimento desse direito pelas marcas tem como motivo manter o controle sobre os processos. As justificativas das fabricantes contra a pauta, por sua vez, vão desde riscos de segurança até violação de propriedade intelectual, como aponta matéria da sobre o tema.
Cenário no Brasil
No Brasil, pouco se fala do “direito ao reparo” (em tradução livre), mas existem problemas com limitações ao conserto por fabricantes ou autorizadas e até mesmo perda de garantia em caso de modificações. O PL 6151/2019, por exemplo, do deputado Pedro Lucas Fernandes (PTB/MA), trata do assunto e busca incluir no Código de Defesa do Consumidor uma garantia da disponibilização de peças e manuais no mercado.
3 de 7 Projetos de lei no Brasil buscam aumentar o acesso a peças de reposição para aparelhos em geral — Foto: Divulgação/AppleProjetos de lei no Brasil buscam aumentar o acesso a peças de reposição para aparelhos em geral — Foto: Divulgação/Apple
Na justificativa do projeto, o deputado cita o movimento right to repair e traz o tema para o cenário nacional, apontando a pouca oferta de assistências técnicas autorizadas em cidades do interior e a má-qualidade dos serviços prestados como motivos importantes.
4 de 7 Limitação dos consertos às fabricantes e autorizadas é prática abusiva, apontam advogados — Foto: Filipe Garrett/TechTudoLimitação dos consertos às fabricantes e autorizadas é prática abusiva, apontam advogados — Foto: Filipe Garrett/TechTudo
O 💥️TechTudo entrevistou os autores de um artigo publicado no site sobre o right to repair, Júlio César Ballerini Silva e Guilherme Alexandre Hees, advogados especialistas em direito do consumidor e defensores de leis mais claras sobre o assunto. Segundo eles, o consumidor no Brasil vive uma relação abusiva com a fabricante do produto, já que a mesma controla o processo de fabricação, distribuição e manutenção do mesmo.
5 de 7 Hoje, abrir seu notebook para upgrade pode levar à perda de garantia — Foto: Filipe Garrett/TechTudoHoje, abrir seu notebook para upgrade pode levar à perda de garantia — Foto: Filipe Garrett/TechTudo
No Reclame Aqui, muitos usuários apontam a perda do suporte com a instalação de novas peças. Em dois casos encontrados no site, usuários falam sobre notebooks Samsung que prometem fácil upgrade de memória e armazenamento, sendo que a instalação de um HD ou SSD exigiria a abertura do notebook – e não um encaixe simples via porta de acesso. Os consumidores então procuraram o suporte da marca e descobriram que não poderiam realizar esse procedimento por conta própria, e precisariam contratar o serviço em uma autorizada.
Ambos esbarraram no mesmo problema: a distância para um local de assistência que fosse reconhecido pela empresa, já que a oferta de atendimento nas diferentes regiões era escassa. Essa situação reforça o argumento utilizado pelo deputado Pedro Lucas Fernandes na justificativa do PL 6151/2019, que aponta a baixa oferta de assistência autorizada no Brasil.
Outro exemplo visto no site envolve um notebook LG comprado em 2017. O consumidor afirma que teve um problema e foi a uma assistência pedir a troca da peça envolvida. O valor cobrado apenas pelo componente, uma placa-mãe, foi de R$ 2.400, e o cliente tentou reclamar um valor mais baixo diretamente com a LG – que afirmou não ser responsável pelos preços cobrados nas assistências. O usuário disse que, por fim, tentou comprar a placa com a própria fabricante, que alegou não poder vendê-la diretamente a ele.
Usuários de MacBooks Pro de 2017 com problema na placa lógica também demonstraram insatisfação com o preço praticado pela maçã para trocar a peça – em torno de R$ 5 mil, de acordo com os relatos. Além da necessidade de uma peça oferecida exclusivamente pela Apple, o componente em questão era necessário para que a máquina continuasse funcionando – um dos usuários, inclusive, cita casos semelhantes que teriam a ver com a atualização do sistema.
6 de 7 Relatos de usuários no Reclame Aqui sustentam justificativas do PL que cita right to repair — Foto: Reprodução/iFixItRelatos de usuários no Reclame Aqui sustentam justificativas do PL que cita right to repair — Foto: Reprodução/iFixIt
Considerando que a Apple classifica obsoletos apenas modelos com venda encerrada há sete anos ou mais – além de garantir o estoque de baterias para MacBooks por até 10 anos –, o modelo em questão teve sua vida útil afetada por conta do possível problema crônico do componente. Ainda assim, a limitação de ofertas não dá outra opção ao usuário a não ser pagar pela peça, cujo valor representa aproximadamente 50% do preço original do computador à época.
O 💥️TechTudo procurou as empresas citadas para saber o posicionamento a respeito do movimento right to repair, mas não obteve resposta. Já os casos específicos encontrados no Reclame Aqui devem ser tratados diretamente pela fabricante, no próprio site de reclamações.
Por que é importante?
De acordo com o advogado Julio Ballerini, essa limitação do conserto pode ser vista como exemplo de monopólio ou oligopólio, já que não dá margem para o consumidor realizar o serviço com outras empresas ou até mesmo por conta própria. Além disso, o especialista aponta em seu artigo publicado no que a relação é “um atentado à ordem econômica e à livre concorrência”. Ao 💥️TechTudo, ele explica:
7 de 7 Advogados classificam a limitação de reparos como exemplos de monopólio ou oligopólio — Foto: Filipe Garrett/TechTudoAdvogados classificam a limitação de reparos como exemplos de monopólio ou oligopólio — Foto: Filipe Garrett/TechTudo
Os advogados reforçam que o right to repair não busca responsabilizar as empresas, e sim garantir os direitos do usuário. Caso um produto mostre defeito por conta de uma peça instalada por conta própria, não é correto que a empresa arque com o conserto.
Mas, segundo os especialistas, atualmente a fabricante não é obrigada a provar que o reparo está ligado ao novo problema. “A perda de garantia meramente pela utilização de uma mão de obra terceirizada mais barata, não é justificável. (...) a gente quer que se garanta esse direito. Agora, com a regra legal clara, isso vai ser garantido.”, conclui.
O que pode ser feito?
Apesar de ainda não haver a “lei expressa” citada pelos advogados, já é possível reverter algumas situações adversas envolvendo o reparo de produtos em geral. Um caso lembrado por eles dá conta de um notebook que apresentou defeito apenas dez dias após o fim da garantia, que era de seis meses. Segundo eles, a fabricante fala em seu site que a duração média do produto é de três anos, e, por conta disso, foi possível recorrer.
A sugestão dos especialistas, portanto, é ir ao Procon para registrar a informação e formalizar a recusa da fabricante. Outro caminho é o Reclame Aqui, que, de acordo com os advogados, costuma dar resultado, já que o usuário é procurado rapidamente pela empresa.
Se nada disso resolver, o consumidor que se sentir lesado pode ir ao Juizado Especial Cívil, caso o prejuízo seja de até 20 salários mínimos, ou recorrer a um advogado para registrar uma reclamação formal, se o valor da causa for maior.
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