O Enfermeiro da Noite: o que é real e ficção no filme da Netflix

O Enfermeiro da Noite é a nova produção de true crime da Netflix, subgênero polêmico dedicado a narrar crimes reais no audiovisual. Nesta obra, lançada no último dia 26, o diretor Tobias Lindholm (A Caça) adapta a história de Charles Cullen, enfermeiro americano que chocou os Estados Unidos ao ser preso em 2003 por induzir a morte de 29 pacientes aos seus cuidados. O longa traz os vencedores do Oscar Eddie Redmayne (A Teoria de Tudo), como o enfermeiro serial killer, e Jessica Chastain (Os Olhos de Tammy Faye), como Amy Loughren, enfermeira responsável por obter a confissão de Cullen.

Antes de seu lançamento no streaming, O Enfermeiro da Noite foi exibido na 47ª edição do Festival Internacional de Cinema de Toronto e em alguns cinemas seletos nos Estados Unidos, o que favoreceu nas resenhas positivas obtidas pelo longa. No Rotten Tomatoes, entre os críticos, o filme obteve 80% de aprovação; já entre o público, média de 79%. No Metacritic, teve nota de 64 entre os críticos e 6.9 entre os usuários. No IMDb, o filme tem nota de 6,9 e ocupa a sexta posição entre os filmes mais populares no momento. A produção consta no Top 10 da Netflix até o momento.

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Na obra de true crime da Netflix, a enfermeira Amy Loughren (Jessica Chastain) desconfia que seu novo colega de trabalho é um assassino de pacientes — Foto: Divulgação/Netflix 2 de 8 Na obra de true crime da Netflix, a enfermeira Amy Loughren (Jessica Chastain) desconfia que seu novo colega de trabalho é um assassino de pacientes — Foto: Divulgação/Netflix

Na obra de true crime da Netflix, a enfermeira Amy Loughren (Jessica Chastain) desconfia que seu novo colega de trabalho é um assassino de pacientes — Foto: Divulgação/Netflix

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O filme tem como base o livro The Good Nurse: A True Story of Medicine, Madness, and Murder (O Bom Enfermeiro: Uma História Real de Medicina, Loucura e Assassinato; sem tradução no Brasil no momento), escrito em 2013 pelo jornalista americano Charles Graeber. No entanto, é comum que certas liberdades de roteiro sejam tomadas na construção de cinebriografias. Para compreender a gravidade do escândalo provocado por Charles Cullen no sistema de saúde estadunidense, confira a seguir o que é fato e ficção em O Enfermeiro da Noite. Vale lembrar que os tópicos a seguir contém spoilers do filme.

Quem é Charles Cullen?

Apesar do enfermeiro serial killer ser o objeto de visualização da obra, o filme é narrado do ponto de vista de sua ex-colega de enfermagem, a hoje médica Amy Loughren. Não há aprofundamento em sua vida pessoal, com as poucas informações sobre Cullen dadas pelo próprio ou pela enfermeira Lori Lucas (Maria Dizzia), amiga de Amy e que trabalhou com o criminoso.

Nascido em Nova Jersey em 22 de fevereiro de 1960, Charles Edmund Cullen teve uma infância de pobreza e perdas. Antes de completar um ano de idade ele perdeu o pai, Edmund Cullen, que trabalhava como motorista de ônibus. Ficou completamente órfão na adolescência, quando sua mãe Florence foi vítima de um acidente de carro. Ainda criança, Charles demonstrava ter problemas psicológicos. Aos nove anos, tentou o suicídio pela primeira vez, ao ingerir substâncias de um kit infantil de química.

Antes de seguir carreira na enfermagem, Cullen ingressou na Marinha em 1978, onde chegou à patente de suboficial de segunda classe. Sua instabilidade mental ainda era um problema, e novas tentativas de suicídio o levaram à internação na ala psiquiátrica da Marinha. Em 1987, resolve sair das forças armadas e conclui um curso de enfermagem, se casando também no mesmo ano.

Eddie Redmayne como o enfermeiro serial killer Charles Cullen — Foto: Divulgação/Netflix 3 de 8 Eddie Redmayne como o enfermeiro serial killer Charles Cullen — Foto: Divulgação/Netflix

Eddie Redmayne como o enfermeiro serial killer Charles Cullen — Foto: Divulgação/Netflix

O casamento, filhas e divórcio

No filme, Cullen dá poucos detalhes sobre sua ex-esposa e suas filhas. Em um dado momento, o enfermeiro se refere à antiga companheira como "louca" e que ela o acusou falsamente de ter agredido seus cachorros. Na vida real, as acusações feitas por Adrienne Taub, casada com Charles Cullen de 1987 a 1993, foram levadas a sério quando o caso explodiu.

De acordo com registros jornalísticos da época, Taub pediu divórcio após ficar assustada com o comportamento "extremamente cruel" do ex-marido. Em um dos casos relatados, Cullen chegou a sufocar o pequeno cão da família dentro de uma bolsa de boliche, além de praticar outras agressões físicas nos demais cachorros como forma de "treinamento".

No ambiente familiar, ele também costumava adulterar bebidas com fluído de isqueiro e abusar psicologicamente das duas filhas. Em 1993, um ano após o nascimento de sua segunda filha, Adrienne pediu não apenas divórcio de Cullen, como também uma ordem de restrição, alegando que o ex-marido cometida violência doméstica.

O interprete Eddie Redmayne e o vilão na vida real, ao ser preso pelo assassinato de 29 pacientes — Foto: Reprodução/The Independent e NJ.com. Editado por Jonathan Firmino 4 de 8 O interprete Eddie Redmayne e o vilão na vida real, ao ser preso pelo assassinato de 29 pacientes — Foto: Reprodução/The Independent e NJ.com. Editado por Jonathan Firmino

O interprete Eddie Redmayne e o vilão na vida real, ao ser preso pelo assassinato de 29 pacientes — Foto: Reprodução/The Independent e NJ.com. Editado por Jonathan Firmino

Os primeiros problemas (e mortes) de Charles Cullen como enfermeiro

Na cena em que Amy Loughren encontra com a também enfermeira Lori Lucas, a protagonista ouve da amiga que Charles saiu de um hospital onde Lucas trabalhava após um boato de que ele teria matado um paciente ao diluir superdoses de insulina na bolsa de soro. Loughren vai ao trabalho verificar as bolsas no estoque e vê que uma delas está furada, o que confirma a história de Lori.

Na vida real, Charles Cullen usava, além de insulina (usado no tratamento de diabetes), um medicamento chamado digoxina, aplicado em pessoas com doenças cardíacas. Ambas as medicações são letais em grandes doses, principalmente a digoxina, pois seu uso pode afetar os batimentos cardíacos. Sua primeira vítima com esse modo operante foi John Yengo, um juiz aposentado internado no hospital Saint Barnabas, em Nova Jersey. Cullen trabalhava no setor de queimaduras e injetou superdoses de lidocaína (um anestésico local) em Yengo.

De acordo com as investigações policiais, obtidas pelo The New York Times em 2006, Cullen se voluntariava para atender pacientes à noite, adulterava suas medicações e se aproveitava de brechas no sistema da farmácia dos hospitais para seguir impune. Muitos dos pacientes mortos por Cullen eram idosos, mas o enfermeiro também chegou a injetar superdoses em pacientes jovens em recuperação, como foi o caso de um atleta de 21 anos sem problemas graves.

Além de mostrar como Charles agia no ambiente hospitalar, O Enfermeiro da Noite usa da tragédia para fazer críticas pontuais ao sistema de saúde americano. Em entrevista ao site USA Today, o jornalista Charles Graeber, que investigou o caso, afirma que Cullen já havia sido demitido por conduta imprópria, mas que conseguia emprego graças a outras referências positivas ou medianas que tinha no currículo. "Ele (Charles Cullen) colocou a responsabilidade de suas ações no que via como a hipocrisia do sistema médico", esclarece o autor.

Foto real que mostra os investigadores responsáveis pela prisão de Charles Cullen — Foto: Reprodução/Infobae 5 de 8 Foto real que mostra os investigadores responsáveis pela prisão de Charles Cullen — Foto: Reprodução/Infobae

Foto real que mostra os investigadores responsáveis pela prisão de Charles Cullen — Foto: Reprodução/Infobae

A relação de amizade com Amy Loughren

No longa, por ter um problema cardíaco e estar sobrecarregada de trabalho no hospital Parkfield Memorial, a enfermeira Amy rapidamente faz amizade com Cullen, que de tão próximo passa a frequentar a casa da colega e fazer amizade com suas filhas. Para ajudar a nova parceira de trabalho, Cullen até rouba medicamentos da UTI para ajudar no problema cardíaco de Amy, que não tem seguro de saúde e precisa do emprego para custear o tratamento.

Fora das telas, Amy Loughren trabalhou com Charles Cullen no hospital Somerset Medical Center de setembro de 2002 a dezembro de 2003, quando o enfermeiro foi preso. Neste período, o vínculo entre os dois não era tão forte a ponto de Amy convidar Cullen a ir em sua casa e conhecer suas duas filhas, conforme relatado por Emily Webb, autora do livro Angels of Death: Doctors and Nurses Who Kill (Anjos da Morte: Doutores e Enfermeiros que Matam, em tradução livre).

A autora também descreve que a doença de Amy, cardiomiopatia (inflamação no músculo do coração, o que resulta na disfunção das funções cardíacas), não estava num estágio tão avançado a ponto da profissional precisar de um transplante, como é mostrado no filme. A aplicação de um marca-passo era o mais indicado na época, mas Amy quis omitir a doença de seus empregadores e demais colegas pois, segundo a própria em entrevista para o livro de Charles Graeber, ela havia conseguido "o melhor trabalho em quase 15 anos de enfermagem" e não queria perder o emprego.

No filme, é mostrado que Amy auxilia uma dupla de detetives da polícia, Danny Baldwin (Nnamdi Asomugha) e Tim Braun (Noah Emmerich), após os três desconfiarem da conduta de Charles Cullen no hospital. Em um dos momentos de tensão do longa, Amy conversa com Charles usando uma escuta conectada aos investigadores. De acordo com Graeber, a gravação realmente aconteceu e é possível ouvir os batimentos acelerados da enfermeira, que havia omitido dos policiais que tinha cardiomiopatia. De acordo com a jornalista, a conversa teve na verdade duas horas de duração.

Jessica Chaistain (dir.) interpreta Amy Loughren (esq.), enfermeira responsável pela confissão de Charles Cullen — Foto: Reprodução/Netflix e The Getty Images. Editado por Jonathan Firmino 6 de 8 Jessica Chaistain (dir.) interpreta Amy Loughren (esq.), enfermeira responsável pela confissão de Charles Cullen — Foto: Reprodução/Netflix e The Getty Images. Editado por Jonathan Firmino

Jessica Chaistain (dir.) interpreta Amy Loughren (esq.), enfermeira responsável pela confissão de Charles Cullen — Foto: Reprodução/Netflix e The Getty Images. Editado por Jonathan Firmino

Como Charles Cullen foi pego?

Após conversar no restaurante com Amy, o enfermeiro serial foi detido pela polícia quando se deslocava para um novo emprego. Ao chegar na delegacia e se negar a confessar os crimes, Amy conversa amigavelmente com Cullen, que em seguida confessa o que fez e então é preso e condenado após julgamento.

De fato, o desfecho ocorreu dessa forma. A produção dá a entender, no entanto, que Charles Cullen gerou suspeitas sobre suas mortes apenas em uma investigação interna movida pelo hospital onde trabalhava - neste caso, a respeito da idosa Ana Martinez (Judith Delgado). Na vida real, os investigadores suspeitaram não de apenas uma, mas 13 mortes ocorridas no hospital Somerset Medical Center, ocorridas em apenas um ano.

A vítima que fez Amy e os policiais desconfiarem de Cullen foi Florian Gall, um reverendo de Nova Jersey que estava internado em Somerset. Na manhã do dia 28 de junho de 2003, o paciente sofreu uma parada cardíaca e, 45 minutos depois, veio a óbito. Antes disso, o sistema do hospital registrou as buscas de Cullen, que não era o enfermeiro designado para acompanhar Gall, em seu prontuário médico. Outros registros notificavam buscas indevidas do enfermeiro em momentos suspeitos.

Durante as investigações, conforme mostrado no filme, apenas um corpo foi exumado. De acordo com o escritor Charles Graeber, a cena mostrada no filme ocorreu de forma igual à realidade, pois ele auxiliou com fotografias da época.

A enfermeira Amy Loughren sendo interrogada sobre a condulta do colega enfermeiro Charles Cullen — Foto: Reprodução/Rotten Tomatoes 7 de 8 A enfermeira Amy Loughren sendo interrogada sobre a condulta do colega enfermeiro Charles Cullen — Foto: Reprodução/Rotten Tomatoes

A enfermeira Amy Loughren sendo interrogada sobre a condulta do colega enfermeiro Charles Cullen — Foto: Reprodução/Rotten Tomatoes

Amy foi a única a denunciar Cullen?

Apesar de Amy ter colaborado com as investigações, outros enfermeiros já haviam relatado condutas indevidas de Charles Cullen. Em agosto 2002, sete enfermeiros do hospital St. Luke’s, no estado da Pennsylvania, persuadiram policiais estaduais a abrirem uma investigação no local onde trabalhavam pois suspeitavam do envolvimento de Cullen em mortes misteriosas de pacientes. Uma investigação foi aberta, entretanto, ocorreu de forma superficial e posteriormente foi encerrada por falta de provas.

Já em 1998, um paciente internado em um lar de idosos onde Cullen trabalhava foi retirado às pressas da instituição por overdose de insulina. Uma colega do enfermeiro chamada Kimberly Pepe foi dada como suspeita, mas ela relatou que não era responsável pelo paciente e que, ao invés dela, Cullen era o enfermeiro da sala. Com a morte do idoso, Pepe foi demitida e Charles continuou na equipe.

Em meados dos anos 1990, Charles Cullen foi detido pela polícia por invasão de propriedade. O alvo era a casa de uma ex-colega enfermeira com quem o assassino teve um encontro dias antes. Completamente descontrolado, Cullen ameaçou a mulher e seu filho pequeno.

Charles Cullen sendo julgado pelos seus crimes — Foto: Reprodução/People 8 de 8 Charles Cullen sendo julgado pelos seus crimes — Foto: Reprodução/People

Charles Cullen sendo julgado pelos seus crimes — Foto: Reprodução/People

Os motivos

Desde a prisão em 2003, nunca ficou claro os motivos pelos quais Charles Cullen matava suas vítimas. Na cena em que ele confessa seus crimes perante Amy e o investigador Danny, o enfermeiro relata que cometeu os crimes porque "não podia ser parado". Segundo Graeber, em entrevista ao USA Today, o serial killer dava motivos contraditórios em suas explicações.

"Havia diferentes versões sobre o 'porquê' de seus crimes. Um deles era 'porque ele podia', se sentia especial e empoderado. Outra razão que ele dava era de se ver 'obrigado' a intervir, integrando alguns de seus crimes como 'atos de misericórdia'. [...] Mas, na verdade, essa compulsão (de matar) tinha tudo a ver com suas necessidades e nada a ver com as necessidades ou desejos do paciente inocente", esclarece o jornalista.

O próprio Cullen reafirmou tais posições em uma entrevista dada para o programa americano 60 Minutes em 2004, ao dizer que sentia remorso pelos atos, mas não sabia se poderia pará-los. O enfermeiro foi condenado por 11 sentenças de prisão perpétua consecutivas, sem esperança de liberdade condicional por 397 anos.

Confira o trailer de O Enfermeiro da Noite

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