Esporte ou entretenimento? Por que o debate sobre esports precisa ir além
A nova Ministra do Esporte, Ana Moser, afirmou em entrevista ao site na última terça-feira (10) que não considera os esportes eletrônicos como esportes, de fato. Na fala, ela afirma que "você se diverte jogando videogame", e que o jogo "não é imprevisível", já que existe uma programação por trás. Sobre o fato de os jogadores treinarem, a Ministra comparou a prática aos ensaios de Ivete Sangalo antes de um show, o que não configura a artista como uma atleta. Em resumo, juntando os argumentos apresentados por Ana, entendemos que a discussão que ela trouxe acabou sendo sobre o que são jogos de videogame, e não os enquanto práticas competitivas.
Nas redes sociais, sobretudo no Twitter, muitos atletas de e streamers se manifestaram a respeito, criticando a afirmação da Ministra e refletindo sobre o assunto. Pensando nisso, o 💥️TechTudo traz, a seguir, alguns pontos importantes sobre o debate. Afinal: esporte eletrônico é ou não esporte? Enquanto jornalista que acompanha e cobre tanto o cenário competitivo quanto o mercado de jogos casuais, afirmo que os são sim exemplos de esporte, mesmo que o videogame não seja. A ideia defendida aqui não é que o cenário competitivo tenha o mesmo tratamento do esporte tradicional, mas um reconhecimento como atividade profissional semelhante.
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1 de 5 Jogo é entretenimento, ok. Mas e os esports? Devem ser considerados apenas isso mesmo? — Foto: Yuri Hildebrand/TechTudoJogo é entretenimento, ok. Mas e os esports? Devem ser considerados apenas isso mesmo? — Foto: Yuri Hildebrand/TechTudo
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A entrevista, conduzida pelo jornalista Demétrio Vecchioli no portal falava sobre os investimentos do Ministério do Esporte durante os próximos quatro anos de Governo. Esse é um tema importante, já que muitos atletas de esportes tradicionais dependem de verba pública para acessar estruturas e equipamentos de qualidade e, assim, conseguirem realizar seus treinos. Questionada se os seriam uma categoria a mais dentro da pasta, a Ministra foi categórica: "não é esporte".
Confira, a seguir, o trecho em que a Ministra do Esporte, Ana Moser, fala ao ysoke sobre os esportes eletrônicos, na íntegra:
A fala gerou bastante crítica por parte de gamers, em geral, com direito a muitos compartilhamentos em um post que compara a torcida do CS:GO durante o IEM Rio Major 2022 com a torcida do Vôlei - esporte praticado pela Ministra, que é, inclusive, medalhista olímpica pela Seleção Brasileira da categoria.
Mas, vale ressaltar: shows e eventos em geral também podem mobilizar com as pessoas, e a comoção foi comparada com outros registros fora da esfera do esporte. O caminho para dizer se os são uma prática esportiva não é esse, e precisa passar por quem trabalha e conhece a área.
Jogos eletrônicos e : é importante distinguir os conceitos
Para além da opinião da ministra, há um ponto de atenção na fala. Ela começou usando o termo "esportes eletrônicos", mas, ao concluir seu argumento, optou por "jogos eletrônicos". A impressão é de que o ponto defendido por ela tem a ver com o game em si, e não com o cenário competitivo (que, infelizmente, ficou fora do debate).
Ana argumenta, por exemplo, que o jogo é uma diversão, quando, na verdade, um esporte tradicional também pode ser fonte de lazer quando praticado de forma casual, por exemplo. Inclusive, é assim que normalmente começa o sonho de uma criança que deseja ser o Vinícius Jr. do futebol (e de uma criança que quer se tornar o novo Robo da line-up de League of Legends da LOUD).
2 de 5 O sucesso de Robo (LOUD) no League of Legends pode inspirar muitas crianças a seguirem pelo mesmo caminho — Foto: Divulgação/Colin Young-Wolff/Riot GamesO sucesso de Robo (LOUD) no League of Legends pode inspirar muitas crianças a seguirem pelo mesmo caminho — Foto: Divulgação/Colin Young-Wolff/Riot Games
Outra justificativa usada pela ministra envolve uma suposta previsibilidade que haveria nos games, que estaria relacionada à programação por trás de um jogo eletrônico. Aqui, mais uma vez, Ana se refere ao "local de disputa", mas, na minha interpretação, ignora a parte competitiva que se dá a partir dali.
Segundo o CEO da OutField, empresa focada em inteligência, estratégia e investimentos em esportes e games, Pedro Oliveira, o argumento também não cabe, já que vai de encontro com algo que acontece também nos esportes tradicionais.
3 de 5 Taça das Favelas Free Fire tem organização da CUFA e pode ser exemplo para outras ações de impacto social dos esports — Foto: Divulgação/Taça das FavelasTaça das Favelas Free Fire tem organização da CUFA e pode ser exemplo para outras ações de impacto social dos esports — Foto: Divulgação/Taça das Favelas
Para muitos jovens, o objetivo é se tornar um pro player, da mesma forma que, para muitos outros, o foco é ser atleta de algum esporte tradicional. Segundo um levantamento de 2023 realizado pelo DataFavela em comunidades de todo o Brasil, 96% dos entrevistados afirmaram que gostariam de ser atletas profissionais de .
O Estado reconhecer esse universo, portanto, pode gerar mais oportunidades para quem se interessa pelo competitivo dos games. Para Pedro Oliveira, no entanto, essa atuação não deve se dar por meio de investimentos públicos ou regulamentação.
4 de 5 Empresas como a Riot Games não precisam de dinheiro do Estado para organizar seus campeonatos; não é sobre isso — Foto: Divulgação/Riot GamesEmpresas como a Riot Games não precisam de dinheiro do Estado para organizar seus campeonatos; não é sobre isso — Foto: Divulgação/Riot Games
Vale reforçar que o cenário de é, antes de tudo, autossuficiente. Além disso, os jogos são propriedades privadas, e o papel de investir, estimular e correr atrás de usuários é das empresas por trás de cada game, e não do Estado. Ao Governo caberia aproveitar a oportunidade para entender o assunto e saber como explorar da melhor forma, pensando no retorno para a população, assim como para assegurar direitos aos jogadores e outros profissionais que trabalham na área.
Videogame não é esporte, mas sim!
Ao dizer que "o jogo não é imprevisível" e trazer o fator "diversão" como algo que desconsidera o esporte eletrônico, a Ministra também demonstra um certo conservadorismo quanto ao assunto. O cenário competitivo traz uma bagagem de mais de 20 anos e serve não só como uma oportunidade comercial para empresas, como vem sendo, mas também como alternativa de inclusão social e até na formação de cidadãos. Afastar esse debate acaba contribuindo para uma falta de consciência política e social de boa parte da comunidade, algo que ficou bem evidente com a repercussão da fala.
Aproveitando esse gancho, vale reforçar que toda a discussão não deveria ter um tom alarmante ou servir para apontar culpados em um Governo que assumiu há menos de duas semanas e já precisa lidar com assuntos mais graves, como o recente caso de terrorismo, por exemplo. O debate acerca dos esports deve, sim, funcionar como uma oportunidade para que o poder público olhe para o assunto com a devida importância.
5 de 5 Jogadores como os da LOUD, campeã mundial de Valorant, dedicam suas vidas a isso; ignorar não é o caminho — Foto: Divulgação/Colin Young-Wolff/Riot GamesJogadores como os da LOUD, campeã mundial de Valorant, dedicam suas vidas a isso; ignorar não é o caminho — Foto: Divulgação/Colin Young-Wolff/Riot Games
Para isso, eu entendo que há uma diferença muito importante a ser destacada: jogo não é esporte, mas os sim. Ou seja, o competitivo que se cria a partir de um game é um exemplo de esporte. Há uma disputa que exige destreza, esforço mental e também físico, além de uma preparação que precede os torneios, mas não só isso. Os players, times e treinadores montam estratégias e desenvolvem jogadas a partir da mecânica e das possibilidades que os jogos competitivos abrem.
Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que os não devem ter o mesmo peso de futebol, vôlei ou basquete para o Estado, e sim uma atenção maior do poder público enquanto um esporte "diferente". Como Pedro Oliveira definiu em exclusividade para o 💥️TechTudo, "o esporte eletrônico envolve organização e governança, envolve alto rendimento e envolve impacto social, ou seja, envolve em grande parte as mesmas variáveis que o esporte tradicional."
A grande questão está na natureza privada dos games, que têm um "dono", uma empresa por trás que define aquelas regras, daquele ambiente virtual. Isso não acontece com os esportes tradicionais. Mesmo que existam organizações definindo como vão funcionar suas partidas e competições, essas atividades respeitam leis da natureza, como a física de uma bola, a medicina por trás de um tratamento, a alimentação, entre outros fatores. Há paralelos com os , sobretudo no preparo dos pro players, mas a competição em si continua sendo a partir de um universo criado por uma empresa.
Ao mesmo tempo, jogos como League of Legends (LOL), CS:GO, Free Fire, entre outros com cenário competitivo, são ambientes virtuais que existem hoje e que têm sido explorados dessa forma pela comunidade, gerando um grande impacto social para as pessoas. A programação por trás de um game não deveria ser usada como base para afastar e esporte - isso só isola mais um novo segmento de extrema importância e impacto social.
O jogo é entretenimento, como a própria Ministra coloca, e deve ser tratado como tal. Mas, para além disso, os envolvem competição a nível esportivo, e todos sairão ganhando se eles forem considerados como tal pelo Estado, ainda que em um patamar diferente. Dessa forma, seria importante para o Governo e para o Ministério do Esporte dialogar com pessoas do cenário competitivo dos para pensar em formas de encaixar esse elemento tão importante na agenda pública.
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