Estados devem garantir o direito das mulheres a procurar pelos familiares desaparecidos, apela Amnistia Internacional no dia que

Por ocasião do Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, a Amnistia Internacional lança a campanha internacional “Procurar sem medo” que destaca o papel destas mulheres “buscadoras”, alertando que, ainda que os desaparecimentos possam ocorrer por uma variedade de razões, a obrigação do Estado é encontrar o paradeiro das pessoas. Até que isso aconteça, o desaparecimento de uma pessoa tem um impacto profundo na sua família, entes queridos e comunidades.

Nas Américas, discordar das políticas governamentais, manifestar-se para reivindicar direitos, viver numa zona de conflito armado ou onde existe crime organizado, migrar sem os documentos exigidos pelos países de trânsito e de destino, são algumas das razões utilizadas para justificar o indesculpável: que a liberdade de uma pessoa seja restringida e o seu paradeiro escondido da família e dos entes queridos.

Ao lançar esta campanha, a Amnistia Internacional apresenta o relatório Procurar sem medo: Normas internacionais para a proteção das mulheres “buscadoras” nas Américas que reconhece que a busca de pessoas desaparecidas tem sido maioritariamente conduzida e liderada por mulheres.

Alguns dos exemplos mais marcantes na região remontam aos tempos dos governos presididos por juntas militares e dos conflitos armados, como os casos das Avós da Praça de Maio, na Argentina, e das mulheres de Calama, no Chile; na liderança das mulheres indígenas em situações de conflito armado em países como a Guatemala e o Peru; mas também nos casos das mulheres da América Central que atravessaram fronteiras e criaram mecanismos transnacionais de busca de migrantes desaparecidos.

💥️Os casos paradigmáticos da Colômbia e do México

Ana Piquer, diretora da Amnistia Internacional para as Américas, sublinha que a Colômbia e o México são “dois países profundamente marcados por todos os tipos de desaparecimentos”.

No caso da Colômbia, o desaparecimento forçado faz parte do repertório de violência que afeta o país devido ao conflito armado e à violência sociopolítica que se verificam há décadas. A Comissão para o Esclarecimento da Verdade, Coexistência e Não Repetição informou, no relatório final de 2022, que o número estimado de vítimas desta grave violação dos direitos humanos era de, aproximadamente, 210.000 pessoas.

As organizações de familiares de vítimas de desaparecimento forçado e de mulheres “buscadoras” são quem tem exigido uma resposta do governo face a esta grave situação. Uma delas é a Fundação Nydia Érika Bautista, que hoje acompanha diretamente 519 casos de desaparecimento forçado, através de serviços de apoio jurídico, documentação, memória e comunicação, além de uma Escola de Liderança para mulheres “buscadoras”, entre outras iniciativas.

Por outro lado, o México enfrenta uma grave crise de desaparecimentos ligada, em particular, ao contexto de insegurança que também assola o país há várias décadas. Segundo os dados do Registo Nacional de Pessoas Desaparecidas e Desconhecidas, de 31 de dezembro de 1952 a 23 de agosto de 2024, há cerca de 115.496 pessoas desaparecidas e não localizadas no México. Além disso, recentemente registou-se um aumento da violência contra as mulheres “buscadoras” e outras pessoas que procuram os seus entes queridos. De acordo com a organização Artículo 19, 16 pessoas que se mobilizavam nestas buscas foram assassinadas durante os últimos seis anos, treze das quais mulheres “buscadoras”. Além disso, uma mulher “buscadora” desapareceu.

Existem mais de 200 coletivos de familiares de pessoas desaparecidas no país, a grande maioria liderada por mulheres. É o caso do coletivo Hasta Encontrarte, no estado de Guanajuato, cuja principal tarefa é realizar buscas, quer com a participação das autoridades estatais, quer nas chamadas brigadas independentes. Graças ao seu trabalho, foram localizadas 23 fossas clandestinas e encontrado o paradeiro de 203 pessoas desaparecidas.

💥️Mulheres “buscadoras” em risco

As mulheres “buscadoras” enfrentam vários riscos, ameaças e ataques que se cruzam com as suas próprias histórias de vida, identidades, projetos e ambientes socioeconómicos e culturais. Isto é um sinal claro de um défice de proteção dos direitos.

A Fundação Nydia Érika Bautista e o coletivo Hasta Encontrarte são testemunhos da liderança que as mulheres das Américas assumiram na procura dos seus familiares e entes queridos. As suas histórias são também um reflexo da resistência à violência contra as mulheres, contra os defensores dos direitos humanos, contra as vítimas de desaparecimento e contra as mulheres “buscadoras”. Perante os riscos, as ameaças e as agressões de que são alvo, elas prosseguem corajosamente a sua atividade, exigindo de forma clara e firme o fim da impunidade.

“O facto de serem mulheres cruza-se com os riscos, ameaças e agressões a que as mulheres “buscadoras” estão expostas. Isto não acontece por acaso, é imposto pelos papéis que a sociedade atribui às mulheres. Como tal, a sua proteção deve ter em conta esta particularidade para ser eficaz”, explica Ana Piquer.

A Amnistia Internacional pôde comprovar a violação de vários direitos das integrantes da Fundação Nydia Érika Bautista e do coletivo Hasta Encontrarte. A busca destas mulheres tem sido marcada por ameaças, agressões, estigmatização, discriminação e outras violações de direitos humanos, cujos efeitos persistem até hoje e se somam a novas violações, mantendo vivo o ciclo de violência.

Por exemplo, integrantes do coletivo Hasta Encontrarte foram ameaçadas e até atacadas com armas de fogo enquanto faziam buscas no campo. Entretanto, no final dos anos 90, as dirigentes da Fundação Nydia Erika Bautista e as suas famílias foram obrigadas a exilar-se, num contexto de ataques, ameaças severas e discursos estigmatizantes por parte das autoridades. De regresso à Colômbia, onde vivem atualmente, mantêm as suas buscas, embora as ameaças e os ataques persistam. A Amnistia Internacional escutou as suas histórias relativas à deterioração da sua saúde física e mental e aos impactos socioeconómicos derivados do desaparecimento forçado dos seus familiares e entes queridos, do trabalho de busca no território e da falta de proteção e reconhecimento do seu trabalho por parte dos Estados.

Outras formas de violência sofridas pelas mulheres “buscadoras” são a falta de investigação e de punição pelo desaparecimento do seu ente querido, assim como as agressões e ameaças devido ao seu trabalho que & apesar de as denunciarem incansavelmente & ficam impunes.

💥️Acabar com o vazio institucional

“Os Estados têm de garantir o direito das mulheres “buscadoras” a procurarem sem medo e têm de investigar as violações dos direitos humanos por elas sofridas. A sua busca preenche o vazio deixado pela falta de uma ação institucional eficiente. São os Estados que devem procurar as pessoas desaparecidas e que devem garantir os direitos das mulheres “buscadoras”. É grave que não o façam e é ainda mais grave que aqueles que procuram pessoas desaparecidas, especialmente mulheres, tenham de arriscar as suas vidas para o fazer”, afirmou Edith Olivares Ferreto, diretora executiva da Amnistia Internacional México.

A Amnistia Internacional apela aos Estados das Américas para que cumpram as suas obrigações ao abrigo do direito internacional dos direitos humanos, tal como se encontra descrito neste relatório. Entre outras, os Estados devem reconhecer o direito das mulheres “buscadoras” de participarem nas buscas do Estado e de fazerem buscas em seu próprio nome, bem como o seu direito de defenderem os direitos humanos sem discriminação, de uma forma sensível ao género e diferenciada em função do mesmo. Os Estados devem ainda protegê-las dos vários riscos, ameaças e ataques aos direitos humanos a que estão expostas.

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