Parlamentares despachantes
No segundo ano de funcionamento da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), mais de 20 anos atrás, recebi a visita de um deputado federal do Nordeste. Trazia um mapa com o traçado de uma adutora para ligar um açude existente a um conjunto de cidades da região. Logo no início da conversa, expliquei que a ANA não tinha recursos nem teria a autorização legal para realizar a obra —ao contrário, por exemplo, do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas). Mas, é claro, estaria disposto a ajudá-lo a conceber o empreendimento.
Iniciei explicando que o trajeto da adutora não poderia ser definido apenas com a informação contida no mapa. Seria necessário conhecer a topografia, as demandas hídricas das localidades e realizar estudo hidrológico para calcular se o açude teria água para atender a vazão a ser retirada, em adição ao atendimento já estabelecido de outras localidades.
O deputado foi ficando desanimado com a conversa, e eu, constrangido. Resolvi examinar novamente o mapa e notei que o traçado que ele havia feito não atendia alguns municípios da região. Indaguei a razão. "Nessas cidades eu não tive boa votação", respondeu o deputado.
Lembrei dessa conversa ao ler sobre a tensão política deflagrada pela decisão do ministro Flávio Dino, confirmada por todos os seus pares no Supremo Tribunal Federal, de suspender as emendas parlamentares por ausência de rastreabilidade e transparência. É razoável supor que as negociações que se seguiram desembocarão numa acomodação que elimine as violações constitucionais. Porém, como bem apontou o presidente da corte, Luís Roberto Barroso (Jornal Nacional, 20/8), para além da rastreabilidade e transparência, remanesce a necessidade de melhorar a qualidade do gasto público, que é uma responsabilidade conjunta dos três Poderes.
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