Quando me pedem ajuda para saber morrer
Aos 40 anos, João recebeu do médico a notícia que ninguém espera receber: estava doente, em estado terminal e, por isso, possivelmente teria mais seis meses de vida. Professor universitário, ao morrer ele deixaria dois filhos pequenos. Ele frequentava a igreja em que atuo e, então, me procurou para perguntar: "Pastor, como a religião pode me ajudar a saber morrer?"
Isso é algo comum de acontecer em igrejas evangélicas. Muitas pessoas recorrem à fé quando estão próximas da morte. O interesse nem sempre é por saber o que vem depois; os outros planos da vida após a morte. A maior parte das perguntas que recebo é sobre como devem viver enquanto há tempo.
Por causa disso, conduzo essas conversas de maneira prática. Pergunto às pessoas o que gostariam de ter feito ao longo de suas vidas que ainda não fizeram. Questiono sobre seus arrependimentos e dores, e as encorajo a darem passos que acreditam ser importantes para terminar bem a jornada da vida.
Conversar sobre a própria morte não é fácil, nem confortável. O fato de as pessoas buscarem amparo na religião para saber morrer não significa que elas o fazem com resignação. Na verdade, há muita relutância.
A maioria desses aconselhamentos acontece em meio a choros catárticos, episódios de raiva e momentos de desespero. Muitas pessoas se queixam de que Deus as abandonou, negam a fé —ainda que estejam ali buscando ajuda divina. Nada disso é novidade para padres, pastores e líderes religiosos em geral. São situações que fazem parte dos percursos da fé cristã.
Eu as ouço. Encorajo-as a botar para fora o que quiserem dizer, pelo tempo que for necessário. O silêncio também é uma forma de acolher uma pessoa em seu sofrimento. Sei, por experiência, que em algum momento elas irão respirar fundo e ouvir.
Muitas vezes, lemos a Bíblia juntos em busca de orientações para o que disseram querer fazer. Já vi gente recuperar seu casamento, voltar a falar com familiares, retomar amizades, cultivar hábitos saudáveis, matricular-se em cursos e viajar. Tudo isso depois de descobrirem que teriam pouco tempo de vida.
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Certa vez, uma senhora me procurou na igreja. Disse que tinha recebido um diagnóstico de câncer no intestino e que, por causa da notícia, começaria uma obra na sua casa na semana seguinte. "Eu não posso morrer sem arrumar essa bagunça", ela me falou.
A fala dessa mulher, que nos fez rir na hora, representa bem o que a proximidade da morte gera no ser humano. As pessoas gostam de sentir que tudo está no devido lugar, desde as questões existenciais mais complexas até as demandas cotidianas mais triviais. É como se isso as ajudasse a terminar a vida bem.
Dos temas que aparecem nas conversas com membros da igreja, os que dizem respeito à morte são os mais desgastantes. Entretanto, por mais custoso que seja falar sobre esse tema, é gratificante ver as pessoas descobrirem que ainda há o que fazer, mesmo quando se deparam com a proximidade do fim. E vê-las dedicando o tempo e a energia que lhes restam para viver melhor.
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