Lembranças de Delfim

Conheci Delfim Netto na tarde de 17 de fevereiro de 1978, uma sexta-feira de chuva copiosa. Deixara havia dias a embaixada em Paris e participava da inauguração da estação Sé do metrô —ele e dezenas de milhares de pessoas, atraídas por um show grátis de Aguinaldo Timóteo.

Apesar do aguaceiro, era o proverbial peixe fora d’água. Acaudilhara a economia, assinara o AI-5 e passara o pires junto ao empresariado para financiar centros de sevícia de dissidentes —e lá estava ele, todo desengonçado, dando tapinhas nas costas de candidatos a vereador.

Fomos, os repórteres, perguntar-lhe que "catzo" fazia ali. Intuíamos um lero-lero, porque um assunto mais chato que unha encravada afligia os politiqueiros: a nomeação do próximo governador paulista. Ele não tinha a mais remota chance de abiscoitar o cargo, mas simulava estar na parada.

"São Paulo vale bem uma missa", respondeu. Com Paris no lugar de São Paulo, a frase fora dita por Henrique 4º para justificar a conversão ao catolicismo e se tornar rei da França. Perguntei se devia chamá-lo de delfim de França ou rei do Brasil. "Me chame de professor", disse, rindo.

Era assim, com uma pilhéria rococó, que ensaiava os primeiros —e canhestros— passos no minueto da política miúda. Acabou por impor seu estilo ao baile do baixo clero: voltou a ser ministro, foi deputado por 20 anos, aconselhou soberanos protestantes e papistas.

Não foi rei, mas, como se acreditou piamente na sua conversão de autocrata em democrata, morreu ao som de ladainhas à direita e à esquerda. Foi um destino mais aprazível que o de Henrique 4º, esfaqueado e morto por um católico fanático.

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