Rodrigo Moita de Deus. "Há 2 a 3 grandes players que controlam a publicidade e o acesso a conteúdos&a

Foi publicitário, jornalista e consultor de comunicação. Em 2006, foi um dos criadores do 31 da Armada, pioneiro na produção de conteúdos audiovisuais originais para a internet e, ao longo de uma década, um dos mais influentes blogues políticos em Portugal. Em 2008, fundou a agência de comunicação Nextpower, de que é diretor-geral. É ainda, desde a inauguração, em 2016, diretor do Newsmuseum, instituição dedicada à história e tempo dos media. É presença regular na televisão e em conferências nacionais e internacionais sobre comunicação.

💥️Que análise faz da comunicação social em Portugal? Os media estão a braços com problemas de financiamento? Era expectável com a digitalização e com a explosão das redes sociais?

Era, mas há duas situações diferentes. Uma são os media na Europa e, mesmo nos Estados Unidos, que já estão a ultrapassar essa crise, outra é em Portugal, onde ainda não ultrapassámos essa crise e estamos muito mais atrasados na criação de novos modelos de negócio. Os media lá fora conseguiram encontrar outros modelos de negócio e conseguiram reajustar-se. Aliás, este processo contra a Google demonstra-o bem. Em Portugal não, ainda estamos muito atrasados, não é na transição digital, mas na recriação do modelo de negócio dos media que objetivamente morreu há uns anos e ninguém deu por isso.

💥️Este atraso deve-se a quê? Percebemos tarde demais ou tivemos uma resposta menos rápida?

Há uma combinação de fatores. O primeiro é que o mercado publicitário, como nós o conhecemos, evaporou-se, transitou para os grandes players digitais: Google e Facebook que são os donos aos dias de hoje do mercado publicitário. Ao mesmo tempo, em Portugal, os grupos de media fizeram um reajustamento pela parte dos custos, tornando o produto cada vez menos interessante e ficando a meio da ponte da transição. Isto é, não só não conseguem apresentar um produto suficientemente estimulante para o consumidor como, ainda por cima, ficaram sem grande parte das receitas ou com grande parte das receitas controlada por outros operadores.

💥️Ultimamente tem-se falado mais na hipótese de haver financiamento público, sem que isso ponha em causa independência dos meios de comunicação. Corremos o risco de abrir uma caixa de Pandora?

O financiamento público parece-me que é a última bola a sair do saco, ou seja, já é um ato de desespero. Mas recordo que outros países, nas mesmas circunstâncias, nomeadamente nas mesmas circunstâncias de mercado porque o mercado é internacional, conseguiram recriar os seus modelos de negócio sem necessidade desse financiamento público, conseguindo recriar basicamente os seus media. Vou ser cruel. A nossa transição digital foi feita pondo o jornal que tínhamos em papel online em PDF e chamamos-lhe a isso uma transição digital. Não reinventámos o produto com a possibilidade de multimédia que hoje a tecnologia nos permite. Hoje conseguimos fundir tudo, conseguimos ter a imagem em movimento num ecrã - aquilo que antigamente era televisão - e conseguimos ter voz no mesmo ecrã. Portanto, tudo isso tinha de ser combinado e nós só muito tarde é que começámos a fazer essa combinação e já foi muito tarde, enquanto os outros conseguiram fazer isso mais rapidamente, tornando o seu produto atrativo e recriando no seu modelo de negócio. Nós não, ficámos para trás e ainda estamos a fazer essa transição. O financiamento público é a última bola a sair do saco porque já em desespero, preciso de pedir dinheiro a alguém e vou pedir ao Estado, mas nos outros mercados isso não foi necessário.

💥️É visto como uma espécie de tábua de salvação?

É, mas a questão aqui é que não é o financiamento público que vai salvar as audiências dos meios. Posso injetar mais dinheiro, posso até melhorar os salários, posso até melhorar a capacidade tecnológica, mas não é isso que me vai salvar as audiências, porque aos dias de hoje temos um público que quer aquilo que os media já não são capazes de oferecer.

💥️E querem mais o quê?

Precisamos de ter um modelo multimédia híbrido e é esse o caminho que tem de ser seguido. Nós aqui achamos que a transição do digital é fazer uma infografia animada, não é. Isso era há dez anos ou há 15 anos. Uma infografia animada em que consigo clicar e ver os dados ao pormenor está bem, mas vou à Pordata e ela faz-me isso e faz-me isso desde o seu nascimento.

💥️É preciso revolucionar a forma de pensar?

A revolução tecnológica que chamamos, muitas vezes, de multimédia, mas multimédia significa multimeios. E não é isso. É capacidade de ser híbrido. Os jornais continuam a pensar como jornais, as revistas continuam a pensar como revistas, as televisões continuam a pensar como televisões e as rádios continuam a pensar como rádios. Hoje em dia a tecnologia permite-me oferecer tudo na mesma plataforma e isso obriga-me a reinventar o modelo de negócio, a minha organização interna e o próprio produto. E nós não fomos à parte do reinventar o produto. Podemos despejar os milhões todos que quisermos, se os tivéssemos, mas não vai resolver o problema do produto.

💥️Uma das soluções passaria por investir em publicidade institucional como chegou a existir ou seria tirar dinheiro para o problema?

É uma panaceia que nas palavras de André Ventura não faz bem, nem faz mal. Estou a atirar dinheiro para cima do problema, mas não vai resolver os problemas das audiências e os problemas das audiências é transversal a todos os meios: rádios, televisões, mas são audiências brutas, em valores absolutos, não são shares porque os shares disfarçam aquilo que, na realidade, significa uma diminuição da audiência. O produto ficou estanque, parado no tempo. Eu faço televisão da mesma maneira como fazia na década de 90.

💥️Na campanha eleitoral, o PS acenou com a ideia de Lusa gratuita e o PSD falou na criação de um plano de ação para os media…

O caso da Lusa é um bom exemplo, por tudo aquilo que significa, porque os jornais continuam na corrida para serem os primeiros a dar informação. Há uma tradição nas redações, e já passei por aí, que é quero ser o primeiro a dar esta notícia. Mas hoje em dia, com o digital, tenho um problema que é qualquer cidadão que esteja no sítio dá primeiro a notícia em si, pode nem dar a informação. Mas a maior parte dos meios continuam a trabalhar para serem os primeiros a dar a notícia e não a serem os primeiros a dar informação sobre o tema. Este é um mindset que leva muito tempo a alterar. A Lusa é um serviço público de ser o primeiro a dar a notícia, nos quais os jornais até concorrem, que é uma coisa extraordinária. É uma fonte e é um concorrente. E explica muito a desorganização que temos do ponto de vista de negócio. Temos rádios, jornais e televisões a concorrer com a Lusa para serem os primeiros a dar a notícia. Faz sentido? Estamos a triplicar a mesma oferta e estão muito poucos a pensar na oferta seguinte que é a informação.

💥️Sente que os cidadãos olham com desconfiança para a comunicação social ao contrário do que acontecia antigamente? Há uma descrença em relação ao jornalismo?

O escrutínio aumentou muito e hoje em dia conseguimos escrutinar quase tudo o que consumimos. Pode haver muita gente que não quer fazer esse escrutínio ou que não se dá a esse trabalho, mas essa possibilidade existe. Temos um público cada vez mais exigente e dentro dessa lógica de exigência é natural que também exista descontentamento. E não é só em relação aos media é em relação a tudo: à política, aos negócios, às empresas. O escrutínio e a voz dos descontentes é cada vez maior por efeito das plataformas e destes “novos” mecanismos de comunicação e, por isso, é normal que os jornalistas e os próprios meios de comunicação sofram com isso. Deixou de ser o árbitro e passou a ser escrutinado. E como tem um posicionamento dúbio em relação à maior parte das matérias que trata é normal que seja complicado.

💥️Os meios de comunicação perderam a sua importância com a explosão das redes sociais?

Chamo participação e escrutínio. O escrutínio não é obrigatoriamente bem feito, mas a participação em escrutínio aumentou brutalmente e passou a ser bidirecional em todos os sentidos, em que já não publico uma notícia sem ouvir o seu eco. Aliás, publico uma informação para ouvir o seu eco, para que tenha eco, mas nem sempre o eco é agradável. É a lei da vida. As redes sociais vieram amplificar esse fator.

💥️Os meios de comunicação acabam por estar muito dependentes destas grandes tecnológicas. É um perigo?

Não sei se é um perigo, mas é uma nova realidade e essa nova realidade já existe há muito tempo. A diferença destas grandes tecnológicas para as agências de meios é que essas grandes tecnológicas são transversais e de interesses transversais e, portanto, são gatekeepers, em que 80% do acesso à informação é feita através ou do Google ou através das redes sociais, se calhar até mais - há vários estudos, mas não há nenhum que seja excessivamente conclusivo - mas, ao mesmo tempo são também a parte interessada, enquanto vendedores de publicidade. Por isso, são obrigatoriamente parceiros se quiser continuar a trabalhar neste modelo.

💥️Mas essa parceria também foi imposta, em grande parte, pela Comissão Europeia…

E começaram a pagar. E hoje em dia são uma importante fonte de receita, além de serem agências de meios de anunciantes. Posso aderir à plataforma de anúncios do Google e esse é outro negócio que monto em cima da Alphabet [casa-mãe da Google]. Já são duas variáveis. Já não é só a questão do acesso é também a questão da publicidade. É poder a mais, é poder a menos? Não sei. Sei que é uma realidade e que vamos ter que geri-la, mas é uma realidade de há uma década. Nada disto que está a acontecer hoje é inédito e está a acontecer há dez anos ou há 15 ou até mais. Estava lá, estava escrito nas estrelas, só não percebo como é que demorámos tanto tempo a reagir.

💥️Houve um fechar de olhos…

Ou pior, não perceberam o que é que estava a acontecer. Ou seja, posso escolher ter uma revista ou um meio qualquer e não estar no Google. Posso escolher isso, posso vender a minha própria publicidade e ter os meus próprios canais de publicidade. Posso conseguir isso tudo, mas é um nicho de mercado.

💥️Mais de 30 empresas do setor dos media, de 17 países, incluindo a Impresa, interpuseram uma ação contra a Google. De acordo com os queixosos, a posição dominante da Google provocou perdas financeiras devido a um “mercado menos competitivo”, em que deveriam ter recebido mais receitas e menos despesas…

Temos dois casos. Um é o Google enquanto plataforma de acesso aos meus conteúdos e a utilização que faz dos meus conteúdos. Em relação a esse aspeto parece-me que está mais ou menos resolvido. Mas há outro caso que é a Google enquanto agência de meios, ou seja, a capacidade que a Google tem de vender publicidade por mim. Este último caso é sobre a questão da Google, enquanto agência de meios. É diferente, também envolve a parte dos conteúdos, evidentemente. Mas é Google enquanto fonte de receitas de anunciantes de publicidade, o que explica bem o poder que hoje em dia tem. Não é só a Google, também temos também a Meta e isto cada vez mais nos conduz a que existam dois, três grandes players globais que controlam, de facto, o mercado da publicidade e controlam o acesso meu a conteúdos. Isto é uma revolução. Mas, repito, não é de hoje, aconteceu há uma década.

💥️Ainda agora, a Google foi multada em 250 milhões de euros por violar propriedade intelectual com os media franceses…

Como o negócio deles é transversal não dependem obrigatoriamente dos grupos de media. É uma parte relevante do seu negócio? É, mas não dependem disso. E se a Google quiser ir mais longe pode continuar a financiar uns grupos de media em detrimento de outros ou criar os seus próprios grupos de media, por acaso acho que é o passo que falta.

💥️É previsível que isso venha a acontecer?

A Google está a levar com um processo dos alemães Axel Springer quando os pode comprar? A União Europeia tem sido a entidade, mais até que os Estados Unidos, onde essas questões têm sido discutidas, nomeadamente através de algumas peças legislativas e reguladoras. Este conflito para terminar passa por duas alternativas, tirando a terceira que é continuar assim com processos recorrentes e ou acaba com a Google a ser desmembrada ou acaba com a Google a investir no negócio dos media e ser ela própria um player. Mas nenhum destes casos vai resolver o problema de fundo dos media, principalmente em Portugal. Lá fora essa transição já acontece. Vamos ver jornais online e eles já fizeram essa reinvenção do modelo de negócio, agora em Portugal estamos mesmo muito atrasados. Os media portugueses precisam de se reinventar. É preciso oferecer um produto de qualidade e obrigatoriamente diferente, porque as plataformas permitem-no e o público exige. Voltamos à história do PDF, em que temos um PDF e chamamos àquilo digital.

💥️E depois apostamos em conteúdos desbloqueados, depois bloqueados, depois meio bloqueados…

Fecham conteúdos e não fecham conteúdos. Se fecham conteúdos, depois têm poucas visualizações, se têm poucas visualizações depois dá pouca receita de publicidade. Mas depois o número de assinantes não é suficiente e como o número não é suficiente e não tem publicidade começa a cortar nos custos de redação e começar a cortar nos custos de redação significa pior produto.

💥️É um ciclo vicioso…

Estamos sempre a cortar nos custos e depois não temos um produto de qualidade que alavanca as audiências.

💥️E como vê a distinção das verbas dadas pela Google aos vários meios de comunicação social?

A propósito disso há um tema que normalmente não é abordado, mas que é muito relevante para os anunciantes que é o retorno, isto é, o impacto real. No caso da rádio temos uns estudos e tenho ideia que ainda são feitos através de sondagens feitas por telefone para medir as audiências. Em televisão é aquele modelo que conhecemos e que continua ainda a ser discutido quando hoje em dia já há soluções tecnológicas que até me permitiam fazer isso. Nos jornais é através do controlo de tiragens, mas depois no digital não tenho nada, em que cada um dá o seu número. Mas a Google tem acesso aos números reais, não só faz de gatekeeper como também diz quanto é que valho. E em negócios online, qualquer loja de e-commerce consegue medir o impacto de vendas na Google e isto para os anunciantes é muito relevante. No entanto, como os media não foram capazes de resolver os seus problemas de audiências e terem dados fiáveis, a Google resolveu por eles. Claro que posso continuar a dizer que o meu jornal, o Jornal do Rodrigo, tem 12 milhões de pageviews e tem três mil de interações por dia, mas a Google sabe os números verdadeiros, melhor quando compro publicidade através da Google sei o que é que estou a comprar e depois não iria bater certo com os 12 milhões que andei a anunciar.

💥️Como vê o futuro dos meios de comunicação com estas guerras com as grandes tecnológicas?

Estou a fazer de advogado do diabo. São duas realidades diferentes, aquilo que se passa lá fora e aquela que se passa cá dentro. Cá dentro temos de reinventar o modelo de negócio e não só, também temos de reinventar o produto. Temos de fazer inevitavelmente o percurso todo que lá fora já foi feito e sem capital vai ser muito mais difícil fazê-lo. Lá fora, vamos ver, mas vai ser interessante, porque são duas forças enormes em confronto aberto. Não sou capaz de dizer quem é que é capaz de ganhar, mas que o mercado vai ser obrigatoriamente diferente vai.

💥️Para melhor ou para pior?

Depende, mas acredito que do lado do consumidor será sempre para melhor.

💥️Mas os estrangeiros têm feitos mais queixas contra as tecnológicas…

São grupos de media e depois há a questão nacionalista que é esta coisa irritante de ter um americano a mandar no mercado. Ninguém fala sobre este caso de xenofobia, mas leio as notícias de fora e todos falam no ‘grupo americano’. É aquela coisa de multinacional americana, quase como um apelo a nacionalismo. No entanto, a União Europeia está muito avançada e, às vezes, está demasiado avançada nessa luta. Mas não há alternativa ao mercado. Temos um outro caso muito semelhante que é o Spotify. Podemo-nos queixar das injustiças que o Spotify faz aos músicos e tenho a certeza que haverá alguém melhor do que eu para falar sobre o assunto, mas o Spotify permitiu reinventar o modelo de negócio. E a mesma coisa aconteceu com o Google.

💥️Por ultimo, como vê o anúncio feito pela Google que acenou com quatro medidas para combater desinformação nas eleições europeias?

A União Europeia tem sido particularmente exigente com estas plataformas, embora a questão das eleições seja outro caso e a questão do combate à desinformação é mesmo um problema. Em relação à desinformação não estou só a falar de fake news estou a falar de desinformação pura e dura. E esta é uma das questões mais relevantes que temos. Por outro lado, a Google e a Meta são duas empresas que podem assegurar e garantir o sucesso dessa luta e não só sabem disso como têm despejado muitos milhões de euros e dólares nessa questão.

💥️Mas a rede social Twitter, assim como a plataforma digital Facebook foram fortemente criticadas por não terem impedido as grandes campanhas de desinformação ocorridas em 2016 e que comprometeram a campanha eleitoral nos Estados Unidos…

A propaganda é como a água, encontra sempre um caminho. E a política é como a água, encontra sempre um caminho.

💥️E depois culpamos as grandes empresas tecnológicas?

Até fazemos exigências de serviço público, que eles assumem, mas tenho dúvidas se poderíamos exigir isso a um privado ou um qualquer privado. Olhamos para o Facebook ou para a Google como se tivessem a prestar um serviço público, como se não houvesse alternativas e há. O mercado é aberto e é concorrencial, aquilo não é um serviço público é um serviço privado. Utilizo o Google porque quero.

💥️Mas as alternativas são, muitas vezes, consideradas mais fracas…

Algumas foram morrendo, ainda existem. Há o Yahoo ou o Bing.

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