Nem Luís Montenegro tinha sido tão bom, nem Pedro Nuno Santos foi tão melhor 24
Os debates televisivos são um produto de sucesso em Portugal. São tão mais apetecíveis quanto maior é a tensão política e esse ingrediente não tem faltado nestas eleições. Um debate não é um debate apenas, tem uma antevisão, uma análise posterior, mesas redondas de comentadores, reportagens de rua e, a partir de hoje (bem haja) também um programa de humor diário, com mais entrevistas e comentários.
Um debate é aquilo que acontece em estúdio entre dois políticos e o que a maioria dos comentadores conclui que aconteceu.
No debate desta segunda-feira entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos a maior parte dos comentários à queima-roupa deram a “vitória” ao líder socialista ou quanto muito cederam no empate. Houve quem disse que se viu “o verdadeiro" Pedro Nuno Santos.
Para outros, o que aconteceu foi que o Pedro Nuno Santos que debateu com Luís Montenegro recebeu indicações claras da equipa de campanha para se mostrar como “animal feroz”.
E houve ainda quem reconhecesse no discurso desta noite a “venturização” do debate político em que os apartes e o estilo rufia ganham à substância.
Terá sido um pouco disso tudo. Foi certamente um Pedro Nuno Santos diferente dos outros debates frente a um Luís Montenegro mais parecido com o que foi em todos os outros debates, feitos os devidos descontos ao tempo acrescido em estúdio e ao facto de esta ser efetivamente uma discussão entre os dois políticos que podem vir a ser os próximos primeiros-ministros.
Quem ganhou o debate?
Se o debate fosse decidido nos primeiros minutos, e sabendo que a política está intrinsecamente ligada ao discurso, Pedro Nuno Santos teria sido o inequívoco vencedor. Porque inusitadamente este foi um debate que decorreu com uma manifestação das forças de segurança à porta. Se durante o dia o clima pré-debate foi semelhante ao de um derby, à noite o clima que recebeu os dois líderes junto ao português Capitólio, no Parque Mayer em Lisboa, mais se assemelhava a um jogo da seleção, com entoação do hino frases patrióticas. Ainda assim, não deixou de ser uma moldura inusitada, na sua versão mais benigna, e preocupante na projeção num Estado de direito.
E é por isso que quando Clara de Sousa lança como primeira pergunta que mensagem deixam aos polícias, esse era o momento em que não se podia titubear. Montenegro falou primeiro e poderia ter marcado logo aí a diferença entre um líder partidário e um candidato a primeiro-ministro. Não o fez. Disse que concordava com a reivindicação que decorria de “uma injustiça que foi criada por este governo” e que e “é prioritário iniciar um processo negocial para reparar esta injustiça”.
Pedro Nuno Santos falou de seguida e não poupou nas palavras. Disse que tinha uma “palavra de lamento por uma manifestação marcada para o Terreiro de Paço que foi desmarcada” para o lugar onde se realizava o debate e que “não se negocieia sob coação”.
Há momentos na política em que não se pode ser fofinho. Este era um deles. Não é só, e seria bastante, institucionalismo e respeito pelo Estado de direito. É também conhecer a natureza humana e, já agora, a forma como os portugueses entendem a liderança.
O segundo momento do debate foi eminentemente político já que visava a resposta sobre a viabilização ou não, de parte a parte, de governos de maioria relativa. “Sei que é difícil a AD ter maioria absoluta”, disse Luís Montenegro, apontando como segundo objetivo uma maioria com a IL. “Se não conseguirmos governaremos com maioria relativa e em negociação com todos os partidos e com o principal partido da oposição que será o PS”.
Na resposta, Pedro Nuno Santos diz que o PS não apresentará uma moção de rejeição nem votará ao lado de uma, mas também não se comprometerá à partida com um orçamento que não conhece. Nas muitas interrupções da noite, esta era uma que teria valido a pena Montenegro fazer. Era um ótimo momento de revisão da matéria dada desde os longos meses em que o PS defendeu a narrativa de uma aliança escondida entre PSD e Chega até ao progressivo direito ao esquecimento de toda essa argumentação que soçobrou em definitivo nas eleições nos Açores onde o PS acaba de anunciar que irá chumbar a maioria relativa do PSD/AD – a mesma maioria que manteve mesmo a linha vermelha face ao Chega, como Montenegro tem repetido que faria.
O líder do PSD trouxe os Açores à equação mas faltou-lhe o rasgo com que alguns políticos transformam momentos destes em palavras que não se esquecem.
A discussão seguinte foi sobre a famigerada localização do novo aeroporto em que Pedro Nuno Santos brindou a audiência com as suas frases-bandeira. Confrontado com a decisão e publicação em Diário da República da localização do novo aeroporto, que abriu uma mini crise no Governo e culminou no seu pedido de desculpas público, disse fez o que fez porque, passamos a citar, “ gosto de decidir e quero que o meu país avance”.
Na quase hora que se seguiria, discutiu-se crescimento económico, salários, impostos, empresas (pouco), habitação, saúde, educação para terminar no tema das pensões e de quem é mais amigo dos pensionistas. Este foi um momento especialmente penoso de assistir com o regresso da discussão aos anos da troika usado como arma de arremesso e muito pouco respeito pelo que o país atravessou e as responsabilidades que tanto PS como PSD têm desses tempos difíceis. Mais de uma década depois, é desolador ver um líder socialista falar das decisões assumidas no memorando assinado com a troika como se o partido que representa não tivesse qualquer responsabilidade na situação de bancarrota e, já agora, na própria negociação com as entidades que emprestaram dinheiro a Portugal.
“Temos uma relação de confiança com os mais velhos em Portugal”, disse Pedro Nuno Santos. Os mais velhos de 2012 não são os mesmos de 2022 e não serão certamente os de 2032 – mas não foi ontem, neste debate, que isso se discutiu.
Quem ganhou então? Ouviremos de muitos analistas que foi Pedro Nuno, o verdadeiro, que ontem finalmente apareceu como que na eterna manhã de nevoeiro que alimenta estas histórias em Portugal. Se isso significa ganhar, já é mais discutível. Quem ouviu os debates anteriores de ambos os líderes viu um mais igual ao que tem sido a sua postura e outro mais diferente. Mais diferente é melhor para Pedro Nuno Santos e para o que os apoiam certamente, mas, tal como a maioria que se antecipa, o impacto nos eleitores é relativo.
Quem perdeu?
A memória é traiçoeira e à medida que o tempo passa vamos tendendo a afirmar que o temos hoje é pior do que aquilo que tivemos no passado. Haja tempo e paciência para esmiuçar cada um desses debates de outras eleições e concluiremos que também havia acusações infundadas, interrupções constantes e contrarrespostas totalmente fora de âmbito.
Ainda assim, o debate de ontem não só não foi um debate inesquecível, como não foi um bom debate. Foi um “suficiente” e com alguma generosidade.
Mas Pedro Nuno Santos tinha tudo a perder se nada tivesse feito de diferente e Luís Montenegro teria tudo a ganhar se mais tivesse feito.
Pedro Nuno Santos não perdeu o que poderia ter perdido e Luís Montenegro não ganhou o que poderia ter ganho.
Foi um debate que decidiu umas eleições? Esperemos que não, coitados de nós.
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