Conectando Memórias: Alzheimer e Tecnologia na Era Digital

Dreamstime" style="width:auto !important;max-width:128px;height:80px;" src="https://cdn1.newsplex.pt/media/2023/12/31/862427.jpg?type=ithumb" alt="Conectando Memórias: Alzheimer e Tecnologia na Era Digital"> Conectando Memórias: Alzheimer e Tecnologia na Era Digital Conectando Memórias: Alzheimer e Tecnologia na Era Digital Conectando Memórias: Alzheimer e Tecnologia na Era Digital Conectando Memórias: Alzheimer e Tecnologia na Era Digital Conectando Memórias: Alzheimer e Tecnologia na Era Digital Conectando Memórias: Alzheimer e Tecnologia na Era Digital Conectando Memórias: Alzheimer e Tecnologia na Era Digital Conectando Memórias: Alzheimer e Tecnologia na Era Digital

A tecnologia desempenha um papel significativo no campo da pesquisa, diagnóstico, tratamento e cuidados relacionados com a doença de Alzheimer. O ✅i falou com especialistas e cuidadoras informais para entender como é que esta doença neurodegenerativa pode ser combatida na Era Digital.

Aproximadamente 153 milhões de pessoas no mundo terão demência em 2050, ou seja, quase o triplo do estimado para 2023 – 57 milhões. Esta foi uma das conclusões publicadas num estudo divulgado na publicação científica The Lancet Public Health, sendo que o trabalho adianta estimativas do número de adultos com 40 ou mais anos a viverem com demência em 204 países ou territórios diferentes, comparando os anos de 2023 e as projeções de 2050.

Segundo este documento, são quatro os principais fatores de risco: tabagismo, obesidade, hiperglicemia (excesso de açúcar no sangue) e escolaridade baixa. Em Portugal, serão 351 504 pessoas com demência em 2050, menos do dobro do número previsto para 2023, 200 994. Sabe-se que o tipo mais comum de demência é a Alzheimer que, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, representa 50 a 70% dos casos.

Será que este cenário pode ser evitado? Talvez não totalmente, mas Pedro Miguel Rodrigues acredita que o projeto Neuro SDR, que analisa a atividade cerebral e tem uma taxa de sucesso de 98%, permitirá que esta patologia seja detetada precocemente. “Sempre gostei da área da informática e da saúde. Portanto, quis conciliar esses dois pontos na minha vida profissional. Na altura, havia pouco conhecimento de engenharia biomédica e, a partir do momento em que vi que poderia ajudar as pessoas, decidi fazer isto ao longo do meu percurso académico”, começa por explicar ao i o professor Auxiliar na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. “E agora passo este ‘bichinho’ aos meus alunos”.

“São seis anos de trabalho oficial, digamos assim, mas há muitos mais envolvidos. O Hospital de São João facultou-nos estes sinais que foram importantes para podermos começar o trabalho e delinear tarefas até chegar ao Neuro SDR. Felizmente, não tive nenhum caso próximo, mas a partir do momento em que entrei na ala de Neurologia do hospital percebi que tinha de auxiliar aqueles doentes. Foi muito impactante”, sublinha o doutorado em Engenharia Biomédica pela Universidade do Porto que não esquece o “declínio cognitivo muito grande” que estas pessoas apresentaram “em meses”.

“É horrível e esta patologia afeta milhões de pessoas. Os efeitos dos medicamentos baseiam-se, principalmente, em ‘atacar’ os sintomas no início da doença. Escolhemos os 38 doentes em parceria com os médicos e alguns até quiseram participar ao saber do estudo, pois ainda estavam lúcidos. Tínhamos pessoas de todas as fases porque senão nem conseguiríamos encontrar aquelas que estavam nos estágios precoces”, observa o também mestre e licenciado em Engenharia Biomédica pelo Instituto Politécnico de Bragança que leciona unidades curriculares de processamento de sinal, eletrónica digital, programação de computadores e de aprendizagem computacional.

“No mestrado, comecei a trabalhar no desenvolvimento de tecnologias para as fases intermédia/avançada da doença, no doutoramento foi diferente. Temos algoritmo, interface, equipamento e teremos o produto final. Contamos com equipamento de terceiros, não criámos a touca, porque o nosso algoritmo tem essa capacidade de se adaptar e é isso que queremos: chegar a toda a gente. O eletroencefalograma existe em todo o lado, temos é de entregar o software às clínicas e aos hospitais”, reconhece o autor da tese de mestrado “Diagnóstico da doença de Alzheimer com base no eletroencefalograma” (2011) e da de doutoramento “Exploração dos sinais eletroencefalográficos para apoio ao diagnóstico da doença de Alzheimer” (2017).

“O algoritmo está validado e é suficientemente genérico para estar em qualquer clínica ou hospital, mas ainda tem de ser validado pelo Infarmed, IAPMEI, etc. Ainda vai demorar algum tempo a chegar ao mercado. Precisamos de parceiros que se queiram juntar a nós para conseguirmos colocar o produto no mercado. Teremos todo o prazer em aceitar ajuda de todos”, afirma o co-coordenador da licenciatura de Bioengenharia da Universidade Católica do Porto. “Penso que este projeto merece sair do laboratório e ainda temos muita burocracia pela frente. Quero deixar claro que não diagnosticamos: criámos um software para apoio médico. O software indica, dá um possível diagnóstico aos médicos, mas eles é que tomam a decisão clínica”, frisa o docente que não esconde que a equipa que lidera “já tem resultados que apontam para uma precisão elevada na doença de Parkinson”. 

“Esta e a doença de Alzheimer (DA) são muito parecidas inicialmente e queremos que sejam mais facilmente diferenciadas, alargando esta ferramenta a outras doenças neurológicas e também psiquiátricas”, esclarece, dando como outro exemplo as semelhanças entre a Doença Bipolar e o Transtorno de Personalidade Borderline. Naquilo que concerne este primeiro passo, tanto Pedro como os restantes membros da equipa certificaram-se de que “aqueles que estavam assintomáticos acabavam mesmo por desenvolver Alzheimer”.

“Os sinais foram todos recolhidos na mesma data, mas tinham de ser validados para sabermos se desenvolviam a doença ou se, tendo lapsos de memória, até regressavam a estágios de controlo. Não tivemos sinais de pessoas em estados vegetativos, ainda tinham todas momentos de lucidez”, clarifica. “Existem posições standard, colocamos 19 elétrodos mais um de referência para gerar o sinal em cada uma das localizações. A touca tem as posições previamente definidas, os sinais são transformados, passam do domínio analógico – pessoas – para o digital – números – através de um conversor com amplificador de sinal, porque são muitos ténues, e digitalmente processados, filtrados e aplicados algoritmos. Entendemos igualmente aquilo que é ou não patológico”, garante Pedro Miguel Rodrigues.

“Funciona em tempo real. A precisão é de 98%, mas uma margem de erro de 2% não pode ser menosprezada”, realça o investigador. “Nunca houve entraves, os médicos do S. João sempre colaboraram muito bem connosco”, diz o professor cujas áreas de interesse e investigação focam-se na aplicação de técnicas de processamento de sinal/imagem e de inteligência artificial (IA) no diagnóstico automático de doenças neurodegenerativas, cardíacas e da fala e na monitorização em tempo real de cicatrização de feridas.

“Nada nos serve ter 98% de precisão se não tivermos uma interface limpa e rápida: está muito ‘à engenheiro’ e precisamos de parceiros tecnológicos. Quanto maior o financiamento, mais fácil será chegarmos ao mercado”, finaliza o engenheiro que espera obter resultados promissores na deteção de sinais de outras doenças que afetam o sistema nervoso central, apostando, para tal, na IA que tantos frutos tem dado.

💥️Mais de mil pessoas morreram devido à DA em 2023 Uma das componentes principais da Alzheimer é a acumulação progressiva de placas da proteína beta-amilóide no cérebro, que acaba por comprometer a ligação entre as células cerebrais e, consequentemente, deteriora as mesmas, conduzindo à perda de um conjunto de funções cognitivas, como a capacidade de memória, de raciocínio, de linguagem, de concentração, etc. Consoante a perda destas capacidades, dá-se o aumento da dependência dos idosos e, na maioria dos casos, a morte destes. A Alzheimer Portugal aponta três fases da demência no seu site oficial: inicial, moderada e avançada.

A Instituição Particular de Solidariedade Social fundada, em 1988, pelo professor Carlos Garcia, explicita que a primeira “só é evidente através de uma análise retrospetiva. Na altura pode ter sido impercetível, ou achar-se que era devida à velhice, ou ao excesso de trabalho. A demência inicia-se, geralmente, de forma muito gradual e é frequentemente impossível identificar o exato momento em que começou”, sendo que “a pessoa pode parecer mais apática, ter menor vivacidade; perder o interesse em passatempos e atividades; apresentar relutância em fazer coisas novas; ser incapaz de adaptar-se à mudança; ter dificuldade em lidar com dinheiro”, entre outros sintomas.

Na segunda, “os problemas são mais evidentes e incapacitantes” e “a pessoa pode: esquecer-se facilmente de acontecimentos recentes. A memória do passado distante é geralmente melhor, mas alguns detalhes podem ser esquecidos ou confundidos; ficar confusa em relação ao tempo e ao espaço; perder-se, se estiver afastada de ambientes familiares; esquecer-se de nomes da família ou amigos, ou confundir um familiar com outro”, exemplificando, enquanto na última “fica gravemente incapacitada e necessita de cuidado total”, sendo “incapaz de lembrar-se de situações ocorridas poucos minutos antes, por exemplo, esquecer-se que acabou de comer; perder a capacidade de compreensão ou de utilizar a linguagem; ficar incontinente; não reconhecer amigos e família” e muito mais, na medida em que os sintomas diferem entre doentes. Este é mais um dos motivos pelos quais o Neuro SDR representa um avanço essencial na engenharia biomédica e, consequentemente, na medicina e no bem-estar e tratamento de quem padece de Alzheimer.  

Há apenas três anos, 6.275 mortes, em Portugal continental, foram atribuídas à demência. Destas, 1.629 diziam respeito à DA. Estes dados foram apurados a partir dos certificados de óbito na Plataforma da Mortalidade da Direção-Geral da Saúde, pela equipa que levou a cabo o estudo custos anuais com a DA equivalem a 1% do PIB português cujos resultados foram ontem divulgados, como o i avançou em novembro passado.

O Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa uniu esforços com a Biogen, empresa de biotecnologia pioneira na área das Neurociências, e, tendo em conta o elevado número de óbitos que a Alzheimer origina em território nacional, percecionou que esta patologia é atualmente responsável por cerca de 7% do total de anos de vida perdidos por morte prematura, sendo este impacto superior nas mulheres, com uma percentagem de 7,6%, enquanto os homens alcançam apenas 6,4%.

Recorde-se que não existem estimativas portuguesas representativas a nível nacional para a prevalência da patologia, sendo que os investigadores selecionaram uma que considerasse os dados da literatura quanto à proporção de Alzheimer no conjunto das demências e as estimativas de prevalência das mesmas.

Deste modo, acreditam que, nas faixas compreendidas entre os 65 e os 80 ou mais anos, são as mulheres que mais são afetadas (13,61% de doentes com Alzheimer no universo da demência), enquanto a prevalência é menor naquelas entre os 65 e os 69 anos (1,76%). No caso dos homens, as percentagens variam entre os 1,76% e os 12,75%, escalando esta à medida que avançam na terceira idade.

💥️Os passos dados por uma equipa de Coimbra Um hotspot triplo de patologia cerebral na DA: eis a mais recente descoberta de uma equipa multidisciplinar de cientistas da Universidade de Coimbra (UC) e do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), coordenada por Miguel Castelo-Branco (UC) e por Isabel Santana (CHUC).

Sabe-se, desde já, que este avanço poderá ter implicações importantíssimas em terapias futuras, na medida em que os investigadores identificaram um alvo cerebral de alteração precoce, relacionado com a perda de memória.

“É triplo porque usámos três técnicas que são muito importantes, como medir a amilóide – fomos os primeiros a instituir essa técnica e no diagnóstico da DA instituímos isto e temos doentes que vêm de todo o país e participamos até em consórcios internacionais. As técnicas de imagem entraram, na última década, no estudo desta doença porque espelham aquilo que se passa no cérebro”, começa por elucidar Miguel Castelo-Branco, investigador da Faculdade de Medicina e do Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional do Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde da Universidade de Coimbra, em declarações ao i.

“Ninguém sabe, apesar de muita investigação e muito investimento, o cerne desta doença. Temos também uma técnica molecular para medir a neuroinflamação porque se diz que, na verdade, a DA é provocada por um processo de inflamação. E temos outra técnica que passa por entender como é que o cérebro reage quando está a executar tarefas cognitivas. Estávamos a estudar fases precoces porque as pessoas ainda conseguem colaborar connosco”, justifica o investigador, reconhecendo que, “normalmente, são feitos estudos em repouso, as pessoas não estão a fazer nada, e são os mais fáceis”.

“Na nossa opinião, é um viés que a comunidade tem porque temos de dar tarefas às pessoas para que as executem. É nessa fase que se deve atuar. Podemos testar fármacos numa fase em que podem ser eficazes. Uma pessoa que andou a vida toda a formar placas de aterosclerose, por exemplo... Pode haver fármacos eficazes que não são testados na altura certa! Podemos fazer esta analogia. Esta é uma região muito importante porque é pivô nos circuitos de memória e navegação. Esta região está conectada ao hipocampo e faz parte do monte da Lua, quando estamos a divagar, mind wondering em inglês”, explicita o docente universitário que liderou a equipa que estudou a região cerebral identificada como cíngulo posterior e que demonstra, em fases muito iniciais da DA, alterações tripartidas únicas: inflamação neuronal, acumulação de amilóide e atividade neuronal aparentemente compensatória. 

“Vemos esta tripla conjugação – inflamação, acumulação da amilóide e ativação excessiva nesta região – e o que é curioso é que esta área é hiperativa. Quando as células ainda estão em sofrimento, mas ainda funcionam, ativam mais do que as de uma pessoa saudável. Vimos isto noutros estudos acerca de outras doenças e, antes de entrar em falência, acontece isto. Esta hiperativação sugere que estes neurónios ainda são funcionais. Achamos que é importante estudar isto em fases precoces. Entra na linha, não diria da medicina preventiva... Mas tentamos desenvolver investigação para ajudar o mais precocemente possível. Fazemos ensaios clínicos, estou ligado à Universidade de Coimbra, sou professor. Trabalho em várias frentes, tal como os meus colegas”, declara Miguel Castelo-Branco, que desempenha funções enquanto investigador coordenador desde 2008.

“Mesmo a questão da amilóide, posso fazer uma analogia com os depósitos de cálcio nas artérias: contam-nos a história de lesões antigas, não quer dizer que estejam ativas. A amilóide pequenina é, se calhar, aquela que é mais neurotóxica. Não estou a dizer que não se possa fazer nada em fases avançadas da doença, mas aquilo que parece mais viável é procurar fármacos que funcionem numa fase inicial”, reflete o Professor Catedrático que, para além de dar aulas em Coimbra, já lecionou na Universiteit Maastricht, nos Países Baixos.

Naquilo que diz respeito aos custos, a sociedade investe cerca de 2 mil milhões de euros, todos os anos, nesta doença, sendo a maioria das despesas referentes a custos diretos não médicos, tais como cuidadores informais, cuja despesa ronda os 1.1 milhões de euros – ainda na segunda-feira, os prazos para a entrega de documentos para o processo de reconhecimento e de manutenção do estatuto do cuidador informal foram alargados até 30 de novembro, segundo uma portaria publicada – e apoios sociais, que correspondem a um custo anual de cerca de 551 milhões, equivalente a uma despesa média anual de cerca de 3.800 euros por doente.

Além disto, são necessários os dispositivos de apoio – cadeiras de rodas e apoios à marcha –, os acessórios para cuidado – fraldas, luvas, resguardos e toalhitas – , as adaptações físicas do domicílio, os apoios sociais – Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI) e apoio a doentes no domicílio por meio de transportes. As despesas anteriormente mencionadas podem ser superiores em caso de doença mais grave.

Relativamente aos custos médicos, que constituem 11% do total dos custos anuais associados à Alzheimer, estes dizem respeito ao internamento, ambulatório – a maior fatia da fatura –, diagnóstico, seguimento, tratamento de reabilitação e tratamento farmacológico cujo total estimado é de cerca de 166 milhões de euros, isto é, um custo médio anual por doente ronda os 1.700 euros.

A DA é de cariz neurológico progressivo e o tipo de Demência mais frequente. Uma das componentes principais da mesma é a acumulação progressiva de placas da proteína beta-amilóide no cérebro, que acaba por comprometer a ligação entre as células cerebrais e, consequentemente, deteriora as mesmas, conduzindo à perda de um conjunto de funções cognitivas, como a capacidade de memória, de raciocínio, de linguagem, de concentração, etc. Consoante a perda destas capacidades, dá-se o aumento da dependência dos idosos e, na maioria dos casos, a morte destes.

“Esta descoberta no cérebro humano foi demonstrada in vivo, por meio de um conjunto de técnicas avançadas de imagem funcional e cerebral: o PET duplo (que mede, no mesmo doente, neuroinflamação e deposição de amilóide) e a ressonância magnética funcional para medir a atividade cerebral em tarefas de memória. Pois, como referi anteriormente, a área do diagnóstico por imagem tem vindo a ganhar território”, refere Castelo-Branco, abordando a investigação que coordenou e que poderá ser conjugada com outras como a de Pedro Miguel Rodrigues. “A maior parte das medidas que temos são mitigadoras: não atuam na causa. E não é só na DA, há mais, como a área do autismo”. 

“Por exemplo, temos vindo a desenvolver jogos para assisted living (jogos cognitivos). A nossa teoria é de que a tecnologia pode ajudar. Se não podemos ter um terapeuta a cem por cento do tempo, podemos ter outras formas. Temos uma abordagem muito holística!”, declara. “No caso do autismo temos vários papers publicados (sobre pessoas com autismo a usar transportes públicos com o auxílio destas ferramentas), no caso da DA temos várias coisas em preparação. Isto acaba por envolver sempre empresas. É preciso investimento ou até ter alunos de doutoramento que queiram criar empresas”, observa. “Temos alguma experiência, mas vemos que é complicado. No autismo, os pais gastam rios de dinheiro, mas no caso das doenças neurodegenerativas é mais complicado ainda porque as pessoas não têm meios financeiros”.

Miguel Castelo-Branco contou, no âmbito desta investigação, com Nádia Canário e Lília Jorge, primeiras autoras do estudo, e Ricardo Martins, investigadores do Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional do Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde da UC, sendo que os resultados deste trabalho estão disponíveis no artigo científico “Dual PET-fMRI reveals a link between neuroinflammation, amyloid binding and compensatory task-related brain activity in Alzheimer’s disease”, publicado na revista Communications Biology.

💥️Uma solução assente em tecnologias móveis “A evolução da sociedade sempre se pautou por avanços tecnológicos que levaram a melhorias e mais facilidades no dia a dia. Dessa forma, não vejo avanços no nosso dia a dia possíveis sem a utilização de tecnologia. Tecnologia essa que atualmente associamos a um computador ou à IA, mas que há séculos terá sido simplesmente um engenho para facilitar uma tarefa rotineira tal como o transporte de luz utilizando uma vela. Com isso quero dizer que o que para nós é tecnologia hoje era impensável existir há séculos, e o mesmo irá acontecer em relação a hoje e décadas/séculos no futuro. E isso quer apenas dizer uma coisa muito simples – que a tecnologia sempre fará parte da nossa sociedade e há que saber usá-la da melhor e mais segura forma em todos os instantes”, começa por dizer Igor Matias, estudante de doutoramento e membro do Quality of Life Lab da Universidade de Genebra, Suíça, que concluiu um Mestrado em Ciência Informática e Engenharia em 2023 e um Bacharelato na mesma área em 2018 pela Universidade da Beira Interior, Covilhã. “No entanto, há áreas sensíveis nas quais a tecnologia (em todas as suas formas) progride mais lentamente, como é o caso da saúde. Setores esses em que há que repensar a sua adoção e o ponto de liberdade e confiança que se deposita nela. Um exemplo muito prático é a ressonância magnética, que nos seus primeiros dias podia ser vista com desconfiança face aos métodos tradicionais em ambiente médico e que na atualidade é facilmente confiada e tem um papel crucial em diagnósticos. E creio que o mesmo acontecerá com a IA avançada, mas certamente há ainda um grande caminho a percorrer no que toca à validação, remoção de viés e correta aplicabilidade dela no ambiente clínico”.

“Tendo convivido com pessoas com leves episódios de demência, decidi focar-me na sua causa principal atualmente – a DA. E porquê essa mesma? Pelo facto de as terapias e investigações atuais procurarem há anos uma forma simples, rápida e facilmente escalável de detetar o seu início e não o terem conseguido até hoje. Tal deteção é crucial pois esta é uma doença que se inicia cerca de duas décadas antes do primeiro sintoma o que a torna assim quase impossível de diagnosticar a tempo de reverter a doença. Mas tal como Nelson Mandela disse, algo é sempre impossível até ao momento em que é feito – e assim mesmo eu pensei e penso nos dias que correm”, afirma Igor Matias, cuja investigação de doutoramento se centra no desenvolvimento e teste de uma abordagem inovadora ao pré-diagnóstico da DA, a principal causa da demência em todo o mundo, através da análise de rotinas da vida diária, sinais de saúde, e outros métodos, no sentido de uma solução assente em tecnologias móveis, tais como um smartphone e wearables, que possa prever a condição décadas antes do diagnóstico clínico.

“Um aspeto importante acerca da DA, principal causa de demência hoje em dia, é que as primeiras alterações a nível cerebral que lhe irão dar origem iniciam-se cerca de duas décadas antes do primeiro sintoma. Pouco tempo após essas primeiras alterações, existe uma reação em cadeia de fenómenos de alteração e dano celular que se inicia. É por isso importante conseguir detetar o momento em que a primeira alteração ocorre de forma a possibilitar, teoricamente, não apenas uma melhor gestão dos sintomas até ao fim de vida, mas sim uma forma de parar a doença”, declara. “Mas essa deteção representa um enorme desafio pois necessita de uma monitorização constante durante décadas ao longo das quais a maioria das pessoas se sente perfeitamente saudável e sem qualquer preocupação em relação a declínio cognitivo. No entanto, havendo uma ligação direta entre o estado do cérebro e as funções que cada região coordena, como o sono ou a locomoção, é expectável que seja possível detetar ligeiras alterações no comportamento humano aquando das primeiras modificações ao nível cerebral”. 

“E é aí que a minha pesquisa incide especificamente, na exploração de dados comportamentais recolhidos continuamente e passivamente ao longo de décadas. Esses que nos poderão indicar padrões que reflitam o momento de transição de um estado cognitivo perfeitamente saudável para a fase pré-clínica da DA, na qual nenhum sintoma é percetível, mas na qual a primeira alteração em cadeia já teve início e que levará ao diagnóstico clínico décadas depois”, acrescenta Igor Matias. “Ainda é cedo para dizer se será ou não possível ou até viável, mas aquando da obtenção dos resultados esperados da minha investigação, uma plausível nova meta será a predição de diagnóstico antes mesmo de ser possível detetar uma fase pré-clínica. Tal método poderia, à semelhança de testes de ADN que indicam predisposições para certas patologias, possibilitar uma antevisão de padrões comportamentais que certamente levariam ao diagnóstico muitas décadas antes”. “Dessa forma, adaptações comportamentais individualizadas (e não generalizadas, o que acontece atualmente) passariam a fazer parte do leque de opções de que um indivíduo disporia ao longo da vida para evitar tal doença – com maior precisão e maior personalização, pois cada pessoa é única e cada padrão comportamental é também único e representa algo completamente diferente entre indivíduos”, descortina.

“Creio que a IA já traz muitas vantagens à área da saúde, tais como diagnósticos mais antecipados que nunca na área de oncologia, desenvolvimento de fármacos mais eficientes em tempo recorde e até mesmo o alívio burocrático entre os funcionários e profissionais de saúde. Mais que isso, a IA trará certamente muitos mais benefícios a essa área, como por exemplo a mais célere criação de produtos inovadores nas mais diversas subáreas de cuidados, uma forma de diagnóstico atempado mais acessível e fácil de obter e, por último, uma medicina mais individual e mais atenta aos detalhes que fazem de todos nós humanos – a nossa unicidade, através da personalização de medicação, terapias, acompanhamento, entre muitos outros”, constata o assistente de educação na Universidade de Genebra e vice-presidente do Comité AdHoc de Infraestruturas Educativas da Região 8 do IEEE, sendo também o atual coordenador de Atividades Educativas da Secção de IEEE de Portugal.

“Concretamente referente à DA e os pacientes com esse diagnóstico, creio que a IA virá muito em breve possibilitar a deteção de estados de alarme que antecederão os sintomas e que poderão assim ser visados por medicações de cura (e não apenas de gestão de sintomas e prolongamento de tempo de vida após o diagnóstico), que estão também atualmente em desenvolvimento e que poderão vir a beneficiar de técnicas assentes em IA. Além disso, a IA poderá vir a ter um papel fulcral no entendimento da doença em si, pois ainda hoje a comunidade médica não consegue perceber na totalidade como e por que motivos ela se inicia”, adiciona. “Finalmente, a IA fará certamente uma maior contribuição nos próximos cinco a dez anos na área de cuidados paliativos ao permitir a utilização de ferramentas de auxílio e adaptação mais eficazes para quem vive com a doença no seu dia a dia e vê as dificuldades a aumentar diariamente (a IA generativa, como o GPT, inclui-se particularmente nesta vertente de ‘ajuda’ da IA no domínio desta doença)”.

“Os maiores benefícios da utilização de tecnologia (e IA em específico) na DA são inúmeros. Para começar, tal permite uma maior automação dos processos de rastreio, o que acaba por possibilitar ações mais abrangentes e rápidas que podem visar muitos mais utentes comparados a atendimentos ‘manuais’ que necessitam de enormes recursos humanos e financeiros para funcionar. A IA pode também ajudar a desenvolver formas mais precisas e eficazes de detetar a doença em estados de médio ou avançado desenvolvimento, como é o caso do sistema português inovador Neuro SDR. Ela pode também ajudar no desenvolvimento de novas terapias para a gestão de sintomas e/ou até mesmo da cura”, observa. “E, por fim, a IA pode ainda ser utilizada em tarefas que seriam humanamente impossíveis de fazer, tais como a deteção da doença décadas antes do primeiro sintoma, quando apenas será teoricamente possível detetar alterações comportamentais que o reflitam ao longo de anos e que requeiram uma recolha e análise de dados contínua e em quantidades colossais. Para concluir, a tecnologia traz e trará muitos mais prós na área da DA e penso que o que hoje vemos e conhecemos é apenas a ponta do iceberg, pois muito do que virá a ser realidade num futuro próximo é hoje uma mera alucinação e objeto de ficção científica”.

“É para mim óbvio que os maiores contras da utilização de tecnologia (e IA em específico) no âmbito da DA passam por questões éticas, de privacidade e de segurança.  Éticas, pois ainda não nos é hoje possível afirmar com total certeza que um modelo avançado de IA é eficaz da mesma forma (ou pelo menos com uma certa eficácia mínima) perante todas as etnias e raças, todos os grupos socioeconómicos, ou qualquer outra diferença social e/ou biológica que faz de oito mil milhões verdadeiramente humanos. Grande parte dos estudos atuais e passados visam populações de países mais desenvolvidos e com populações predominantemente caucasianas, o que não reflete de todo a diversidade da sociedade atual. O caminho a percorrer é longo, mas uma maior subsidiação e/ou regulamentação quanto à diversidade de estudos clínicos pode ser um próximo passo a dar a nível internacional”, diz, deixando claro: “Privacidade pelo facto de nunca nos ser, até hoje, alcançável um nível de confiança máxima quanto à segurança dos dados médicos, pessoais e sensíveis, que possibilitam a elaboração e treino de avançados modelos de IA que depois são usados na área da saúde. O desenvolvimento de novas técnicas de pseudoanonimização de dados é, por isso, crucial nesta área e deverá ser um dos grandes focos nas próximas décadas. Principalmente devido ao acelerado ritmo de crescimento do tamanho de bancos de dados médicos que são necessários para desenvolver os modelos de IA avançados de que o futuro se servirá”.

“E, por último, segurança pois uma adoção cega da tecnologia no seio do ambiente hospitalar, que lida com situações de vida e de morte e alterações que persistem durante uma vida inteira, apenas poderá ser corretamente feita quando a segurança da sua justa aplicação esteja garantida a cem por cento. No entanto, tal ainda não nos é hoje possível e alguns casos de falhas em ambiente clínico devido a ataques com recurso a falhas de segurança na tecnologia hoje usada são algo comuns nos dias que correm. A computação quântica poderá ter um papel importantíssimo neste ramo, mas certamente novas tecnologias intermédias surgirão nos próximos anos de forma mais rápida do que hoje antecipamos. A inovação na cibersegurança é, portanto, uma peça chave no futuro da utilização de tecnologia (e IA em específico) no hospital do amanhã”, finaliza, acrescentando, para rematar, que “os tempos que todos nós vivemos atualmente são de constante mudança, e mudança essa que é demasiado rápida para ser praticamente possível de acompanhar ao mais ínfimo detalhe”. 

“No entanto, há uma certeza que começa a emergir de forma mais evidente. É a certeza de que a IA avançada veio para ficar e a prova disso são as inúmeras formas da sua utilização a que temos assistido desde fevereiro de 2023. Se elas já existiam, mais despercebidamente ou não, creio que não é da mais elevada relevância agora. O relevante é que a IA é cada vez mais uma parte importantíssima das nossas vidas. E é por isso mesmo que eu defendo uma ‘democratização’ da literacia tecnológica e da IA, ou seja, um movimento comum e internacional que tenha como grande finalidade a transmissão de conhecimento de fonte fidedigna e forma simplificada ao público que usa a IA mas que não tem o conhecimento técnico necessário para a entender na sua totalidade”, esclarece Igor Matias. “Essa é, para mim, uma importantíssima e crítica etapa que nos separa hoje de uma utilização consciente, informada, e ponderada da tecnologia no dia a dia. Só assim poderemos todos alcançar o patamar de consciência crítica comum e de criatividade máxima no que toca à descoberta e desenvolvimento da tecnologia à qual chamaremos o ‘suporte’ da sociedade num futuro próximo e longínquo ao mesmo tempo”.

💥️O fim dos processos invasivos? “Esta empresa nasce à volta de uma visão com base na medicina personalizada, mas muito focada no impacto que pode ter nas doenças neurodegenerativas e, em especial, na Alzheimer, que tem sido historicamente a área a que nos temos dedicado mais. É muito rara a pessoa que não tem um caso relativamente próximo de DA. É uma das epidemias dos nossos tempos”, começa por afirmar Luís Valente, diretor executivo da iLoF, a startup que tem o departamento de engenharia no Porto e o comercial no Reino Unido e que se dedica à medicina personalizada. 

“Em primeiro lugar, há uma responsabilidade social: é incurável e, até certo ponto, não se pode tratar. Existem problemas gigantes nos doentes e em quem tenta levar medicamentos para o mercado e solucionar esta doença. Nos últimos 20 anos, mais de 400 estudos clínicos falharam a tentar levar fármacos para o mercado. Recentemente, tivemos boas notícias, mas modestas. E temos só um medicamento aprovado pela FDA e que não foi aprovado na Europa. A métrica que temos de algumas farmacêuticas com que trabalhamos é que 90% dos doentes, em média, desistem dos estudos clínicos de Alzheimer porque o processo é demasiado invasivo e inconveniente”, explica, indicando que “a forma como os doentes são testados envolve coisas muito invasivas como a punção lombar e fazer isto sabendo que, à partida, o doente não vai ter um fit para o estudo... Alzheimer é uma doença heterogénea e um medicamento não funciona para todas as pessoas”. 

“E quando começámos a nossa jornada, em 2023, juntámo-nos a uma aceleradora, em Boston, do MIT, e fomos para a rua e falámos em 10 semanas com 100 experts, CEOs, etc. E nós, ao longo desse tempo, conseguimos ter 120 entrevistas documentadas que validam que é um problema enorme do ponto de vista do doente, da farmacêutica, das biotechs e dos sistemas de saúde. Em paralelo, validámos que há uma oportunidade de negócio muito grande. Cada doente custa mais de 4 mil euros às farmacêuticas quando é estudado. E o terceiro ponto: tivemos e temos contacto pessoal com a DA e sentimos, de antemão, que é um grande problema social”, diz Luís Valente, sendo que o primeiro financiamento que a iLof alcançou foi de 2M para atuar no desenvolvimento de uma ferramenta de screening e fenotipagem para a DA. “Para melhorar a experiência destes doentes nos estudos clínicos”, frisa. 

Em 2023, dizia ao Expresso que este financiamento "abriu muitas portas". No ano a seguir, a Microsoft junta-se à causa e ao capital da empresa. “Queremos ser uma ferramenta que use dados multimodais para acelerar o desenvolvimento de novos tratamentos na área da DA, mas noutras também. Por exemplo na do cancro do ovário que é um dos maiores assassinos silenciosos de mulheres no mundo. Numa primeira fase, conseguimos dizer qual é o doente certo para x medicamento e ajudar as farmacêuticas a levar os medicamentos mais rapidamente para o mercado e para as mãos dos doentes. E, numa segunda fase, esperamos conseguir ser uma ferramenta usada em contexto clínico para ajudar a selecionar o medicamento certo para cada doente”, declara, constatando que “ainda não há formas fáceis e pouco invasivas de reunir todos os dados dos doentes. Portanto, aquilo a que a iLof se propõe é à criação de digital twins ou ‘gémeos digitais’ “dos perfis biológicos com variantes de país, cidade, sexo, idade, etc”. “Injetamos padrões de luz nas amostras de sangue, capturamos um padrão de reflexão e depois ensinamos os nossos algoritmos de IA a identificar o que é o perfil ou o padrão de um doente que vai reagir bem a x tratamento, um que não vai reagir bem nem mal e aquele que vai reagir mal. Interagimos entre a biologia, a física e a ciência de dados”.

💥️A tecnologia: entre as vantagens e os perigos 153M terão demência em 2050, o triplo do estimado para 2023. Para Rui Araújo, neurologista e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia, "é uma epidemia", tal como Luís Valente referiu. "Tem-se uma ideia do motivo pelo qual esses números vão aumentando: o aumento da longevidade das pessoas, por exemplo, porque é uma doença muito associada à idade. Existem outros fatores de risco como a hipertensão, a diabetes, o sedentarismo, etc. Tudo isso contribui para o aumento das estimativas da demência, nomeadamente da DA", explica. "Em 2050, existirão cerca de 16M de pessoas na Europa com demência e, em Portugal, 4% da população. São números muito preocupantes", salienta o profissional de saúde. 

"Tendo em conta as fases da DA, o auxílio da tecnologia depende muito da mesma, das ferramentas utilizadas. Podemos pensar na tecnologia a auxiliar num diagnóstico precoce - a deteção das proteínas associadas à DA, das alterações do próprio corpo e dos comportamentos da pessoa -, mas também nas fases mais avançadas através de estratégias que, por exemplo, sinalizam quedas por meio de alarmes", explicita. 

Esta doença é responsável por cerca de 7% dos anos de vida perdidos por morte prematura, mas será que a tecnologia pode reduzir este número? Na ótica de Rui Araújo, "dependendo da ferramenta em questão, pode", tendo em conta que "a tecnologia pode permitir que um doente esteja envolvido na sociedade durante mais tempo, consiga manter uma funcionalidade maior durante mais tempo, a tecnologia pode facilitar a manutenção da rede familiar, de amizade e laboral", diz. "É de esperar que os anos que são perdidos, com pior qualidade de vida, reduzam". 

A sociedade também investe cerca de 2 mil milhões de euros, todos os anos, nesta doença, e a maioria das despesas são referentes a custos diretos não médicos. Por exemplo, cuidadores informais e existem também os apoios sociais. Para além disso, existem os dispositivos de apoio, os acessórios para cuidado, as adaptações físicas do domicílio, etc. "Está muita gente atenta à DA e tem medo de vir a desenvolver esta demência. Portanto, acho que há, apesar de tudo, uma atenção mediática em relação ao tema e quando surge algum tratamento novo, existe repercussão", avança. "Acredito que haja um paralelismo com questões de investimento e de alocação de recursos e fundos para este tipo de problemas. Mas também é verdade que, tendencialmente, os cuidadores de pessoas com DA são pessoas mais velhas e com menos condições financeiras. Olhamos para a Alzheimer como uma inevitabilidade, como algo que depende da idade, enquanto em doenças como o autismo, a título de exemplo, investimos mais porque as encaramos de modo diferente", frisa.

"Existe muita investigação e muitos projetos em curso. Tenho dificuldade em destacar este ou aquele. Por um lado, temos as maneiras de tentar, de forma precoce, sinalizar quem poderá vir a ter algum tipo de demência e, depois, temos a tecnologia aplicada às fases mais avançadas da doença. Todas estas iniciativas são extremamente meritórias. Mas é importante deixar um alerta: todas estas tecnologias têm de ser validadas com os métodos de diagnóstico definitivo da DA", continua. "Na maior parte dos casos, não temos forma de confirmar a DA no período de vida do doente. Todas estas ferramentas têm de dar o passo subsequente de validar com aquilo que são os métodos mais acertados e avançados para diagnóstico destas situações. São necessários exames difíceis de realizar como análise do líquido cefalorraquidiano". 

"No campo de permitir que as pessoas tenham autonomia durante mais tempo, que se mantenham envolvidas na sociedade, que tenham a sua vida mais facilitada através de lembretes e alarmes nos telemóveis e smartwatches... Aí, a tecnologia resolve imediatamente os problemas. É neste segundo campo que acredito mais no poder da mesma. "Na minha consulta, muitos familiares querem manter os seus familiares mais tempo com autonomia. Ou seja, ainda vivem em casa sozinhas. Mas os familiares perguntam por câmeras, como aquelas que existem para bebés, para adultos. Vejo com muito bons olhos a tecnologia nessa área", sublinha.

Para além da tecnologia, também há testes de sangue que detetam a doença. "É um aspecto muito relevante. O diagnóstico das demências tem caminhado no sentido de procurarmos exames ao sangue ou ao líquido cefalorraquidiano para dosear as proteínas associadas às doenças. Apesar de uma pessoa ter essas proteínas ou um teste positivo, não significa necessariamente que vai desenvolver a doença. Se temos uma pessoa com sintomas e sinais de DA e se tenho maneira de dosear essas proteínas, o diagnóstico torna-se mais fiável", observa Rui Araújo. "Mas uma pessoa sem sinais e sintomas pode também ter essas proteínas. Até agora, essas alterações só podiam ser detetadas através de exames específicos ao cérebro ou por meio da colheita do tal líquido cefalorraquidiano. A colheita desse líquido tem uma grande vantagem: é colhido através de um procedimento técnico que se chama punção lombar. Tem havido um investimento muito grande para se tentar dosear as proteínas no sangue periférico, que é muito mais prático. A questão é que não é tão fidedigno como no líquido cefalorraquidiano. Não quer dizer que no futuro não seja. Está a haver uma investigação muito aprofundada", salienta. 

"Hoje ainda não conseguimos detetar essas proteínas através da colheita de sangue, mas há passos nesse sentido. No entanto, estes testes estão a ser comercializados e vão ter problemas de sensibilidade e especificidade. Não vão conseguir detetar de forma correta quem tem as proteínas e excluir quem não as tem. Ainda é muito precoce ter estas ferramentas disponíveis", adianta, explicitando que a comercialização destas ferramentas "pode constituir um perigo". "Muitas pessoas podem fazer o teste não tendo qualquer tipo de indicação para o fazer, pode dar positivo e não sabemos se esse resultado traduz um verdadeiro positivo. E mesmo que tenham essas proteínas, pode não querer dizer nada! Trata-se de um problema grande em termos de saúde pública. Tanto que a JAMA dedicou um artigo a esse tema", avança.

Em ‘Consumers Can Now Buy a Blood Test to Evaluate Their Alzheimer Disease Risk, but Should They?’, Rita Rubin, tendo por base o cenário norte-americano, começou por explicar que os consumidores podem solicitar exames de sangue ao gigante de testes laboratoriais Quest Diagnostics para verificar os seus níveis de ferro ou vitamina D, saber se eles têm uma doença sexualmente transmissível ou determinar se a sua tiroide está a funcionar corretamente. E agora, por 399 dólares, mais uma “taxa de serviço médico” de 13 dólares, podem solicitar um exame de sangue que promete ajudar a avaliar o risco de DA.

Num comunicado de imprensa, a Quest Diagnostics observou que o seu teste AD-Detect para a DA é o primeiro exame de sangue disponível para compra pelos consumidores que mede um biomarcador ligado à forma mais comum de demência. O teste usa cromatografia líquida-espectrometria de massa em tandem para avaliar a proporção de 2 peptídeos β-amilóide, 42 e 40, no plasma. Os depósitos amilóides no cérebro são uma marca registada da DA, embora muitas pessoas que os têm não desenvolvam comprometimento cognitivo.

Alguns neurologistas e pelo menos um bioeticista questionam a sabedoria de comercializar tal teste para médicos, e muito menos para consumidores. O teste pode não estar pronto para o horário nobre, dizem eles, expressando preocupação com a precisão do teste, bem como com a forma como os consumidores poderão interpretar os seus resultados.

O problema é que os indivíduos não são os melhores juízes da sua própria cognição, disse S. Ahmad Sajjadi, chefe da Divisão de Distúrbios de Memória da Universidade da Califórnia em Irving, por e-mail ao JAMA. “Na nossa área”, escreveu, “temos definições claras e critérios de trabalho para definir o estágio sintomático da DA, que só pode ser determinado por especialistas após cuidadosa anamnese e testes auxiliares apropriados”, como uma avaliação neuropsicológica. Sajjadi recentemente foi coautor de um post – ‘Direct To Consumer Blood Tests For Alzheimer’s Disease’ – num blogue que levantou preocupações sobre o AD-Detect.

💥️A vertente jurídica e o ponto de vista dos cuidadores “A tecnologia é um mundo, podemos estar a falar de coisas muito diferentes: sistemas que permitam que a pessoa se oriente no espaço e no tempo e podem ser muito úteis desde que a pessoa dê o seu consentimento (ou alguém que as represente) quando isso possa pôr em causa a liberdade de movimento, por exemplo. Pulseiras, relógios, este tipo de aparelhos que podem ajudar nesta perspetiva. Na Alzheimer Europe temos vários exemplos do envolvimento de pessoas com demência em projetos de investigação precisamente sobre estes dispositivos”, diz Maria do Rosário Zincke dos Reis, presidente da direção da Alzheimer Portugal e presidente da Alzheimer Europe.

“Relativamente à deteção da doença, isso é extremamente delicado. Se estamos a falar de pessoas perfeitamente capazes de decidir e querer ou não querer fazer um teste, imaginemos, é tranquilo. Se não é o caso, se a pessoa aceita participar num estudo genético em que se fazem testes e se determina se a pessoa tem uma forma genética de demência... Pode pôr-se a questão: a pessoa pode não querer saber inicialmente. E o que se faz quando a pessoa participa no estudo, não quer saber o resultado, mas depois perde capacidade para decidir?”, questiona. “Alguém pode decidir em representação dela? Levantam-se muitas questões éticas. Por isso, é muito importante que utilizemos ferramentas jurídicas de antecipação da vontade. Assim, as coisas tornam-se muito mais fáceis”. Recorde-se que, segundo o portal eportugal.gov.pt, a Diretiva Antecipada de Vontade (DAV) ou Testamento Vital é um documento em que uma pessoa expressa as suas preferências sobre os cuidados de saúde que deseja ou não receber, caso se encontre numa situação clínica em que não possa tomar decisões por si mesma. No Testamento Vital, é possível também designar uma ou duas pessoas como Procuradores de Cuidados de Saúde, conferindo-lhes a autoridade para tomar decisões sobre os cuidados de saúde em nome da pessoa, caso ela não consiga expressar as suas próprias vontades numa situação médica específica.

No site oficial da Alzheimer Europe, encontramos uma secção dedicada exclusivamente à investigação científica. No mesmo, é-nos explicado que, todos os dias, pessoas com demência, os seus parceiros, amigos próximos e familiares, bem como membros do público em geral e profissionais de saúde, participam em projetos de investigação que visam melhorar de alguma forma a vida das pessoas afetadas pela demência. “Os objetivos dos projetos individuais são diferentes. Alguns podem ter como objetivo encontrar uma cura, uma melhor forma de tratar os sintomas ou a doença ou identificar fatores de risco ou preventivos, enquanto outros podem estar mais centrados em melhorar a qualidade de vida das pessoas com demência, capacitando-as, encontrando formas de proporcionar uma melhor qualidade de vida, apoio a quem cuida e apoia, e investigar diferentes práticas de cuidado”, é esclarecido. 

Por outro lado, na subsecção ‘Questões éticas’, todas as reflexões feitas por Maria do Rosário Zincke dos Reis estão presentes. A título de exemplo, lê-se: “Antes de qualquer pessoa participar num estudo, deverá ter dado o seu consentimento informado aos investigadores responsáveis ​​pelo estudo. Dar consentimento informado envolve mais do que apenas aceitar participar, pois a decisão deve basear-se numa compreensão completa do que está envolvido. A informação relativa ao estudo deve ser fornecida pelos investigadores e ser compreensível para os potenciais participantes, que devem ter tempo para absorver a informação, discutir com outras pessoas, se assim o desejarem, e colocar quaisquer questões. Por esta razão, o consentimento informado deve ser visto como um processo e não simplesmente como um documento a ser assinado”. “Para estudos que envolvam tratamento médico ou medicamentos, o procedimento de consentimento é uma exigência médico-legal prevista em leis e códigos de ética médica. Dependendo do país em que a investigação está a ser realizada, poderá haver leis específicas adicionais sobre investigação que estabeleçam condições para a obtenção do consentimento. Pessoas com capacidade mental limitada ou que não tenham capacidade para consentir ainda podem participar na investigação sob certas condições (que podem ser bastante rigorosas)”, é clarificado.

“Se sou contra ou a favor da tecnologia? Não posso dizer porque tem uma diversidade de situações que podem estar em causa. No entanto, com a vontade que temos de avançar na ciência e na tecnologia... Sabemos que, por vezes, há direitos que ficam um bocadinho comprometidos. Mas não podemos pensar nisso à partida. É importante trabalharmos ao nível da prevenção: enquanto estamos capazes de decidir, devemos ser sensibilizados para a importância de participar na investigação, não só para nosso próprio proveito, mas também para beneficiar outras pessoas. As associações de doentes e os media têm um papel crucial neste campo”, realça Maria do Rosário Zincke dos Reis.

Carla Catarina Neves, de 49 anos, cuidou da avó, Olinda, que sofria de DA, até ao falecimento desta. Na ótica da cuidadora, um dos dispositivos que mais convenientes foram para o quotidiano de ambas foi a câmera de vigilância. “Começámos por experimentar os intercomunicadores dos bebés, sem a câmera, mas não resultou, porque fazia muito ruído e de facto acabava por não ser uma mais-valia. Entretanto, nos últimos dois anos... E tenho pena de só ter optado pela câmera nesse período, porque me permitiu não estar continuamente a subir e a descer escadas, consegui não subir 930 graus por dia como subia”, explicita a cuidadora que se autodefine como “jornalista e radialista em stand by” e é fundadora da página de Facebook ‘E de nós, quem cuida?’.

“A câmera, por exemplo, permitiu que eu durante a noite, no meu quarto, pudesse perceber se ela já estava a tirar a roupa, se ela estava a tentar sair da cama, ou se estava tranquila, mesmo que estivesse acordada. Foi realmente uma grande ajuda, um grande descanso, nomeadamente um descanso físico. As campainhas e os sensores de movimento também me auxiliaram muito quando a avó ainda saía da cama. Para além dos equipamentos, não nos podemos esquecer das redes sociais. Passava muitas noites em branco e a comunidade do Twitter acabava por me oferecer uma ajuda preciosa a nível de carinho, acompanhamento, solidariedade, empatia e até mesmo para me manter acordada, muitas vezes com brincadeiras, com publicações bem-dispostas. Agradeço a todas essas pessoas, incluindo a minha unidade de saúde familiar que sempre, sempre mesmo, foi incrível”, confessa.

“Quando estava desorientada, algumas das pessoas com quem eu interagia com mais proximidade, ajudavam-me um bocadinho a meter a cabeça no sítio para tomar algumas decisões. Não eram consultas médicas, claro, mas até conselhos médicos e de enfermagem recebi. Felizmente, nunca senti solidão, mas a verdade é que as redes sociais podem colmatar isso se as pessoas não tiverem tanto apoio como eu tive”, sublinha. “Considero sempre a tecnologia uma mais-valia. Quando é bem pensada e bem atualizada, facilita imenso a vida. Por exemplo, a questão das videochamadas: para muita gente é uma ponte e, muitas das vezes, uma salvação de um dia muito complicado”.

Quem se alinha com Carla Catarina Neves é Marlene Novais, de 21 anos, uma das cuidadoras do avô, Américo, que sofre também de DA há 12 anos, e autora do livro ‘Porções de Afeto’ - cuja segunda edição será lançada em maio de 2024 pela Editora Edições Toth. “Quando falamos em tecnologia, lembro-me, de imediato, das aplicações. Por exemplo, utilizo muito o YouTube para tentar alegrar o meu avô. Vou buscar músicas antigas, que ele ouvia quando ia para as feiras, e reage. Uma vez abriu muito os olhos em direção à minha avó, percebeu-se que estava a recordar, nem que fosse um bocadinho, aquela canção”, diz. “Para além da música, acho que os dispositivos móveis podem ser usados para estabelecer contacto com pessoas que estão mais distantes. No caso do meu avô, que já está numa fase avançada da doença, pode não ser tão útil – mas, de qualquer modo, é para os familiares o verem e ele ouvir as vozes deles –, mas para a minha avó, que é a cuidadora principal dele, é. Porque passa muito tempo apenas com ele e, assim, pode interagir com outras pessoas. Duvidamos muito das capacidades dos idosos, mas são capazes de coisas fantásticas”.

O que você está lendo é [Conectando Memórias: Alzheimer e Tecnologia na Era Digital].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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