'A realização de um professor é na sala de aula', diz educadora mais antiga da rede municipal do Rio
Maria de Lourdes Albuquerque Tavares, ou apenas 💥️Lourdinha, que é como os alunos, amigos e colegas a conheceram ao longo dos 66 anos de carreira como educadora na rede municipal do Rio, nunca perde a fé no poder do ensino.
No 💥️Dia dos Professores, celebrado neste sábado (15), ela conta já ter ocupado diversos cargos relacionados à educação, mas diz que foi na sala de aula onde mais se sentiu realizada. Ela é a educadora mais antiga da rede do Rio.
Aos 84 anos, ela segue ativa e faz parte do Conselho Municipal de Educação do Rio. Ao longo da carreira, a professora de língua portuguesa lecionou para todos os tipos de estudantes: crianças, adolescentes e adultos em classes de alfabetização.
1 de 3 Lourdinha é a educadora mais antiga da rede municipal do Rio de Janeiro — Foto: Cristina Boeckel/ g1Lourdinha é a educadora mais antiga da rede municipal do Rio de Janeiro — Foto: Cristina Boeckel/ g1
“O supletivo, dar aula para adultos é algo que te pega de jeito. Eu já dei aula para estudantes que não escreviam nem o nome. Um deles entrou assim. Eu dei aula para a turma por quatro períodos. E ele saiu lendo e escrevendo. Isso não tem preço”, contou a professora.
Lourdinha e outros professores participaram de um evento realizado pela Secretaria Municipal de Educação na Barra da Tijuca na última sexta-feira (14), para lembrar a data dedicada a eles. Mil e duzentos profissionais com mais de 30 anos de trabalho na rede da prefeitura da capital fluminense compareceram, representando os mais de 40 mil profissionais da rede.
Onze destes professores, os mais antigos, foram homenageados. Lourdinha estava entre eles. Todos eles, juntos, possuem 532 anos de magistério.
O secretário Municipal de Educação do Rio, Renan Ferreirinha, afirmou que a educação possui desafios de formação e infraestrutura, mas que é preciso valorizar os profissionais que buscam aprimorar o conhecimento no ensino.
"É quem está na escola, na sala de aula que vive e conhece na ponta as dificuldades. A gente sabe que ainda há um longo caminho para a valorização plena, mas trabalhamos sem parar para que nossas professoras e professores tenham dignidade. Como filho e sobrinho de professoras, essa é uma pauta pessoal pra mim", afirmou Ferreirinha.
Além da rede municipal, Lourdinha trabalhou na rede federal, dando aula para estudantes do ensino médio. Um estudante a marcou.
“Havia um aluno super insubordinado. E eu conversava muito com eles. Sempre tirava um tempo da aula para uma conversa. E como eu era mais velha, a maioria dos professores era mais novo, eles me ouviam muito. Ele conseguiu se formar e eu perdi contato. Eu sou católica. E há uns três anos, eu encontrei com ele tocando violando na igreja. E ele falou para mim:
‘A senhora pensou que ia, algum dia, me ver fazendo isso?’ E eu falei que não. ‘Viu como a senhora ajudou?’ Isso é bom de ver”, contou Lourdinha.
2 de 3 Evento da Prefeitura do Rio celebrou o Dia dos Professores — Foto: Cristina Boeckel/ g1Evento da Prefeitura do Rio celebrou o Dia dos Professores — Foto: Cristina Boeckel/ g1
Ela acredita que a educação pode melhorar o mundo.
“Quem é que educa uma criança? A família e a escola. Se a família não é 100% e a escola falha, a educação é primordial para ver se esse mundo muda”, afirmou.
Os efeitos da pandemia são um desafio para os profissionais de educação.
Eu acho que a pandemia foi uma tragédia para os alunos. Porque aquele que o pai pode manter, tinha uma forma de compensar. Mas aqueles, que são a maioria, que às vezes não têm nem um celular, para eles foi uma tragédia. Temos alunos de quinto ano que não sabem ler. O secretário falou que a Secretaria de Educação está fazendo um trabalho de reforço paralelo. E tem que ser feito isso. Para tentar salvar essas crianças”, disse Lourdinha.
3 de 3 Da esquerda para a direita: professoras Carmen Nadir, Denise Barifouse e Helzir Borges Lopes — Foto: Cristina Boeckel/ g1Da esquerda para a direita: professoras Carmen Nadir, Denise Barifouse e Helzir Borges Lopes — Foto: Cristina Boeckel/ g1
Carmen Nadir Ferreira, outra homenageada, se dedica a dar aulas de matemática na rede pública desde 1973. Ela trabalha na Escola Municipal Alcides Carneiro, em Campo Grande, na Zona Oeste da cidade. O trabalho da professora envolve, além de ensinar, mostrar que a disciplina é prazerosa e extremamente necessária para a vida diária.
“Tem bastante resistência, porque eles são criados dizendo que a matemática é um bicho-papão. Mas, para muitos, eu consigo transformar esse conceito. Outros não.”
Além de professora, Carmen é economista. Um estudante que seguiu a carreira por causa da influência dela é uma das lembranças mais queridas.
“Hoje ele está bem e isso é algo que a gente valoriza, poder formar esse tipo de cidadão. E os outros que sempre estão vencendo as barreiras também”, disse a professora.
Denise Barifouse, que dá aula na rede municipal desde 1974, se tornou professora da escola onde estudou: a Escola Municipal Santa Catarina, em Santa Teresa.
“Eu fiz o primário e fui alfabetizada lá. Tenho um carinho muito grande pela escola e escolhi voltar, escolhi ir para lá por isso, por já ter estudado lá. E eu já fiz tudo: fui professora, coordenadora, diretora e diretora adjunta, que eu sou hoje."
Ela contou que a história dela não é uma raridade. Outros professores que também estudaram e moram no bairro passaram pelos bancos da escola antes de assumir a carreira no magistério.
“O amor pela profissão é que o move. É algo que eu escolhi de coração. Há pouco tempo eu estava em um consultório médico e tinha uma senhora com uma moça de uns 40 anos. Quando ela entrou, a senhora me chamou. E disse: ‘Ela foi sua aluna. Ela tem um carinho muito grande pela senhora, ficou com vergonha de se apresentar. E hoje ela é professora de inglês por sua causa’. Essas coisas que movem a gente”, disse Denise.
Helzir Borges Lopes, de 68 anos, começou a carreira na rede municipal como professora primária, mas depois passou em um outro concurso para ser professora de educação física.
“Eu estava na maternidade porque tive o meu primeiro filho. Aí foram dois fiscais, aplicaram a prova e eu fiz. Aí passei para professora de educação física”, contou Helzir.
Ao longo do tempo, Helzir se profissionalizou e buscou novos caminhos, como o atendimento de alunos com deficiência.
“O que me move é a alegria da criança, esse talento, esse potencial que eles têm e que a gente consegue desenvolver. Alguns com mais facilidade, outros com mais dificuldade. Mas eu acredito na educação”, disse.
A educação física, aliás, a levou a lugares que nem imaginava. Ela foi árbitra das apresentações de nado sincronizado na Olimpíada de Pequim, em 2008. Ela diz que o evento a ajudou a observar a disciplina de outros países e ver coisas que poderia aplicar no Rio.
“É o futuro do nosso país. E o que a gente precisa é incentivar, elevar a autoestima dessas crianças. Mostrar que elas podem”, disse Helzir.
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