Colégio do Rio anuncia aulas de 'Moral e Civismo' como resposta ao resultado das eleições

Em comunicado, a direção do Colégio Dimitri Marques, em Campo Grande, se manifesta contra o governo eleito e contra uma suposta 'ideologia de gênero' que seria aplicada — Foto: Reprodução Google Maps 1 de 1 Em comunicado, a direção do Colégio Dimitri Marques, em Campo Grande, se manifesta contra o governo eleito e contra uma suposta 'ideologia de gênero' que seria aplicada — Foto: Reprodução Google Maps

Em comunicado, a direção do Colégio Dimitri Marques, em Campo Grande, se manifesta contra o governo eleito e contra uma suposta 'ideologia de gênero' que seria aplicada — Foto: Reprodução Google Maps

O 💥️Colégio Dimitri Marques, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, anunciou nesta sexta-feira (4), em um comunicado enviado aos responsáveis de seus alunos, que incluirá em sua grade curricular a disciplina 💥️'Moral e Civismo' a partir de 2023.

Segundo o documento, a medida é uma resposta ao resultado da eleição presidencial desse ano, que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como futuro chefe do poder executivo federal.

"Comunicamos que, a partir de 2023, será implementada a disciplina de "Moral e Civismo" em nossa grade curricular. Tal entendimento se ampliou no atual processo eleitoral, mas já havia sido iniciado nos últimos anos, durante os quais analisamos os materiais didáticos e conteúdo (especialmente da disciplina de História) nos quais têm sido cada vez mais comum observar a descaracterização de conceitos fundamentais, que acabam sendo substituídos por ideologias, sociologia, filosofia, achismos etc", dizia o comunicado.

Segundo a direção do Colégio Dimitri Marques, os materiais didáticos analisados "acabam tornando os alunos cada vez mais manipuláveis" e por isso a instituição avaliou que o estudo de 'moral e civismo' poderá combater a suposta manipulação.

O comunicado assinado pelo diretor geral da escola, Dimitri Marques, pretende "esclarecer" a posição da instituição "tendo em vista o resultado das eleições". No texto, a escola se diz "comprometida com princípios e valores inegociáveis" e se manifesta contra o governo eleito, contra uma suposta 'ideologia de gênero' que seria aplicada pelo futuro governo e cita, inclusive, uma fake news sobre o uso de banheiros unissex na instituição.

"(...) Portanto, ainda que o futuro governo nos traga dúvidas em aspectos diversos, permaneceremos alicerçados no que acreditamos desde a fundação de nosso colégio: a família, a importância do homem e da mulher na formação do ser humano, a moral, a ética, o caráter ilibado, o civismo, a entrega do ensino de qualidade, o amor, a gratidão e a honestidade (...)", dizia outro trecho.

O g1 entrou em contato com a escola, que não se pronunciou até a publicação desta reportagem.

O comunicado enviado pelo Colégio Dimitri Marques nesta sexta-feira assustou alguns pais por conta de uma possível atuação político-partidária da escola. Em contato com o g1, um pai que não quis revelar sua identidade, avaliou que a recriação da disciplina 'Moral e Civismo' é um retrocesso.

"A recriação de uma disciplina nos exatos termos, inclusive com referência expressa a legislação que a constituiu na ditadura, mais uma vez é um reforço de uma visão político-partidária. (...) É muito simbólico querer recriar esse tipo de disciplina porque os assuntos nelas vertidos democraticamente, eles atravessam de forma transversal disciplinas como filosofia, história e geografia(...)", comentou o pai de dois alunos da escola.

Apesar de fazer críticas a tentativa de incorporar uma disciplina criada em 1969, portanto durante a Ditadura Militar no Brasil, o responsável de um dos alunos da instituição fez questão de reforçar as qualidades da escola, destacando que a unidade de ensino sempre foi "muito séria, comprometida e preocupada".

Segundo esse pai, o Colégio Dimitri Marques é uma escola com valores cristãos e com viés conservador, o que nunca o incomodou.

"A escola sempre teve um viés mais conservador, mas nunca misturou as coisas. Nunca deixou transparecer suas escolhas sobre valores, com o debate político partidário. (...) Mas quando eu li o comunicado não pude me calar, eu liguei para o diretor e manifestei minhas preocupações", disse o responsável.

Na opinião dele, as questões levantadas no comunicado podem sim fazer parte de um debate na sociedade, contudo sem que a escola seja um instrumento da política partidária.

O responsável ouvido pelo g1 também comentou que o posicionamento da escola pode ser uma estratégia comercial, visto que o Rio de Janeiro e principalmente a Zona Oeste da cidade se mostrou bastante favorável ao atual presidente, considerando os números de votos que o presidente Jair Bolsonaro (PL) teve nas zonas eleitorais da região.

"Eu lamento profundamente. A escola é competente, boa, zelosa, com viés conservador e cristão. Eu não tenho nenhuma questão contra a escola. Contudo, essa manifestação de resistência aos resultados das eleições pode ter um interesse comercial, visto que os resultados da última eleição desagradaram grande parte dos eleitores do Rio de Janeiro. Acho que a escola pode ter pensado nisso. Mas eu não posso concordar", comentou.

Além da possível questão comercial, um dos trechos do comunicado citou uma comprovada notícia falsa, uma fake news, para tentar validar junto aos pais o descontentamento da escola com o resultado das eleições.

Em determinado momento do texto, a direção da escola fala sobre uma suposta ideologia de gênero que seria aplicada pelo futuro presidente e comenta sobre a obrigatoriedade de escolas particulares adotarem banheiros unissex.

"Nosso compromisso também se estende, como de costume, à seleção do material didático, o que, neste momento, se torna mais preocupante, visto a possibilidade de a implementação da ideologia de gênero ser imposta e não mais subentendida, como temos observado nos últimos 6 anos em alguns dos materiais didáticos, os quais eliminamos sempre que detectamos", dizia um trecho do documento.

A fake news sobre ideologia de gênero e a obrigatoriedade de banheiros unissex em escolas surgiu pela primeira vez em 2023. Na época, circulou pelas redes sociais uma mensagem que dizia que o STF iria votar a ADI 5668, ação movida pelo PSOL, "para tornar obrigatória a ideologia de gênero nas escolas públicas e privadas".

A mensagem dizia que, se aprovada, "as crianças escolherão se querem ser meninos ou meninas e os banheiros serão comuns". O g1 mostrou que a mensagem era falsa.

Uma fake news parecida voltou a circular esse ano por conta das eleições. Diferentes apoiadores do presidente Jair Bolsonaro passaram a publicar mensagens insinuando que, se Lula for eleito, meninas e meninos passarão a frequentar o mesmo banheiro nas escolas.

O ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou às redes sociais que retirassem esse tipo de conteúdo, alegando que a informação era falsa.

"Eu moro em um bairro grande, mas localizado no subúrbio do Rio e com muitos moradores com essa linha de pensamento. Eu acho que as pessoas estão gostando, o que pode ser ainda mais preocupante. Não pelo pensamento conservador, mas por aprovarem que a escola assuma um compromisso com o terror com e com fake news. Uma semana depois das eleições, com movimentos antidemocráticos acontecendo por todo o Brasil, eu fico muito preocupado que isso vire uma realidade", analisou um dos pais ouvidos pela reportagem.

A inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória nas escolas de todos os graus e modalidades no Brasil aconteceu em 1969, durante a Ditadura Militar, através do Decreto-Lei número 869. A nova lei também estabelecia a criação da Comissão Nacional de Moral e Civismo, responsável pela elaboração dos programas básicos da disciplina.

Em 1993, já após a redemocratização do Estado Brasileiro, o Governo do então presidente Itamar Franco revogou o decreto de 1969. A determinação exigia que a carga horária destinada às disciplinas Educação Moral e Cívica deveria ser incorporada às disciplinas da área de Ciências Humanas e Sociais.

Vinte e seis anos depois, em 2023, o presidente Jair Bolsonaro decidiu criar a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares (Secim). O objetivo era promover, fomentar, acompanhar e avaliar, por meio de parcerias, a adoção por adesão do modelo de escolas cívico-militares nos sistemas de ensino municipais, estaduais e distrital.

Apesar de estimulada através do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), a disciplina 'Moral e Civismo' não é regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

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