PEC da Transição: economistas citam pontos que podem levar risco às contas públicas
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que ainda está sendo elaborada pelo governo eleito, gerou algumas preocupações em economistas e especialistas em contas públicas. Eles alertam para potenciais riscos à trajetória da dívida e dos gastos do governo.
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Os especialistas dizem que, se por um lado, é essencial garantir condições de vida básicas para a população vulnerável, a solução não pode prejudicar a responsabilidade fiscal, já que isso poderia gerar o efeito inverso ao desejado: alta da inflação e dos juros, penalizando, sobretudo, os mais pobres.
Segundo o relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), a PEC vai tirar da regra do teto de gastos todo o orçamento do Bolsa Família, atualmente chamado de Auxílio Brasil. Isso deve somar R$ 175 bilhões .
Essa solução é uma aposta do governo Lula para continuar pagando o valor de R$ 600 mensais para famílias de baixa renda, já que o atual governo previu essa quantia só até dezembro.
O teto de gastos, criado em 2016, diz que a despesa do governo não pode crescer, de um ano para o outro, mais do que a inflação. Foi uma maneira encontrada pelo governo Michel Temer, e aprovada pelo Congresso, para conter o crescimento da dívida pública.
Excluir uma despesa da regra do teto significa ter uma permissão para gastar acima do limite imposto pela regra.
Segundo Castro, essa excepcionalização será permanente, mas o tema ainda está sendo debatido dentro da equipe de transição.
Para os economistas, há três pontos principais de preocupação:
Veja a explicação de cada um dos pontos abaixo, ou clique no menu acima.
A PEC deve retirar do teto uma ação orçamentária – no caso, o Bolsa Família, atualmente Auxílio Brasil –, e não um valor específico.
Isso abre a possibilidade de o governo eleito seguir elevando as despesas desse programa nos próximos anos, já que não haverá a amarra do teto e de outras regras fiscais.
"Isso fragiliza a gestão fiscal e tira a previsibilidade da trajetória do gasto e da dívida", afirma Juliana Damasceno, economista da consultoria Tendências.
"Ao tirar uma classe de despesa relevante do teto e de todas as demais regras fiscais, você a deixa desenfreada. O governo poderia editar uma Medida Provisória a qualquer momento elevando o valor do programa, por exemplo", afirma Caio Megale, economista-chefe da corretora XP.
O governo eleito, ao retirar o Bolsa Família do teto, está retirando despesas obrigatórias continuadas. Ou seja, não seria uma exceção temporária, para acomodar gastos emergenciais, dizem os economistas.
Mesmo que essa exceção à regra vigore apenas por um período, como discute a equipe de transição, será muito difícil voltar a acomodar essas despesas dentro da âncora fiscal.
"Essa licença vai incluir muitas outras coisas, além das despesas do Bolsa Família. Vai incluir investimento, recomposição de programas e outros itens. Começou se falando em um valor de R$ 100 bilhões e agora já estamos em R$ 175 bilhões", destaca Megale.
Mesmo já em valor elevado, essa PEC provavelmente não vai dar conta de contemplar todas as pressões por aumento de gastos no ano que vem. Como, por exemplo, o reajuste dos servidores, que no Orçamento de 2023 está próximo de 5%.
O último reajuste generalizado do funcionalismo foi aprovado em 2018. Portanto, a expectativa é de que os funcionários públicos pleiteiem percentuais maiores, para recompor as perdas dos últimos anos.
"A inflação acumulada no governo Bolsonaro já alcança o patamar de 26%", alerta Juliana, da Tendências.
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Segundo os especialistas, também contribui para o aumento da incerteza o fato de o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, ainda não ter anunciado sua equipe econômica e seu ministro da Fazenda.
Para Megale, da XP, o governo iniciou a partida sem ter um goleiro. "O ministro da Fazenda é sempre o goleiro, em qualquer governo. Ele que segura as pressões por gasto e zela pelo Orçamento."
"O fato de não sabermos quem será o ministro da Fazenda embute ainda mais incerteza aos ativos", diz Erminio Lucci, CEO da corretora BGC Liquidez.
As falas recentes de Lula de que despesas com educação e saúde, por exemplo, não são gastos, mas investimentos, além de ter relativizado a importância do teto de gastos, também pesaram na percepção de risco.
"A primeira mensagem que chega é a de que a responsabilidade fiscal é uma pauta que não está muito pacificada e definida, e que não se sabe muito bem como será tocada. Isso traz uma incerteza muito grande", diz o CEO da BGC.
Os R$ 175 bilhões que serão excepcionalizados do teto de gastos devem ser divididos da seguinte maneira:
Ao retirar esses R$ 105 bilhões do teto, o governo eleito abre espaço dentro da regra fiscal para recompor programas que sofreram gastos drásticos, como o Farmácia Popular, e cumprir promessas de campanha, como a correção real (acima da inflação) do salário mínimo.
Segundo o relator do Orçamento, ainda há a possibilidade de retirar do teto de gastos um eventual excesso de arrecadação do governo federal que ocorra em 2023.
Essa receita extraordinária poderia ser transformada em investimento público, por exemplo, que ficaria ficaria de fora da regra fiscal. Isso, segundo o relator, até o limite de 2% desta arrecadação específica.
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