Esvaziado, programa federal de aquisições de alimentos vê doações despencarem
O agricultor Walter dos Santos (à esquerda na imagem) viu o programa mudar a comunidade onde mora — Foto: Arquivo Pessoal
Sem conseguir vender sua produção ao governo federal pelo Programa de Aquisição de Alimentos, agora chamado Alimenta Brasil, o agricultor Walter dos Santos voltou a se preocupar com a fome na comunidade onde mora, em Pequi da Rampa, no interior do Maranhão.
No início de seu primeiro mandato como presidente, em 2003, Lula (PT) lançou o programa, que consiste na compra de alimentos orgânicos de pequenos produtores e doação desse volume para pessoas em situação de vulnerabilidade social, merendas de creches e escolas, hospitais e programas assistenciais.
Até o ano passado era chamado de Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA. Em 2023, Bolsonaro trocou o nome para Alimenta Brasil, sem alterar as regras básicas. No auge, o projeto comprou e doou em um ano mais de 500 mil toneladas de comida da agricultura familiar.
Nos últimos anos, enquanto o país voltava ao Mapa da Fome da ONU, a ação foi esvaziada. Desde 2016, entre os governos Dilma Roussef, Michel Temer e Bolsonaro, o volume doado não passa de 200 mil toneladas. Comparando 2011 com 2023, a queda é de 76%: 491.260 toneladas contra 114.043 no ano passado.
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A marca de 2023 é a quarta pior da série histórica ( ). Em 2022, até junho, 💥️quando 33 milhões de pessoas passavam fome no Brasil💥️, somente 11.460 toneladas foram doadas.
Os dados são do Ministério da Cidadania e foram obtidos pelo 💥️g1 via Lei de Acesso à Informação. Procurada, a pasta não respondeu sobre a queda dos valores até a publicação desta reportagem.
A queda das doações se reflete no orçamento e na execução do programa. O valor pago pelo ministério a agricultores caiu 57% no mesmo período de dez anos, de acordo com dados do Ministério da Cidadania. A quantidade de agricultores beneficiados reduziu 67%.
Uma nota técnica da pasta, de 23 agosto deste ano, ajuda a dimensionar encolhimento do programa. Na data do documento, de 1.155 municípios que tinham aderido, apenas 254 conseguiam executar as compras, por falta de recursos do governo federal.
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Em julho deste ano, a promulgação de uma emenda constitucional com uma série de benefícios às vésperas das eleições aportou R$ 500 milhões a mais ao orçamento do Alimenta Brasil.
Até outubro deste ano, R$ 240,8 milhões foram empenhados (comprometidos para pagamento), de um orçamento total de R$ 679,5 milhões.
No entanto, a situação pode voltar a piorar, caso o Congresso e o governo eleito de Lula (PT) mantenham o orçamento proposto por Bolsonaro para 2023: R$ 2,6 milhões.
Com o recurso previsto, o projeto pode deixar de existir na prática. "Esse orçamento e nada é a mesma coisa. Simples assim", explica Sílvio Porto, ex-diretor da Conab e professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
2 de 2 Como funciona o programa Alimenta Brasil — Foto: Arte/g1Como funciona o programa Alimenta Brasil — Foto: Arte/g1
Quando foi lançado, em 2003, o PAA era um dos projetos estruturantes do Fome Zero. Como agora, o Brasil penava para💥️ sair do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU).💥️ O país voltou a essa💥️ posição em 2018, quatro anos depois de sair pela primeira vez.
As doações cresceram ano a ano, à medida em que a gravidade da fome diminuía. O auge chegou no começo da década seguinte, em termos de orçamento e alimentos produzidos.
"O programa teria que ter crescido mais, certamente ele ainda não havia chegado ao patamar ideal, mas pelo menos ele já tinha ultrapassado o patamar de bilhão de reais [de orçamento], como foi o caso de 2012", diz Porto.
Alguns dos especialistas ouvidos pelo 💥️g1 apontam que a derrocada começou a partir de 2013, no governo Dilma, com a repercussão da operação "Agro Fantasma", da Polícia Federal (PF), sobre supostos desvios de recursos do PAA por gestores da Conab no Paraná e cooperativas de agricultores no estado.
O então diretor da Conab Sílvio Porto chegou a depor na Superintendência da Polícia Federal, mas não foi indiciado.
Na época, 11 pessoas foram presas preventivamente, em ação autorizada pelo então juiz Sergio Moro. Todas foram absolvidas anos depois, por falta de provas, segundo a defesa de três agricultores que foram presos e agora processam a União por danos morais e materiais.
A operação gerou mais sete processos judiciais em outras cidades do estado. Até 2023, todos foram arquivados pela Justiça, sem aceitar outras denúncias.
Nos meses após a ação, no entanto, o PAA foi prejudicado e perdeu a eficiência de atender agricultores, diz o agrônomo Paulo Petersen, membro do núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
"Foi um momento de criminalização, em vez de um aperfeiçoamento do programa. O governo terminou enrijecendo o programa com normativas que foram dificultando exatamente os mais empobrecidos de acessarem o recurso", relata Petersen.
Apesar da operação policial, os entrevistados são unânimes em apontar que o estado atual do programa é fruto da falta de prioridade das gestões do governo federal, desde o segundo governo Dilma até Bolsonaro.
A pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Regina Sambuichi ressalta que o país já reduziu o problema da fome no passado e "conhece o caminho das pedras" para voltar a fazê-lo
Gente do campo: Simone Silotti
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