Cidade Integrada: criminosos voltam ao Jacarezinho mesmo com a presença da polícia

No início do ano, o Governo do Estado anunciou a retomada da favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro. O programa Cidade Integrada prometeu levar programas sociais, obras e segurança para a comunidade. Mas, ao longo desses 10 meses os moradores continuam reclamando da falta do poder público. Agora, eles dizem que a situação piorou ainda mais: o tráfico de drogas voltou a dar as cartas na comunidade.

Os relatos de troca de tiros em vários pontos do Jacarezinho começaram ainda pela manhã desta sexta-feira. E no começo da tarde o comércio na rua Amaro Rangel fechou as portas. A via fica a 450 metros da Cidade da Polícia, e perto das bases usadas pelo programa Cidade Integrada.

O Centro Municipal de Saúde Renato Rocco e a Clínica da Família Anthidio Dias da Silveira que ficam na comunidade não funcionaram. Os profissionais não conseguiram chegar para trabalhar.

Vídeos obtidos pela 💥️TV Globo mostraram a movimentação de bandidos ao lado dos contêineres usados pelos funcionários do programa Cidade Integrada. Os criminosos estavam em um carro prata.

Em outras imagens é possível ver criminosos comemorando o retorno à favela. "Matei a saudade de casa. Voltei pra casa: Jacaré. Olha só como é que... nós tá na pista. É a tropa, mano. Tropa do CH. Tropa do Fred. Nóis tá na pista. Se colocar a cara no Azul, vai morrer. Vai morrer polícia, pô", dizia o bandido.

A tropa do CH que ele cita é a tropa de Chico Bento, apelido de Adriano Souza Freitas, o chefe do tráfico local. E Fred, também citado pelo traficante, é Felipe Ferreira Manoel.

1 de 3 Chico Bento é procurado pela Polícia Civil — Foto: Divulgação

Chico Bento é procurado pela Polícia Civil — Foto: Divulgação

Os dois são procurados pela polícia e foram denunciados pelo Ministério Público pela morte do policial civil André Leonardo de Mello Frias, assassinado na operação mais letal da história do Rio, em maio de 2023. À ocasião, 28 pessoas foram mortas na comunidade.

A Polícia Civil tem informações de que, desde a operação do ano passado, Chico Bento está escondido na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão. Mas hoje, dez meses de instalação do programa Cidade Integrada, ele teria ordenado a reocupação do tráfico no Jacarezinho.

Desde a manhã desta sexta moradores relatam ter visto homens armados em diversas ruas.

A região do Azul, fica entre as ruas Miguel Ângelo e Álvaro de Azevedo, foi um dos pontos de confronto.

Em áudios, moradores relataram a situação na favela. Avisa aí que que os caras estão tudo armado. Granada, pistola... Estão lá em cima no Azul. Até na beira da linha tem pessoa armada. A ordem do cara agora é dar tiros nos policiais", disse um morador.

Até os mototaxistas da comunidade foram afetados. "Os caras mandaram tirar os mototáxis (de onde eles ficavam). Não tem ninguém na pista. Botaram as barricadas de lixo lá e os cara tão tudo no Azul, irmão. Nem vai pela pista. Eu vi pelos próprios olhos. É pra evitar ir, tá, rapaziada", contou um morador em outro áudio.

O que acontece hoje é uma realidade bem diferente da que foi prometida 10 meses atrás. O Jacarezinho chegaria até um batalhão próprio, com 400 policiais. O governador Claúdio Castro (PL) fez uma série de promessas.

Quando o Cidade Integrada começou, a PM divulgou ter retirado 30 barricadas da favela. Hoje, elas voltaram. Mesmo com a ocupação que completa 10 meses amanhã. Imagens mostram o Batalhão de Choque retirando trilhos que foram colocados pelos traficantes.

2 de 3 Policiais militares reforçam policiamento nos acessos da comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro — Foto: Reprodução/ TV Globo

Policiais militares reforçam policiamento nos acessos da comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro — Foto: Reprodução/ TV Globo

E antes mesmo da volta das barricadas e dos ataques desta sexta, o tráfico se fazia presente. Desde setembro moradores e funcionários do programa contam que os bandidos nunca deixaram de exercer influência na comunidade.

"No início houve um acordo de 100 dias. Passado esse período, os traficantes começaram a ficar mais arredios, pois todo tempo achavam que o Governo do Estado queria tomar para dar para a milícia. Para dar a região para a milícia. Trabalhávamos a todo tempo com tiroteio. Não podíamos sair. Não podia mais abandonar a base. Mesmo com o tiroteio, helicóptero. Pessoas morrendo. Nossa vida era colocada em risco a todo momento", diz um funcionário do programa.

Pessoas contratadas para o Cidade Integrada relataram que só podiam fazer as atividades do projeto dentro da comunidade durante a manhã. À tarde o tráfico que comandava.

"Isso tudo era combinado. A parte da manhã, por ser uma parte mais tranquila dentro da comunidade, era o horário combinado da gente entrar na comunidade para fazer nossas abordagens, para poder ir até os equipamentos, né? Onde estavam tendo obra, tendo os cursos", conta uma pessoa do governo.

No dia 7 de junho vários funcionários que estavam fazendo uma pesquisa no comércio local sofreram uma emboscada dos traficantes e ficaram quase uma hora sob a ameaça dos bandidos.

"E foi alertado que a situação era perigosa, pois o tráfico de drogas continua. Continuava acontecendo de forma de liberada. Tem bancas com tudo exposto à rua. Mesmo com as incursões policiais. No período da tarde foram abordados. Toda a equipe foi abordada em conjunto. Os traficantes ameaçavam matar todo mundo a todo o tempo. No rádio, tocava todo o tempo, leva para leva para associação, leva para a associação. Que vamos matar todo mundo", disse uma testemunha.

3 de 3 Governo do Rio de Janeiro deu início ao novo projeto de ocupação social pela comunidade do Jacarezinho — Foto: Reprodução/ TV Globo

Governo do Rio de Janeiro deu início ao novo projeto de ocupação social pela comunidade do Jacarezinho — Foto: Reprodução/ TV Globo

O RJ2 já denunciou que a influência do tráfico chegava a indicações do Cidade Integrada. Jair Rodrigues de Araújo, Rafael Jefferson de Oliveira Nascimento e Elci Carvalho Fonseca - vistos usando coletes do Cidade Integrada - segundo funcionários, eram responsáveis pela articulação do estado com o tráfico. De acordo com servidores do projeto, só se entrava na comunidade com a permissão deles.

Em agosto, o 💥️RJ2 mostrou que Elci, de 68 anos, funcionário do Cidade Integrada, se apresentava como pai do traficante Chico Bento nos documentos entregues. Ele foi uma das três pessoas cadastradas pela Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) para visitas ao criminoso enquanto ele esteve preso entre 2016 e 2018.

Em nota, a Polícia Militar diz que ocupa o Complexo do Jacarezinho 24 horas por dia desde o início do programa. Ainda de acordo com a corporação, desde janeiro já apreendeu 6 toneladas de drogas e 77 armas de fogo. Também fez 400 prisões e apreendeu 33 adolescentes. Além disso, a PM disse ainda que removeu 27 toneladas de barricada.

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