"Cansados desta guerra": a violência do grupo M23 na República Democrática do Congo
Pessoas deslocadas pela luta entre os rebeldes M23 e o governo das Forças Armadas da República Democrática do Congo se reúnem ao norte de Goma, na República Democrática do Congo, em 25 de novembro de 2022. Centenas de milhares de pessoas foram desalojadas de suas casas pela disputa que se iniciou mais de um ano atrás no leste do Congo entre os rebeldes M23, as milícias e as forças do governo. — Foto: AP/Jerome Delay
Kavira Mathe estava preparando o jantar para seus dois filhos quando as balas começaram a cruzar o ar. Os rebeldes do grupo M23, do leste da República Democrática do Congo, haviam atacado seu vilarejo, matando dezenas de civis. Ela contou que fugiu com algumas outras pessoas para sobreviver.
“Perdi vários amigos”, disse Mathe, em conversa telefônica com a Associated Press, falando de Kanyabayonga, onde está abrigada. Depois de caminhar 50 quilômetros até estar em segurança, viu estradas cobertas de corpos que pareciam ter sido amarrados e baleados, segundo ela.
“Foi horrível de ver”, contou Mathe. “Estamos cansados desta guerra.”
As comunidades do leste do Congo estão enfrentando dificuldades para sobreviver em meio a esse massacre e outros em que pelo menos 130 pessoas foram mortas pelos rebeldes do M23, uma situação que a ONU considera de “violência indescritível” contra os civis.
Quase 26 mil pessoas já foram deslocadas desde os ataques no fim de novembro, segundo a agência de refugiados da ONU, somando-se às centenas de milhares que já foram desalojadas desde o início do combate entre o M23 e uma aliança de milícias armadas de proteção civil, mais de um ano atrás.
A Associated Press conversou com quatro pessoas que fugiram dos ataques na província de Kivu do Norte. Elas relataram que o M23 atirou indiscriminadamente contra as pessoas, invadiu lojas e as expulsou de suas casas, e então precisaram caminhar por horas em terrenos acidentados, atravessando rios, sem água, nem comida. Muitas agora vivem em condições precárias, apertadas em pequenos quartos, sem dinheiro, nem acesso a campos para cultivo.
O grupo rebelde M23, formado em grande parte por integrantes do grupo étnico congolês tutsi, ganhou importância 10 anos atrás, quando seus combatentes tomaram a cidade de Goma, a maior do leste do Congo, na fronteira com Ruanda. O nome adotado vem do acordo de paz de 23 de março de 2009, que eles acusam o governo do Congo de não colocar em prática. O grupo rebelde ficou inativo por quase uma década até ressurgir no final do ano passado.
Desde outubro, a violência do M23 aumentou e os rebeldes tomaram mais território, incluindo o território de Rutshuru e a cidade de Kiwanja, e destruíram um local recém-criado para congoleses desabrigados que haviam retornado recentemente de Uganda.
“Esta situação colocou diretamente milhares de famílias em condições de vida muito precárias. Nos acampamentos improvisados onde moram, não há comida, abrigo, água potável, nem cuidados médicos. Em resumo, as famílias estão passando por um sofrimento inacreditável”, disse François Kamate, assessor de imprensa do Lucha, um grupo local de direitos humanos.
As organizações de ajuda humanitária estão tendo dificuldades para lidar com as necessidades crescentes. O acesso à água é extremamente limitado nas áreas ao redor de Goma, o que contribuiu para um surto de cólera. Mais de 100 casos foram relatados nas últimas semanas, segundo Caitlin Brady, diretora de assuntos do Congo no Conselho de Refugiados da Noruega.
“A comunidade humanitária está respondendo, mas precisamos de mais recursos para expandir”, disse. As quase 400 mil pessoas recém-deslocadas desde outubro se somam às quase 5,5 milhões de pessoas já deslocadas no Congo, e a situação, segundo ela, é desesperadora.
Muitos civis que vivem sob controle do M23 não estão recebendo assistência nenhuma, pois algumas das regiões são muito difíceis de acessar em meio à falta de segurança. Aqueles que vivem sob domínio dos rebeldes dizem viver em meio ao terror.
“A situação está muito ruim. Pessoas estão sendo mortas”, disse um morador de Rutshuru Central, uma cidade atualmente ocupada pelo grupo. A AP não informará seu nome para preservar sua identidade. As pessoas vivem com medo e os rebeldes exigem comida e dinheiro, segundo ele. O M23 também está espancando e prendendo aqueles que tiram fotos na cidade, porque temem que as pessoas estejam repassando informações, diz.
Até agora, as iniciativas de negociações de paz não tiveram grandes resultados. Ambos os lados se acusam mutuamente de violar um frágil cessar-fogo acordado no mês passado em Angola. Nesta semana, representantes do M23 se reuniram com lideranças regionais, a missão de paz da ONU no Congo e o exército congolês, e disseram estar receptivos aos esforços de resolução do conflito, disse em uma declaração Lawrence Kanyuka, porta-voz político do grupo.
O governo do Congo culpa Ruanda por apoiar o M23 com tropas e poder de fogo superior, conclusões que são apoiadas pela ONU. Em um pronunciamento à nação nesta semana, o presidente congolês Felix Tshisekedi chamou a comunidade internacional à responsabilidade por não agir o suficiente para conter a disputa.
“O leste está sendo atormentado pela violência em razão da presença de muitos grupos armados em indiferença quase total à comunidade internacional”, disse.
O contínuo suporte externo aos rebeldes, agravado pela escalada da violência, poderia ameaçar a estabilidade regional, segundo dizem analistas de conflito.
“O problema das milícias no Congo vem se tornando cada vez mais uma importante ameaça à segurança regional”, disse Trupti Agrawal, analista sênior da Unidade de Inteligência da The Economist para a África Oriental. “A capacidade dos grupos rebeldes de intensificar os ataques, apesar dos reforços às operações de contrainsurgência, mostra sua força.”
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