Pelé alimentou sonho de Brasil potência e projetou negros no mundo, diz autor

Morre Pelé: o jogo que deu ao craque o título de 'rei' em crônica de Nelson Rodrigues — Foto: GETTY IMAGES 1 de 2 Morre Pelé: o jogo que deu ao craque o título de 'rei' em crônica de Nelson Rodrigues — Foto: GETTY IMAGES

Morre Pelé: o jogo que deu ao craque o título de 'rei' em crônica de Nelson Rodrigues — Foto: GETTY IMAGES

Quando Pelé brilhou na conquista de sua primeira Copa do Mundo, em 1958, o Brasil vivia uma lua de mel consigo mesmo, diz à BBC News Brasil o jornalista Marcos Guterman.

Autor do livro "O futebol explica o Brasil", Guterman conta que o país vivia grande efervescência cultural: a bossa nova, um ritmo brasileiro, conquistava ouvidos mundo afora, e a construção de Brasília projetava ao mundo uma nação que queria deixar de ser marginal.

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No futebol, o otimismo com o futuro do Brasil era ainda mais antigo: remontava à Copa de 1938, na França, quando a seleção terminou em terceiro lugar, até então seu melhor desempenho no torneio.

Ele afirma que o Brasil pretendia sediar a Copa seguinte, de 1942, mas os planos só foram concretizados em 1950, já que duas edições do torneio foram canceladas por causa da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Com a classificação do Brasil para a final do torneio, a profecia parecia perto de se realizar. Mas a vitória não veio: num dos eventos mais traumáticos da história do esporte brasileiro, a seleção perdeu o último jogo do campeonato para o Uruguai, por 2 a 1.

A derrota ganhou até apelido, Maracanaço, em referência ao estádio que recebeu a partida.

O resultado golpeou o ufanismo nacional, diz Guterman. Mas mais do que isso: a derrota gerou reações racistas entre a população.

Seleção brasileira na Copa de 1958; Pelé é o terceiro, da esquerda para a direita da foto — Foto: Getty Images 2 de 2 Seleção brasileira na Copa de 1958; Pelé é o terceiro, da esquerda para a direita da foto — Foto: Getty Images

Seleção brasileira na Copa de 1958; Pelé é o terceiro, da esquerda para a direita da foto — Foto: Getty Images

Em "O Negro no Futebol Brasileiro", clássico da literatura esportiva nacional, lançado em 1964, o jornalista Mário Filho diz que Barbosa, Juvenal e Bigode - três atletas negros - levaram injustamente a culpa pela derrota do Brasil na final.

Quatro anos depois, poucos negros foram convocados para a seleção que jogou a Copa de 1954. Visualmente, aquele time lembrava as primeiras equipes brasileiras a disputar torneios de futebol, nos anos 1910 e 1920, quando vários jogadores eram filhos de imigrantes europeus.

Até que um jovem de 17 anos chamado Pelé foi convocado para a seleção que disputaria a Copa de 1958, na Suécia.

Depois do que Pelé fez na Copa de 1958, ninguém mais ousou contestar a presença de negros na seleção, conta o jornalista.

Para Guterman, Pelé representa "uma espécie de redenção dos negros na seleção brasileira" - mas também uma redenção dos negros brasileiros em geral.

O jornalista lembra que, além de ter sido o primeiro a conceder o título de "rei" a Pelé, Nelson Rodrigues exaltou a identidade negra do atleta.

Não que Pelé tenha sido o primeiro negro a se destacar no futebol brasileiro - antes dele houve craques como Leônidas da Silva e Friedenreich, por exemplo.

"Mas nenhum teve a dimensão do Pelé, ele claramente projeta a raça", diz Guterman.

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Mas o sucesso de Pelé não foi capaz de pôr fim ao racismo no Brasil - além de, paradoxalmente, ter reforçado a noção de que o esporte é um dos poucos meios para a ascensão dos negros no Brasil, diz Guterman.

O próprio Pelé, segundo o jornalista, se incomodava com essa associação.

Da mesma maneira, as três Copas que o Brasil ganhou quando Pelé era profissional (1958, 1962, 1970) não foram acompanhadas por uma ascensão do país ao rol das potências globais, diz Guterman.

"Naquela época realmente acreditávamos que dava pra desenvolver 50 anos em 5, como dizia Juscelino Kubitschek. Daí veio 1964", diz o jornalista, referindo-se ao golpe militar que manteve o Brasil sob um regime ditatorial até 1985.

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