Álbum perturbador que projetou Raul Seixas em 1973, 'Krig-ha, bandolo!' ainda é 'mosca na sopa'
Capa do álbum 'Krig-ha, bandolo!' (1973), de Raul Seixas — Foto: Claudio Fortuna
♪ 💥️MEMÓRIA ♫ DISCOS DE 1973 – . O pedido de Raul Santos Seixas (28 de junho de 1945 – 21 de agosto de 1989) ecoou nas salas de jantares, através da tela ainda preto e branca da TV, quando o artista baiano defendeu em 1972, na sétima e última edição do 💥️ (FIC), 💥️, música que compusera com Nadine Wisner.
A performance revelou o artista baiano em escala nacional, mas Raul Seixas – nome com o qual artista se apresentou no festival – já tinha pré-história vivida na cidade natal de Salvador (BA), onde nascera e onde ganhara o primeiro violão em 1954, aos nove anos.
Na caminhada inicial, o garoto outsider pegou o atalho do rock'n'roll – descoberto por Raul através de discos de ídolos seminais do gênero como Elvis Presley (1935 – 1977) e Little Richard (1932 – 2023) – e seguiu trilha que o conduziu ao primeiro álbum solo, 💥️, lançado em julho de 1973.
💥️ foi o disco que deu nome a Raul Seixas. Aliás, literalmente, já que o primeiro real álbum solo do artista, 💥️, disco de do rock'n'roll gravado no embalo da repercussão da apresentação do cantor no sétimo FIC, chegou às lojas em maio de 1973 sem o nome de Raul na capa e nos créditos. É que Raul tinha sido o deste disco reeditado em 1975 com os devidos créditos.
Para efeitos oficiais, 💥️Krig,ha, bandolo! foi o cartão-de-visitas de Raul Seixas como artista solo após o cantor ter feito parte em Salvador (BA) de grupos como Os Relâmpagos do Rock, renomeado The Panthers em 1964 e, mais tarde, Raulzito e Os Panteras para explicitar a liderança de Seixas.
Gravado sob direção artística do próprio Raul Seixas em parceria com o então iniciante produtor musical Marco Mazzola, 💥️é disco perturbador que hoje dispensa apresentações e, decorridos 50 anos do lançamento pela gravadora Philips, ainda é do universo pop brasileiro pela contundência do repertório autoral e pela originalidade da sonoridade, calcada no rock, mas com o toque brasileiro de Raul.
Até porque nada no romântico álbum gravado pelo grupo Raulzito e Os Panteras em 1967 e lançado em 1968 fez supor que, cinco depois, o cantor apresentaria disco solo tão incisivo, ainda que a verve do artista já tivesse sido vislumbrada há dois anos no álbum coletivo 💥️(1971), gravado por Raul com Edy Star, Miriam Batucada (1946 – 1994) e Sérgio Sampaio (1947 – 1994).
Se a introdução com o canto de 💥️ (Roy Brown, 1947), ouvido em registro caseiro na voz de Raul ainda com nove anos, já indicava a fonte (Elvis) da qual o cantor sorvera com voracidade juvenil, 💥️ (Raul Seixas) deixava claro que Raul viera para desafinar o coro dos contentes com 💥️. O zumbido incômodo de uma mosca atravessa a faixa, calcada na fusão da batida do rock com a pulsação afro-brasileira da percussão dos rituais do Candomblé.
A rigor, antes mesmo do lançamento do álbum, Raul Seixas já dera tapa na cara da classe média que pusera fé no alardeado pelo governo ditatorial do presidente Emílio Garrastazu Médici (1905 – 1985). Canção reflexiva que exprimia profunda desilusão com as conquistas materiais, 💥️ (Raul Seixas) já tinha sido apresentada anteriormente em single que preparou o espírito do público para o zumbido do cantor (com o “carrão 73” do single trocado para “Corcel 73” na gravação incluída no LP).
E, se o zumbido de 💥️soou forte e incômodo, o mérito deve ser repartido com a produção musical de Mazzola, que arregimentou músicos do naipe dos baixistas Alex Malheiros e Paulo César Barros, do guitarrista Jay Vaquer, do baterista Paulo Braga, dos pianistas José Roberto Bertrami (1946 – 2012) e Miguel Cidras (1937 – 2008) e dos bateristas Mamão, Bill French e Pedrinho Batera.
O repertório do disco é tão irretocável quanto o som gerado pela produção musical. As guitarras de Jay Vaquer e do próprio Raul dão o devido tom cortante ao rock 💥️, uma das cinco músicas assinadas pelo compositor com o então desconhecido Paulo Coelho, autor das letras.
Sim o álbum 💥️ marcou a abertura dessa parceria que se revelaria fundamental até 1976 e cuja atividade coincide com o período de auge artístico de Raul Seixas. No disco, além de 💥️, Raul Seixas assinava com Paulo Coelho 💥️, 💥️, 💥️ e 💥️.
💥️ é balada pautada pelo lirismo romântico. Com título que reproduz o título do romance publicado em 1885, embora a letra pareça ter sido escrita sem referências diretas ao livro, 💥️escava, sob prisma niilista, universo místico que os compositores parceiros ainda iriam abordar em outras músicas.
A áspera balada 💥️ trazia na letra alusões (não tão) cifradas à efervescência do movimento francês conhecido como e à guerra contra o imperialismo norte-americano. Já 💥️ reforçou a ideia de que 💥️ era álbum contra o status quo, o sistema de 1973, talvez personificado pelo diabo, o “anjo do inferno” mencionado na letra afirmativa escrita na primeira pessoa.
Sozinho, Raul compôs e apresentou no disco a balada existencialista 💥️ – com a exposição de um universo em desencanto na letra escrita em inglês – e o country-rock 💥️ (a que “vai cair”, em provável analogia com a ditadura), além da canção 💥️, hino das contradições humanas que, ao lado de 💥️, se posicionou como o grande sucesso radiofônico do álbum 💥️.
Na capa do LP, Raul apareceu de peito nu e braços erguidos (com o símbolo da Sociedade Alternativa impresso na mão direita) na foto de Claudio Fortuna, como a referendar o título 💥️, grito de guerra de Tarzan que bem podia ser traduzido pela expressão “Cuidado que o inimigo vem aí”.
De nada adiantou o aviso. O inimigo do sistema Raul Santos Seixas entrou na casa dos brasileiros com este álbum que, 50 anos depois, ainda perturba o status quo como o zumbido de mosca no ouvido.
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