BNDES, Caixa e BB: qual será o papel dos bancos públicos no novo governo Lula

Lula anuncia Mercadante como futuro presidente do BNDES. — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters 1 de 5 Lula anuncia Mercadante como futuro presidente do BNDES. — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Lula anuncia Mercadante como futuro presidente do BNDES. — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

O papel dos bancos públicos no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou aos holofotes desde a campanha eleitoral. Os primeiros projetos pensados pelo governo federal vieram à tona na última semana, ainda que os detalhes continuem superficiais.

Em visita a Buenos Aires, ao lado do colega argentino Alberto Fernández, o presidente afirmou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltará a financiar projetos em países parceiros.

A medida está entre os fatores amplamente criticados na atuação do banco no passado, já que aliados deixaram de quitar partes dos empréstimos concedidos e pelo desvio da função inicial do banco, de “financiamento de longo prazo e investimento nos diversos segmentos da economia brasileira” — a definição está assim escrita no site do BNDES.

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O petista acredita que empresas brasileiras podem se beneficiar ao prestar serviços para projetos internacionais financiados pelo BNDES. Lula também criticou o “enxugamento” do banco, que reduziu sua carteira de crédito desde que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) sofreu o impeachment, em 2016.

Em 2013, ano de maior desembolso, o banco concedeu mais de R$ 190 bilhões em empréstimos. Já em 2023, última estatística de ano fechado, foram R$ 64 bilhões. 💥️Lula criticou a atuação.

“Todo o dinheiro do BNDES é voltado para o Tesouro que quer receber o empréstimo que foi feito. Então, o Brasil também parou de crescer, o Brasil parou de se desenvolver e o Brasil parou de compartilhar a possibilidade de crescimento com outros países”, afirmou o presidente.

Essa possível reviravolta na gestão do BNDES é alvo de preocupação de agentes financeiros pelo potencial de desajuste no mercado de crédito e na própria saúde do banco.

Para Sérgio Lazzarini, professor da Western University e pesquisador sênior do Insper, o banco deveria seguir caminho inverso ao indicado por Lula e continuar reforçando sua trajetória de apoio a empresas menores e mais restritas em crédito, além de projetos com maior impacto social e ambiental.

Esse, inclusive, foi o caminho indicado por Aloizio Mercadante quando foi indicado para o cargo de presidente do BNDES. Além de prometer um papel equilibrado entre o Tesouro e o banco, o novo presidente disse que pretende focar em projetos de reindustrialização do país, e de incentivo à economia verde e à sustentabilidade.

No discurso na Argentina, Lula criticou a conduta do BNDES durante a gestão Bolsonaro, mas a 'diminuição' do banco foi instaurada a partir da gestão de Maria Silvia Bastos Marques, presidente do BNDES durante o governo de Michel Temer (MDB). Os sucessores, Joaquim Levy e Gustavo Montezano, aprofundaram a estratégia.

Nos anos de gestão de Maria Silvia, o banco focou em reorganizar a carteira de crédito para tirar peso do Tesouro Nacional e abandonar de vez a antiga política dos “campeões nacionais”.

Nos anos 2010, o BNDES servia como mecanismo de liberação de crédito abaixo das taxas de mercado para grandes empresas que mostrassem projetos de expansão e geração de emprego para se tornarem referência em seus setores e competirem em dimensão global.

A presidente do Banco Nacional (BNDES), Maria Silvia Bastos, em evento no Rio nesta segunda-feira (24) — Foto: Daniel Silveira/G1 2 de 5 A presidente do Banco Nacional (BNDES), Maria Silvia Bastos, em evento no Rio nesta segunda-feira (24) — Foto: Daniel Silveira/G1

A presidente do Banco Nacional (BNDES), Maria Silvia Bastos, em evento no Rio nesta segunda-feira (24) — Foto: Daniel Silveira/G1

Companhias como Oi, JBS e Odebrecht (hoje, Novonor) desfrutaram desse momento e tornaram-se potências com dinheiro emprestado a baixo custo – por vezes a metade da taxa Selic vigente. Para dar o subsídio, o BNDES contava com dinheiro do Tesouro Nacional para custear a diferença.

Sem um bom processo de acompanhamento de resultados, o crédito teve pouca eficiência para o desenvolvimento das empresas enquanto criou uma dívida que chegou ao pico de R$ 487 bilhões com o Tesouro, em 2015.

No acerto de rumo, dois movimentos foram importantes: a criação da TLP (Taxa de Longo Prazo), que eliminou as taxas subsidiadas para novos empréstimos, e uma sequência de devoluções de dinheiro ao Tesouro. Hoje, dos quase R$ 500 bilhões, faltam R$ 24 bilhões a serem devolvidos, segundo o próprio BNDES.

Para o economista, o banco de fomento não precisa ter o tamanho que teve nos idos de 2010, mas focar em projetos de difícil financiamento, casos de saneamento básico, modernização de plantas industriais e empreendedorismo de inovação, por exemplo.

A nova gestão do banco reconhece que o espaço nas contas públicas para puxar um incentivo nesse mesmo formato dos primeiros governos do PT não existe mais. A atenção às pequenas e médias empresas, inclusive, saiu de resultados de estudos acadêmicos — parte deles que o próprio Lazzarini assina —, que mostram que os efeitos de empréstimos para os campeões nacionais traziam pouco ou nenhum retorno.

Em entrevista ao 💥️g1, o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa — atual diretor de Planejamento Estratégico, de Saneamento, Transporte e Logística e de Energia do BNDES — diz que os novos desafios do banco passam por estruturar políticas de financiamento de longo prazo em complemento ao mercado financeiro, garantir a captação de recursos dentro e fora do país e criar novas taxas que sejam mais adequadas aos diversos tipos de projetos em que o banco se envolve.

O economista diz ainda que o novo governo não deseja retomar a dimensão do banco nos tempos dos campeões nacionais, mas não trabalha com um “tamanho específico”. Barbosa diz, contudo, que os últimos anos pré-pandemia ficaram marcados por uma redução excessiva da atuação do BNDES e que isso será revertido com o devido cuidado.

O BNDES pode — e deve — expandir suas atuações de modo sustentável do ponto de vista fiscal. O banco já vem fazendo isso com as micro e pequenas empresas e pode fazer mais na área de infraestrutura, principalmente com foco em reindustrialização”, afirma.

O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa é agora diretor de Planejamento Estratégico, de Saneamento, Transporte e Logística e de Energia do BNDES. — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil 3 de 5 O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa é agora diretor de Planejamento Estratégico, de Saneamento, Transporte e Logística e de Energia do BNDES. — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa é agora diretor de Planejamento Estratégico, de Saneamento, Transporte e Logística e de Energia do BNDES. — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Na outra ponta, a expectativa dos agentes de mercado a respeito dos chamados “bancos comerciais” de controle estatal é de alguma cautela, ainda que sem grandes sobressaltos.

Tanto Banco do Brasil como a Caixa Econômica Federal tiveram indicações técnicas para a presidência: duas mulheres e funcionárias de carreira das instituições.

Tarciana Medeiros, nova presidente do BB, disse que o seu compromisso será entregar um banco rentável e sólido, que concilie atuação comercial com pública. “Resultados sustentáveis para os acionistas e relevantes pra vida das pessoas, contribuindo com o desenvolvimento do país”, prometeu.

A executiva definiu como prioridade o fomento ao crédito — em especial o rural, mas de forma criteriosa —, apoio à agricultura familiar, ao empreendedorismo, à transformação digital, entre outras.

Lula e Tarciana Medeiros, nova presidente do BB — Foto: Adriano Machado/Reuters 4 de 5 Lula e Tarciana Medeiros, nova presidente do BB — Foto: Adriano Machado/Reuters

Lula e Tarciana Medeiros, nova presidente do BB — Foto: Adriano Machado/Reuters

Já Rita Serrano, nova presidente da Caixa, também fez questão de reforçar que buscará rentabilidade do negócio com “equilíbrio entre as operações comerciais e as ações de inclusão”.

Além disso, falou em cumprir “com excelência” o gerenciamento dos programas de transferência de renda do governo e do Minha Casa Minha Vida, ampliar a parceria com estados e municípios para desenvolvimento dos projetos de infraestrutura, promover a inclusão bancária da população e avançar em tecnologia para oferecer melhores serviços e atendimento ao cliente.

Ainda faltam detalhes, mas os dois bancos deverão ser usados no programa “Desenrola”, promessa de campanha de Lula para renegociação de dívidas. O ministro Fernando Haddad diz que o modelo está pronto e acordado com BB, Caixa e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). O lançamento deve acontecer nos próximos dias.

Troster lembra que, hoje, as taxas de bancos públicos e privados para o público geral são semelhantes, e caberia uma alteração de políticas bancárias para que o crédito ficasse mais barato como um todo. “O BC precisa criar regras mais interessantes, como a tributação de crédito, liberação de compulsórios etc.”

A presidente da Cixa Rita Serrano — Foto: Fátima Meira/Futura Press/Estadão 5 de 5 A presidente da Cixa Rita Serrano — Foto: Fátima Meira/Futura Press/Estadão

A presidente da Cixa Rita Serrano — Foto: Fátima Meira/Futura Press/Estadão

Já Alexandre Albuquerque, analista da Moody’s para o setor bancário, espera que BB e Caixa atuem forte no fornecimento de crédito, mas de forma que não devem escapar de setores de domínio dos bancos. “Está mais claro que há uma tendência de elevação da alavancagem e piora na qualidade de ativos bancários, mas de forma controlada”, diz.

O analista aposta ainda que os últimos anos trouxeram uma evolução grande da governança corporativa, em especial do BB que tem ações listadas em bolsa. Isso inclui o fortalecimento de práticas internas, comitês e padrões de trabalho.

Procurado, o Banco do Brasil disse que não tinha porta-voz disponível até a última sexta-feira e, nesta semana, entraria em período de silêncio pela divulgação dos resultados do quarto trimestre de 2022 — uma regra imposta a companhias de capital aberto.

A Febraban negou pedido de entrevista. A Caixa Econômica Federal não respondeu ao contato da reportagem.

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