As consequências da guerra na Ucrânia para o Brasil

Na Casa Branca, Lula explicou seus planos de paz para Biden — Foto: Alex Brandon/AP Photo 1 de 4 Na Casa Branca, Lula explicou seus planos de paz para Biden — Foto: Alex Brandon/AP Photo

Na Casa Branca, Lula explicou seus planos de paz para Biden — Foto: Alex Brandon/AP Photo

Um ano atrás, a Rússia invadiu a Ucrânia, dando início a uma guerra cujos efeitos geopolíticos e econômicos são sentidos não só na Europa, mas também em países sem qualquer relação direta com o conflito, como o Brasil.

Os primeiros efeitos que surgiram para o Brasil, logo após o início da guerra, foram econômicos. A guerra elevou os preços dos combustíveis e da energia – a Rússia, afinal, é o maior exportador mundial de gás natural e o segundo maior exportador de petróleo.

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O barril de petróleo logo passou de US$ 100 (R$ 510), para alcançar o pico de US$ 130 (R$ 670), o que se refletiu também na elevação dos preços dos combustíveis, pressionando, assim, a inflação em todo o mundo, inclusive no Brasil.

No outro lado, a alta internacional do petróleo ao longo de 2022 elevou os lucros das empresas petrolíferas, entre elas a Petrobras, que, assim como outras petrolíferas, registrou lucros exorbitantes: R$ 145 bilhões nos três primeiros trimestres do ano passado, quase o dobro do mesmo período de 2023.

Esse valor extraordinário fez com que a política de preços para os combustíveis praticada pela estatal se tornasse um dos temas da campanha eleitoral do ano passado.

Logo após início do conflito na Europa, preços dos combustíveis dispararam no Brasil — Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS 2 de 4 Logo após início do conflito na Europa, preços dos combustíveis dispararam no Brasil — Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS

Logo após início do conflito na Europa, preços dos combustíveis dispararam no Brasil — Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS

Num cenário que já era de crescimento baixo e inflação alta, a elevação nos preços dos combustíveis contribuiu para um aumento ainda maior da taxa de juros pelo Banco Central. A autoridade monetária, que já vinha subindo a taxa básica de juros desde março de 2023, elevou-a para 13,75% ao ano até o fim de 2022.

E é nesse patamar que ela está hoje, sob críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para quem juros altos, aliados a uma meta de inflação baixa, dificultam o crescimento econômico.

Mas muitos economistas afirmam que a atuação do Banco Central foi decisiva para controlar a inflação no Brasil, que fechou 2022 bem abaixo dos índices vistos em países ricos: 5,79%, o que, ainda assim, é superior à meta de 3% estipulada pelo BC.

Além da elevação dos juros pelo BC, o que contribuiu para conter a inflação brasileira em 2022 foi a isenção de tributos federais para combustíveis e energia, iniciada no governo Jair Bolsonaro e mantida no governo Lula.

Com a isenção, os preços dos combustíveis começaram a cair no Brasil, espantando em parte o temor no início da guerra. Em dezembro, os preços da gasolina e do etanol caíram mais de 25%, e a energia elétrica residencial recuou 19%.

Porém, com a isenção de tributos, o governo está deixando de arrecadar impostos, o que eleva o rombo nas contas públicas, que deverá chegar a R$ 230 bilhões em 2023.

A restrição à energia russa devido à guerra na Ucrânia acelerou a busca de países europeus por alternativas limpas, e uma delas é o hidrogênio verde, um dos substitutos dos combustíveis fósseis na obtenção de energia limpa. E justamente o Brasil pode se tornar um grande exportador de hidrogênio verde. O tema foi abordado pelo presidente Lula e pelo chanceler federal alemão, Olaf Scholz, na recente visita deste à Brasília.

Trata-se de um mercado ainda incipiente, mas de grande potencial. Um estudo da consultoria alemã Roland Berger estimou que o mercado mundial de hidrogênio verde deverá movimentar mais de 1 trilhão de dólares em venda direta do combustível ou derivados. De acordo com a consultoria alemã, o Brasil irá liderar essa corrida, transformando-se em um grande exportador global. A grande vantagem brasileira é o baixo custo de produção.

Quem também sentiu os efeitos da guerra na Ucrânia foi o agronegócio brasileiro – efeitos vantajosos e desvantajosos.

Um dos principais nós dos produtores, o custo de produção, explodiu por causa da alta nos preços dos fertilizantes. Os produtores brasileiros nunca gastaram tanto com fertilizantes como em 2022 – para comprar bem menos do que em anos anteriores.

Em 2022, 38 milhões de toneladas custaram quase 25 bilhões de dólares. Um ano antes, 41 milhões de toneladas haviam custado 15 bilhões de dólares. A Confederação Nacional da Agricultura já afirmou que a safra de 2022/23 é a mais cara da história.

Bolsonaro foi a Moscou falar sobre fertilizantes com Putin — Foto: Mikhail Klimentyev/Sputnik Kremlin/AP 3 de 4 Bolsonaro foi a Moscou falar sobre fertilizantes com Putin — Foto: Mikhail Klimentyev/Sputnik Kremlin/AP

Bolsonaro foi a Moscou falar sobre fertilizantes com Putin — Foto: Mikhail Klimentyev/Sputnik Kremlin/AP

A Rússia é um dos grandes fornecedores no mercado mundial de fertilizantes, em especial de potássio, que é extremamente importante para a agricultura do Brasil. O Brasil importa 98% do cloreto de potássio que usa de nações como Rússia, Belarus, Canadá e China.

Mesmo assim, a agropecuária brasileira teve uma contribuição positiva para a balança comercial: o saldo do setor passou de 46,5 bilhões de dólares em 2023 para 65,8 bilhões de dólares em 2022, e a balança comercial brasileira, como um todo, teve superávit de 61,9 bilhões de dólares, pouco acima dos 61,4 bilhões de 2023 – com uma contribuição decisiva justamente do setor agrícola.

A explicação para isso também está na guerra da Ucrânia: os preços das commodities agrícolas, assim como os do petróleo, também dispararam com o início do conflito, elevando os ganhos dos produtores brasileiros.

Por exemplo o trigo: tanto a Rússia como a Ucrânia são grandes produtoras e desempenham papéis fundamentais no mercado internacional desse grão. Do início até meados de 2022, o trigo subiu 27% no Brasil.

Isso teve um impacto positivo na produção brasileira, com aumento da área plantada, safra recorde e forte aumento nas exportações. A atual safra chegou a quase 10 milhões de toneladas, alta de mais de 27% em comparação com a temporada passada.

Em 2022, o Brasil exportou 3 milhões de toneladas de trigo, o triplo do ano anterior. E importou 15% menos: 5,7 milhões de toneladas.

O consumidor brasileiro sentiu os efeitos com o aumento no preço da farinha de trigo e do pão francês, ao longo de 2022. Mas, no início de 2023, a alta nos preços deu uma trégua – por causa da boa safra do grão.

Efeito semelhante pôde ser observado na produção de milho, do qual a Ucrânia é uma das principais exportadoras mundiais. A atual safra brasileira deverá chegar a 125 milhões de toneladas, mais de 10% da produção mundial, com exportações de 50 milhões de toneladas.

Com isso, o Brasil deverá liderar as exportações mundiais de milho, à frente dos Estados Unidos. Isso não se deve apenas à queda nas exportações da Ucrânia, mas sobretudo à seca nos Estados Unidos e na Argentina.

Mas a guerra teve um impacto não apenas econômico no Brasil. Como potência regional, o país também se viu obrigado a adotar posições políticas internacionais – e isso tem se mostrado um exercício de equilíbrio diplomático.

De um lado, o Brasil é uma democracia, o que o alinha, por exemplo, aos Estados Unidos e à União Europeia. Por outro, é também uma potência emergente e, como tal, participa do grupo de países do Brics, ao lado de nações como a Rússia – não exatamente um modelo de democracia.

Não desagradar nem a um lado nem ao outro tem se mostrado a principal tarefa da diplomacia brasileira desde o início do conflito – se há um ponto no qual tanto Bolsonaro quanto Lula concordam é sobre a importância da Rússia, como exportadora de fertilizantes, para o agronegócio brasileiro.

Isso ficou claro mais uma vez durante a visita do chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, a Brasília. Lá, ele ouviu de Lula uma negativa ao envio de munição à Ucrânia e – sobre a guerra – a observação de que, quando um não quer, dois não brigam.

A relativização da culpa da Rússia pelo conflito, algo comum na esquerda brasileira, é um disparate para qualquer político alemão do campo democrático.

Em Brasília, Olaf Scholz recebeu uma negativa ao envio de armas para a Ucrânia — Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS 4 de 4 Em Brasília, Olaf Scholz recebeu uma negativa ao envio de armas para a Ucrânia — Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS

Em Brasília, Olaf Scholz recebeu uma negativa ao envio de armas para a Ucrânia — Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS

Semanas depois, no encontro de Lula com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o tema guerra na Ucrânia voltou a ser sensível. A imprensa brasileira noticiou que o Brasil cedeu aos Estados Unidos e aceitou um linguajar mais duro em relação à Rússia no comunicado final.

Tanto para Scholz como para Biden, Lula expôs sua ideia de um grupo para negociar a paz entre Rússia e Ucrânia, formado por países como Brasil, China e Índia. Lula vê a neutralidade brasileira como uma vantagem para essa negociação, mas a proposta parece não ter sido levada muito a sério pelos dois líderes ocidentais.

Até aqui, Lula, assim como seu antecessor, Bolsonaro, tem descartado qualquer apoio político ou militar aos ucranianos. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro evita melindrar americanos e europeus. Os desdobramentos da guerra deverão colocar à prova essa posição de neutralidade brasileira.

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