Um ano de guerra na Ucrânia: os impactos na economia, no seu bolso e o que esperar pela frente

Guerra na Ucrânia - Homem anda em meio a prédios destruídos em Mariupol em 22 de abril de 2022 — Foto: REUTERS/Alexander Ermochenko 1 de 2 Guerra na Ucrânia - Homem anda em meio a prédios destruídos em Mariupol em 22 de abril de 2022 — Foto: REUTERS/Alexander Ermochenko

Guerra na Ucrânia - Homem anda em meio a prédios destruídos em Mariupol em 22 de abril de 2022 — Foto: REUTERS/Alexander Ermochenko

Ataques russos por terra, ar e mar marcaram o início da guerra na Ucrânia na madrugada de 24 de fevereiro de 2022. Um ano após o início do conflito, Vladimir Putin não dá sinais de cessar-fogo, e os impactos humanitários e econômicos continuam preocupando as autoridades globais.

Os conflitos prejudicaram processos de produção, logística e abastecimento - especialmente na Europa -, com consequente inflação e avanço nos preços de itens básicos.

A economia brasileira, por outro lado, reagiu bem aos impactos da guerra. Apesar dos reflexos nos combustíveis - resultado da disparada do preço do petróleo no exterior 💥 a balança comercial brasileira teve um resultado positivo em 2022 e registrou um superávit (valor das exportações maior do que o das importações) recorde de 💥️US$ 62,3 bilhões, 1,5% maior que o registrado em 2023.

Isso porque as barreiras impostas por sanções econômicas contra a Rússia fizeram os países rearranjar suas fontes para importação de commodities, o que acabou beneficiando o Brasil. Com isso, o país ampliou sua área produtiva de trigo e viu a exportação de milho disparar – os dois grãos estão entre as principais commodities exportadas pela Ucrânia.

Diante desse cenário, o 💥️g1 conversou com especialistas para entender os impactos que ainda vemos um ano após o primeiro ataque de Moscou a Kiev – e o que podemos esperar daqui para frente.

Mapa mostra o domínio das tropas russas na terceira fase da guerra na Ucrânia — Foto: Arte g1 2 de 2 Mapa mostra o domínio das tropas russas na terceira fase da guerra na Ucrânia — Foto: Arte g1

Mapa mostra o domínio das tropas russas na terceira fase da guerra na Ucrânia — Foto: Arte g1

O mundo ainda travava uma batalha intensa contra a Covid-19 quando a guerra fora deflagrada. No Brasil, a primeira dose de vacina contra a doença havia sido aplicada pouco mais de um ano antes da ofensiva russa contra Kiev.

Naquele fevereiro, portanto, o Brasil já tinha uma inflação alta devido à pandemia, com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 10,54% no acumulado de 12 meses.

Para tentar conter a alta dos preços – ainda sob impactos da Covid-19 –, o Banco Central do Brasil (BC) já vinha aumentando a Selic, a taxa básica de juros brasileira, desde março de 2023, quando passou de 2% a 2,75% ao ano. A partir dali, foram sucessivas altas.

O aumento nos juros é um mecanismo utilizado pelo BC para controlar a inflação. Selic alta significa crédito mais caro, com efeitos diretos sobre a atividade econômica, que tende a desaquecer. Efeito cascata, que chega ao bolso do brasileiro.

Por aqui, a taxa de juros já era de 10,75% no mês do primeiro ataque russo, e saltou 3 pontos percentuais nas três decisões seguintes do Comitê de Política Monetária (Copom), chegando aos atuais 13,75% ao ano.

Um levantamento feito pelo economista-chefe da Neo Investimentos, Luciano Sobral, mostra que os efeitos da guerra não atingiram com tanta força a economia brasileira. Os principais produtos impactados, derivados do petróleo e do trigo, não tiveram reflexo relevante no IPCA.

O economista destacou:

💥️Petróleo:

💥️Trigo:

São itens derivados de duas das três commodities mais atingidas pela guerra: o petróleo, o trigo e o milho – este último considerado um substituto do trigo. O milho, no entanto, tem pouco peso no IPCA, o que exclui grandes impactos da commodity no mercado interno.

De acordo com Sobral, o efeito total desses dois grupos de itens foi de apenas 0,5 ponto percentual na inflação brasileira de janeiro de 2022 a janeiro deste ano.

Os produtos derivados da farinha, por sua vez, tiveram alta de 29% de janeiro de 2023 a janeiro de 2022 - aumento que pode ser explicado, em parte, pelos efeitos da guerra. O pico foi registrado em maio, com alta de quase 50%. Os preços começaram a cair em agosto, retornando praticamente ao pré-guerra.

“De um lado, o trigo subiu e voltou [ao valor anterior]. Já o preço dos derivados ainda não. Isso pode ser efeito da guerra ou podem ser outros fatores. Mas são itens que subiram bastante e ainda não voltaram dentro do IPCA, apesar de a matéria prima já ter voltado”, analisa.

Sobral destaca a gasolina como o produto mais impactado quando considerado o preço final ao consumidor. O levantamento do economista aponta alta de 10% no preço do combustível de janeiro a maio de 2022, devido ao choque do petróleo.

O barril do tipo Brent chegou a ser vendido por US$ 127,98 em março daquele ano, uma alta de 40% se comparado com janeiro, quando atingiu, no dia 31, a máxima de US$ 91,21 o barril.

Os preços, no entanto, foram se acomodando na medida em que o petróleo ficou mais barato – atualmente na casa dos US$ 80 – e que houve uma redução de impostos sobre a gasolina no Brasil.

Em junho, o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionou, com vetos, o projeto que limita o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre itens como diesel, gasolina, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo.

A isenção de impostos federais sobre a gasolina foi renovada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas tem prazo para expirar em 28 de fevereiro. A renovação ou não do prazo ainda será definido pela nova gestão federal.

Os impactos seguiram o mesmo rumo quando considerado o gás de botijão.

“A conclusão é que a guerra afetou por pouco tempo [os preços no Brasil]. Esse efeito foi mitigado, no caso do combustível, por ação do governo”, diz. “A gasolina teria impactado, mas não impactou porque caiu o imposto.”

Luciano Sobral também ressalta que, após queda nos preços via isenção de impostos e redução do valor do barril de petróleo, o resultado dos combustíveis ajudou a reduzir o IPCA.

“O preço da gasolina no ano passado caiu 25%. A queda do imposto compensou mais do que o petróleo tinha subido, no fim das contas”, analisa.

Apesar de todos os aspectos negativos de uma guerra, o cenário internacional beneficiou a balança comercial brasileira, que teve superávit recorde de US$ 62,3 bilhões em 2022, 1,5% maior que o registrado em 2023.

No acumulado de janeiro a novembro de 2022, as commodities exportadas pelo Brasil tiveram alta de 14,5% nos preços. Em volume, a alta no período foi de 4,1%, segundo a especialista em comércio internacional Lia Valls, pesquisadora do FGV Ibre.

“As commodities são, basicamente, 68% do que o Brasil exporta”, lembra Valls, ressaltando que o movimento do período foi um “aumento muito grande” quando observada a série histórica.

A pesquisadora explica que, por outro lado, os impactos dos preços também foram muito fortes nas importações. De janeiro a novembro, o preço das commodities importadas pelo Brasil avançou 52,3%, enquanto, em volume, o aumento foi de 9,9%.

A alta de 74% nos preços dos fertilizantes – usados e importados por agricultores – prejudicou o setor, mas não o suficiente para impedir a alta nos ganhos.

O destaque fica com o salto na exportação de milho, de 194% de janeiro a dezembro. A soja, principal produto exportado no país, teve alta de 20,8% na exportação, de acordo com a Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

“O contexto da guerra também estimulou a produção de trigo no Brasil, com aumento na área de plantação. A guerra é uma grande incógnita, mas, provavelmente, esse efeito vá durar mais um pouco. Reduzimos a dependência da importação e começamos a plantar mais”, explica.

A pesquisadora pondera, no entanto, que pode ser um ganho momentâneo. “Pode ser uma janela de oportunidades, mas não significa uma mudança estrutural”, diz.

Ela também reforça que o momento pode ser aproveitado para ampliar investimentos, inclusive para uma economia verde, de baixo carbono.

Para Carolina Moehlecke, professora de Relações Internacionais da FGV, as incertezas sobre os rumos da guerra ficaram para trás, e os principais atores da economia global já têm uma “clareza dentro da incerteza”.

Moehlecke ressalta que a dificuldade da Rússia em conquistar territórios levou o país a tentar enfraquecer a Ucrânia economicamente, atingindo o processo de exportação de grãos do país – o que gera grande impacto na economia global.

“A Ucrânia é uma grande exportadora principalmente de trigo, milho, óleo de girassol. E isso pressiona o preço de alimentos internacionalmente. Então, a gente vai continuar observando uma alta de preço dos grãos, o que acaba afetando toda uma cadeia”, analisa.

A especialista destaca o acordo assinado por Rússia e Ucrânia em 22 de julho do ano passado, para que, apesar dos conflitos, Kiev possa exportar seus grãos, principalmente o trigo. Na ocasião, o processo foi intermediado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Turquia.

O combinado entre os países iria expirar no fim de 2022, mas foi prorrogado por mais 120 dias. “Em alguma medida, esse acordo dá um pouco de estabilidade nos próximos meses”, diz.

Há, nesse contexto, uma pressão contínua no preço do petróleo. A economia russa, já fragilizada pelas sanções impostas pelos Estados Unidos e por aliados da Ucrânia na Europa, depende das exportações da commodity para financiar seu esforço de guerra e sua economia como um todo.

O país é grande produtor de petróleo e tem, portanto, incentivos para manter a oferta da commodity sob controle. Por isso, é interessante para a Rússia que os preços permaneçam altos, explica Moehlecke.

“Uma queda no preço do petróleo pode prejudicar a Rússia. E o país, como um player importante no mercado, deve estar atento a isso”, relembra, citando a retomada das atividades da China após a política de Covid zero, o que deve também deve pressionar a demanda e o preço do petróleo.

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