STF interrompe julgamento que discute caso de homem negro preso após abordagem motivada pela cor da pele

Plenário do STF durante sessão desta quinta-feira (2) — Foto: Nelson Jr./SCO/STF 1 de 1 Plenário do STF durante sessão desta quinta-feira (2) — Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Plenário do STF durante sessão desta quinta-feira (2) — Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) interrompeu, no fim da tarde desta quinta-feira (2), o julgamento que analisa o caso de um homem negro preso após sofrer uma abordagem policial motivada pela cor da pele.

Ao longo da investigação, em depoimento, os policiais que participaram da abordagem admitiram que a ação só foi realizada por ele ser negro. Eles reconheceram que a suspeita que justificou a busca pessoal foi a cor da pele.

O homem carregava 1,53g de cocaína e foi preso. O caso ocorreu em 2023, em Bauru (SP).

Ele foi condenado na Justiça a sete anos e 11 meses de prisão por tráfico de drogas, pena que foi reduzida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para dois anos e 11 meses.

A defesa recorreu ao STF, argumentando que houve racismo estrutural.

Até o momento, 3 ministros votaram por considerar legais as provas obtidas no caso, porque entendem que não ficou configurado que a ação policial foi motivada pela cor da pele, ou seja, pelo racismo estrutural. Isso porque ele estava num local considerado ponto de venda de drogas e com um comportamento suspeito.

Os ministros que votaram por considerar as provas legais foram:

O relator, ministro Edson Fachin, votou para considerar as provas ilegais e também para trancar a ação contra o preso.

Ele considerou que a revista do homem só ocorreu pelo fato de o alvo ser negro. Ainda faltam os votos de 7 ministros. O julgamento vai ser retomado na quarta-feira (8).

Em seu voto, Fachin disse que o único elemento que levou os policiais a abordarem o preso foi a cor da pele, o que é discriminatório.

Para o ministro, a abordagem foi ilegal e tudo que decorreu dela também.

"A situação apresentada não revela a existência de elementos concretos a caracterizar fundada razão exigida para busca pessoal sem ordem judicial. Assim, reconheço, no caso, a nulidade da busca pessoal realizada pelos policiais militares, a qual resultou na apreensão dos itens descritos e também de todos os demais elementos de informações e provas colhidas em juízos porque decorram de apreensão ilegal, em violação ao previsto na Constituição Federal", afirmou Fachin.

De acordo com Fachin, o sistema de Justiça “ainda não deu mostras de que tenha desativado a rede de estereótipos que atribuem aos corpos negros sentidos sociais negativos que legitimam violências, inclusive estatais”.

“É passada a hora do senso comum, que impera ainda, de que pessoas negras são naturalmente voltadas para a criminalidade para que, quando menos e desde logo, esse contexto seja traduzido pelo Poder Judiciário como uma histórica e sistemática violação de direitos que tem sido normalizada pelas instituições de Justiça, a partir da legitimação de procedimentos que estariam a serviço da guerra do bem contra o mal, isto entre aspas”, disse.

No voto, o ministro propôs ainda que o Supremo fixe uma tese com diretrizes para “coibir o perfilamento racial em buscas policiais”.

De acordo com Fachin, as diretrizes devem determinar que:

O ministro André Mendonça votou por manter as provas colhidas no caso, mas se colocou à disposição para discutir a tese proposta por Fachin.

Mendonça baseou o voto em dois casos ocorridos na Europa sobre abordagens policiais motivadas por raça ou cor de pele. Em um deles, na Alemanha, um cidadão alemão de origem indiana foi abordado por dois policiais em um trem. Ele afirmou que a abordagem foi motivada pela cor.

Em 2022, a Corte Europeia de Direitos Humanos entendeu que houve, neste caso, violação aos direitos à proteção judicial efetiva, de liberdade de movimento e de proibição de discriminação.

Mas, para Mendonça, o caso brasileiro não se encaixa nessa situação.

“Não vejo aqui, no caso concreto, situação que me levaria a aproximar-me no caso do senhor Basu [cidadão alemão]. Tínhamos um local público e notoriamente conhecido de tráfico, eles estavam a uma distância, deram sirene. Ao dar a sirene, ambos indivíduos tentam se evadir. Efetivamente se encontram drogas com o paciente. Ele tenta ainda ocultar uma quantidade”, argumentou o ministro.

Mendonça ressaltou que está aberto a discutir casos de racismo estrutural por trás de abordagens policiais.

“A tese discutida merece toda defesa e todo reconhecimento”, afirmou. “Voto no sentido de denegar a ordem. Repito, mantendo-me aberto a trabalharmos eventualmente, se assim entender o colegiado, a questão de uma tese sobre a matéria”, acrescentou.

Os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes também seguiram a divergência aberta por Mendonça

“Não há aqui como se afirmar que foi preso porque a polícia olhou, viu uma pessoa negra, foi lá e prendeu. A pessoa não estava encostada num muro, num local que não é tradicionalmente conhecido como ponto de droga? Estava fazendo o modus operandi”, disse Moraes.

Moraes afirmou também que a defesa do homem preso em 2023 não apontou o perfilamento racial como causa da abordagem em instâncias inferiores e não produziu provas que comprovassem que houve influência do racismo estrutural na prisão.

“O que ocorre é que, ao meu ver, o caso não é um bom caso para se caracterizar o perfilamento racial. Existe o perfilamento racial em operações policiais? Existe. Agora, neste caso, há provas de que ocorreu?”, questionou.

“Modus operandi é exatamente esse da venda de drogas. Para o modus operandi, não importa se o vendedor ou o comprador é homem, mulher, branco ou negro. Por que que a polícia abordou? Porque aquele ponto é conhecido em Bauru como ponto de drogas”, declarou.

Moraes ressaltou que o perfilamento racial é inconstitucional e que torna a prova ilícita, além de configurar crime de racismo pelo agente que comete. O ministro argumentou que o caso do homem em julgamento não é o melhor para discutir a tese sobre o racismo estrutural em abordagem policial.

Moraes citou que estudos indicam que o perfilamento racial é uma estratégia fracassada e que o racismo é uma chaga no Brasil que precisa ser combatida.

"Provas não podem ser obtidas por perfilamento racial, como aquele que praticou deve ser processado por racismo e isso deve ser extirpado", afirmou o ministro.

Toffoli, em uma fala breve, afirmou que a discussão é importante, mas que talvez o debate sobre o racismo estrutural em abordagens policiais se adeque em outros casos.

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