Por que Portugal vai acabar com o "visto de ouro"?
Pessoas caminham pela Praça do Comércio em Lisboa, Portugal, terça-feira, 12 de abril de 2022 — Foto: AP Photo/Armando Franca
Desde 2012, o governo de Portugal concede a estrangeiros ricos o chamado "visto de ouro" – uma autorização de residência no país e, consequentemente, para o Espaço Schengen – para quem investe ao menos 500 mil euros (quase R$ 2,8 milhões).
O Espaço Schengen é uma zona de livre circulação de pessoas que engloba a maioria dos países da União Europeia (UE), além de Islândia, Noruega e Suíça.
Cerca de 12 mil investidores aproveitaram a oferta e receberam para si mesmos e familiares um "cartão de entrada" para a Europa. Mas, agora, também por causa da pressão da UE, os "vistos de ouro" oferecidos por Portugal deverão acabar.
O primeiro-ministro António Costa anunciou o fim do programa a partir de 16 de março. Os brasileiros são a segunda nacionalidade mais beneficiada pelas autorizações vinculadas a investimentos imobiliários, atrás apenas dos chineses.
"É bom que os 'vistos de ouro' estejam finalmente sendo abolidos, pois eles nunca deveriam ter sido introduzidos", disse a ex-eurodeputada socialista Ana Gomes, que se opõe ao programa desde a sua criação.
"Eles eram um convite para a lavagem de dinheiro e permitiam que organizações criminosas e terroristas se infiltrassem legalmente no Espaço Schengen", acrescentou.
Mais da metade dos requerentes vinha de países onde o risco de lavagem de dinheiro é particularmente elevado – e Portugal nunca se preocupou com a origem dos fundos desses candidatos ao "visto de ouro".
O que foi anunciado como um programa para dinamizar a economia portuguesa acabou se tornando principalmente um bom negócio para o setor imobiliário: em vez de criar novas empresas e postos de trabalho, sobretudo chineses ricos compravam apartamentos de luxo em Lisboa e nos seus arredores, seguidos por brasileiros, turcos, sul-africanos e russos.
Do total de cerca de 7 bilhões de euros arrecadados, quase 90% foram destinados para a compra de imóveis. E apenas 22 vistos foram concedidos para a criação de empregos, segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). O resultado: míseros 280 novos empregos em dez anos.
Mesmo assim, Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), não está satisfeito com o fim do "visto de ouro".
"É um ataque a todos os investidores estrangeiros que querem investir seu dinheiro em Portugal. Assim, Portugal perde sua credibilidade e boa reputação como um país favorável ao investimento", contou.
Para ele, Portugal precisa de investidores internacionais para fortalecer a economia e não pode abdicar de um importante instrumento que leva anualmente mais de 600 milhões de euros ao país. "Além disso, o programa criou milhares de empregos nos setores imobiliário e de construção", frisou Ferreira.
Mas há outro problema: nos últimos anos, os preços dos imóveis em Portugal – especialmente nas duas maiores cidades do país, Lisboa e Porto – explodiram.
Também, segundo os críticos, por causa do programa "visto de ouro", porque cada vez mais cidadãos da UE compram casas e apartamentos em Portugal – e a preços que os portugueses já não conseguem pagar.
"Particularmente no segmento de luxo, o 'visto de ouro' causou fortes aumentos nos preços dos imóveis", sublinhou a ex-eurodeputada Ana Gomes. Um argumento que o governo agora também adota para justificar o fim do programa.
Mas Gomes diz que, na realidade, trata-se de um pretexto: as críticas cada vez mais duras da UE ao programa de vistos de Portugal foram as responsáveis pelo seu previsível fim, principalmente por causa da origem – muitas vezes duvidosa – dos requerentes do "visto de ouro".
Desde o início da guerra na Ucrânia, os russos estão proibidos de investir em Portugal – e, assim, foram excluídos do programa "visto de ouro". No entanto, segundo a ex-eurodeputada Gomes, países como China ou Vietnã também não são conhecidos pela transparência.
Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII, tem opinião contrária. Ele afirma que todas as transações em Portugal são rigorosamente controladas. Há exceções que fogem à regra, mas elas não deveriam ser motivos para abolir o "visto de ouro". "Ninguém quer fechar os bancos, embora se saiba que dinheiro também possa ser lavado lá", contou.
Embora Ferreira ainda tenha esperanças de que o governo recue no último minuto e talvez mantenha o "visto de ouro" de outra forma, parece ter chegado o fim do "cartão de entrada" para o Espaço Schengen por 500 mil euros através de Portugal.
"Era simplesmente muito pouco transparente e perigoso", disse Ana Gomes. Resta saber o que acontecerá com quem já tem o "visto de ouro": diz-se que as suas autorizações de residência só deverão ser prorrogadas se realmente residirem – e de forma permanente – em Portugal.
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