Brasil se oferece para acolher dissidentes nicaraguenses que tiveram nacionalidade retirada
O governo brasileiro declarou nesta terça-feira (7) numa reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, que se dispõe a receber cidadãos nicaraguenses que tiveram sua nacionalidade retirada pela Justiça do país.
"O Brasil está preocupado com relatos de sérias violações de direitos humanos e restrições ao espaço democrático naquele país, particularmente execuções sumárias, detenções arbitrárias e tortura contra dissidentes políticos", disse o representante brasileiro na reunião, o diplomata Tovar Nunes.
O Brasil afirmou estar "extremamente preocupado" com a decisão do regime de Daniel Ortega de "tirar a nacionalidade de mais de 300 cidadãos e reafirma seu compromisso humanitário de proteger pessoas apátridas".
Nunes disse que o Brasil está pronto para explorar maneiras de abordar a situação "de forma construtiva", conversando com o governo nicaraguense e atores relevantes envolvidos.
1 de 1 Presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, em discurso exibido na televisão no dia 9 de fevereiro de 2023 — Foto: CANAL 6 NICARAGUA / AFPPresidente da Nicarágua, Daniel Ortega, em discurso exibido na televisão no dia 9 de fevereiro de 2023 — Foto: CANAL 6 NICARAGUA / AFP
Na última semana, o país não aderiu a uma declaração assinada por 55 países que criticaram duramente Ortega.
Na quinta-feira passada, um relatório de um grupo de especialistas da ONU acusou o governo da Nicarágua de cometer violações sistemáticas dos direitos humanos, as quais constituem "crimes contra a humanidade".
"Eles são cometidos de maneira generalizada e sistemática por motivos políticos e constituem crimes de lesa-humanidade de assassinato, prisão, tortura, incluindo violência sexual, deportação e perseguição por motivos políticos", afirmou o especialista independente Jan Simon, citado em um comunicado.
A especialista colombiana destacou a "ameaça constante" que paira sobre os nicaraguenses "de serem chamados de traidores", de que sua nacionalidade seja "cancelada" e de que sejam "deportados".
Essa situação lembra "períodos muito sombrios da história", enfatizou Simon.
O grupo de especialistas é um órgão independente criado por mandato do Conselho de Direitos Humanos da ONU para investigar suspeitas de violações de direitos humanos cometidas na Nicarágua desde abril de 2018. Nessa data, eclodiram no país protestos violentamente reprimidos, com um balanço de mais de 350 mortos e centenas de detidos.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) advertiu que a legislação da Nicarágua que permite a privação da cidadania viola o direito internacional.
No poder desde 2007 e reeleito sucessivamente em pleitos questionados, o presidente Ortega enfrenta uma onda de condenações de diferentes países por sua inclinação autoritária.
O relatório destaca que os abusos "não são um fenômeno isolado", mas resultado de um "desmantelamento deliberado das instituições democráticas e da destruição do espaço cívico e democrático". Desde dezembro de 2018, pelo menos 3.144 organizações da sociedade civil foram fechadas, afirma o comunicado.
Simon acusou o governo da Nicarágua de "instrumentalizar os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Eleitoral para [...] implementar um marco legal tendente a reprimir" as liberdades fundamentais e de "eliminar, por diversos meios, qualquer oposição no país".
Segundo o grupo de especialistas, Ortega e sua esposa, a vice-presidente Rosario Murillo, cometeram e continuam cometendo esses crimes.
No informe, o grupo pede à comunidade internacional que tome medidas legais contra os responsáveis por essas violações e que se aumente as sanções.
Simon insistiu em que o Estado e os indivíduos responsáveis por violações de direitos humanos devem ser responsabilizados, seja sob o direito penal internacional, a legislação nicaraguense, ou de terceiros países.
O documento relata que a polícia nacional e grupos armados pró-governo incorreram, de forma coordenada, em um padrão de execuções extrajudiciais durante os protestos de 2018. A revolta nas ruas durou quase cinco meses.
"As autoridades têm buscado a perseguição, criminalização e eliminação de qualquer voz de oposição", disse a especialista Ángela María Buitrago, citada no comunicado.
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