Egito recruta atores e fazendeiros contra mudança climática
A companhia de teatro é uma resposta do governo à onda de calor que nove anos atrás derrubou a safra de trigo, base da alimentação de quase 100 milhões de habitantes do país (Imagem: Dana Smillie/Bloomberg News)
Em uma arena a céu aberto, egípcios de uma aldeia próxima à milenar cidade de Luxor dão gargalhadas durante uma peça sobre mudança climática — embora o tema seja questão de vida ou morte.
“Qual é o seu segredo?”, perguntou o ator no papel de fazendeiro que percebe que a colheita de trigo do vizinho é duas vezes maior que a sua. “Estou me adaptando a al-taghayorat al-monakhiya”, responde o outro, usando a expressão árabe para mudança climática. “Al-molokhiya?”, revida o primeiro, extraindo risadas da plateia ao trocar o nome do fenômeno pelo de uma tradicional sopa de folhas de juta.
A companhia de teatro é uma resposta do governo à onda de calor que nove anos atrás derrubou a safra de trigo, base da alimentação de quase 100 milhões de habitantes do país. A peça incentiva agricultores a cooperar, unindo suas pequenas propriedades para maximizar a produção e usar técnicas de irrigação e plantação para enfrentar as alterações climáticas e temperaturas mais quentes no sul.
O aquecimento global é um grande problema para o Egito, onde a agricultura garante 28% dos empregos. Segundo o Programa Mundial de Alimentos, que financia o projeto teatral, a mudança climática ameaça reduzir a produção de alimentos no sul do país em pelo menos 30% até 2050.
O “alarme” para a mudança climática no Egito soou com a onda de calor em 2010 que devastou a safra de trigo, disse Ali Hozayen, responsável por desenvolvimento rural e ajuda alimentar no Ministério da Agricultura.
Uma peça encenada recentemente na aldeia de El-Boghdadi, também perto de Luxor, contou a história de um fazendeiro que se recusa a cooperar com os vizinhos para combater as alterações climáticas ou pagar pelo revestimento do canal de irrigação. Depois de ser mordido por uma cobra, ele corre risco de morte e percebe seu erro.
A trupe viaja regularmente por cerca de 50 aldeias no sul do Egito e as peças se baseiam na cultura local e no sotaque característico.
A proposta inicialmente encontrou alguma resistência. “Como vamos mudar o clima de Deus?”, perguntou um fazendeiro mais velho em um dos primeiros encontros, lembra Othman Al-Shaikh, líder da iniciativa.
Ensinando também a conservar água e incentivando a retirada de cercas e muros que separam propriedades, os benefícios do projeto teatral são tangíveis em aldeias como El-Boghdadi. Bombas de irrigação movidas a energia solar substituíram sistemas mais caros movidos a diesel e informações meteorológicas são transmitidas nas mesquitas e por meio de aplicativo para celular.
As medidas elevaram a produção de trigo em 30% a 40% e de 25% a 30% no caso da cana-de-açúcar e reduziram o consumo de água em até 30%, de acordo com Al-Shaikh. A expectativa é expandir o programa para cinco províncias do norte com financiamento adicional.
“Agora qualquer criança sabe o que é mudança climática”, disse Al-Shaikh.
Viúva com três filhas, Huda Najui começou a criar patos e cabras depois de ficar sabendo da disponibilidade de pequenos empréstimos quando assistiu a uma peça dois anos atrás.
“Tenho independência financeira agora, mas estou aqui para dar risada”, disse ela, sentada com a família bem perto do palco.
O fazendeiro Ali Murtada, de El-Boghdadi, se lembra bem da onda de calor de 2010 e afirma que as medidas ajudaram a dobrar sua colheita de trigo.
“A mudança climática pode ser algo que o resto do mundo imagina como um cenário futuro preocupante”, disse ele. “Mas nós estamos vivendo isso.”
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