Felipe Miranda: Precisamos falar sobre Oi
Colunista discorre sobre descolamento e possível valuation com assimetria
Hoje não tem piadinha. Não tem história, filosofia, nem teoria. Sangue, suor, lágrimas e, acima de tudo, muito trabalho. Eis o que tenho a oferecer.
Como os três leitores talvez saibam, tenho defendido a compra das ações da Oi. A indicação veio — e vem — sempre acompanhada de intensos alertas de alto risco, da necessidade de se dispor apenas de um pequeno capital aqui (a posição, impreterivelmente, deve ser pequena; o dinheiro da pinga, não do leite), do argumento em prol da imperiosa tolerância à volatilidade e da dilatação do horizonte temporal dos investimentos (cases de turnaround operacional e financeiro, como este, necessariamente exigem tempo para que o turnaround operacional e financeiro seja executado — não há como escapar à lógica da própria construção do argumento).
Tudo, evidentemente, compondo um portfólio diversificado e devidamente balanceado, como deve ser — aliás, essa última é uma prescrição onisciente, onipotente e onipresente. Nenhuma posição deve ser vista individualmente, mas, sim, olhada na composição da carteira como um todo, de modo que o sizing num único ativo não possa, jamais, sozinho atrapalhar o todo.
Em que pesem os disclosures, a verdade é que a sugestão, ao menos até agora, tem se mostrado um equívoco. E eu não tergiverso sobre meus erros. Assumo aqui a responsabilidade. Sob o ponto de vista de market timing — esse negócio impossível, da magia dos charlatões —, foi um grande erro. Depois do ocorrido, ficou óbvio. Depois do ocorrido, sempre fica óbvio. Se fôssemos engenheiros de obra feita, poderíamos facilmente dizer que a indicação poderia ter sido feita após os últimos resultados. Bom, infelizmente, não somos. Aqui estamos, com as cotações da ação muito aquém do nível original em que foram indicadas. Resta-nos o trabalho. Então, vamos lá.
Para tornar curta uma longa história, as ações têm derretido nos últimos dias após um resultado trimestral muito ruim, com queima de caixa muito superior à esperada pelo mercado. O grande temor é de que a companhia venha a precisar de um aumento de capital diante de suas restrições de liquidez e, eventualmente, possa até mesmo a sofrer uma intervenção da Anatel em face à suposta impossibilidade de incorrer no necessário capex previsto — em tese, se nada acontecer, a Oi teria caixa apenas para chegar até fevereiro. Isso, somado a uma atuação pesada de short sellers e de acionamento de ordens maciças de stop, causaram o banho de sangue recente.
O case estrutural de Oi passa pela seguinte tese de investimento: a empresa basicamente gera 4,5 bilhões de reais de fluxo de caixa operacional por ano. Enquanto isso, abaixo da linha do Ebitda, incorre em saídas aproximadas de 7 bilhões de reais por ano. A conta não fecha. Algo precisa acontecer para a empresa parar de pé.
Por que então suas ações foram sugeridas, mesmo sob os alertas de alto risco? Ora, justamente porque entendo haver alta probabilidade de que algo vai acontecer.
Em resumo, o argumento se apoia na percepção de um valor de mercado altamente depreciado frente ao valor de seus ativos, combinado ao prognóstico de uma série de eventos catalisadores que possam destravar esse valor, capazes de aliviar a grande pressão sobre o caixa da companhia e mostrar o caráter depreciado de Oi — comecemos como uma simples heurística: não parece muito pouco que uma companhia desse tamanho e com essa importância estratégica valha (market cap) 1 bilhão de dólares, o mesmo valor que espera-se obter com a venda da angolana Unitel?
Por conta do histórico societário e de gestão na companhia (a Telegang assaltou a Oi/Telemar por anos e anos) e do consequente altíssimo endividamento, o valor de mercado da empresa encontra-se em níveis muito depreciados, justamente porque se coloca em xeque até mesmo a perpetuidade da companhia. Agora, se olharmos sob uma perspectiva de valor de liquidação ou valor do ativo líquido, chegamos a um potencial de multiplicação para as ações da Oi. Claro que há muito risco e o investidor deve saber que, sim, pode dar errado. Mas a assimetria do case é talvez a mais atraente de toda a Bolsa, sendo isso fundamentalmente o que nos leva a OIBR3 (reitero: alto risco, posição pequena, muita paciência, tolerância à volatilidade, largo horizonte temporal).
Vamos fazer umas contas. A ideia da companhia é vender sua participação na angolana Unitel por cerca de 1 bilhão de dólares — grosso modo, portanto, algo como 4 bilhões de reais (perceba que esse é basicamente o market cap atual da Oi). Em paralelo, a venda de torres poderia render à companhia algo em torno de 250 milhões de reais. Outros 400 milhões de data center, mais cerca de 1 bilhão de reais pela rede de fibra ótica e outro 1 bilhão da venda de imóveis. Adicionalmente, há créditos ligados a PIS/Cofins no valor de 2 bilhões de reais (já garantidos, com expectativa de mais 1 bilhão) e dedução de IR que pode chegar a até 3,7 bilhões de reais — o prejuízo acumulado da companhia é de 11 bilhões de reais, de modo que, se aplicarmos a alíquota de 34 por cento, chegamos aos 3,7 bilhões de reais.
Ao todo, portanto, o valor desses ativos non core chega à estimativa de 12,350 bilhões de reais. Se, eventualmente, somarmos a possibilidade de venda da operação móvel (TIM é claramente uma das interessadas), que é core, mas pode valer cerca de 15 bilhões, já ultrapassamos todo o valor de firma atual de Oi (dívida líquida de 20,7 bilhões de reais e valor de mercado de 4,4 bilhões de reais). Isso significaria que todo o resto teria valor zero ou até mesmo negativo. Não parece fazer muito sentido. Você pode brincar com os números como quiser, atribuir descontos, desconsiderar os créditos fiscais, qualquer coisa. Mas aqui já vemos com certa clareza a assimetria ligada ao case.
Outra forma de ver seria abater esses 12,350 bilhões originados com a venda de ativos e créditos fiscais da dívida líquida da companhia, chegando a um novo net debt de 8,350 bilhões de reais. Somando ao valor de mercado de 4,4 bilhões, temos um valor de firma de 12,750 bilhões, chegando a um múltiplo EV/Ebitda de 2,83 vezes, o que parece bastante barato.
Note que, mesmo se já supusermos aumento de capital de 2,5 bilhões de reais e consumo integral desse caixa para garantir a sobrevivência da companhia até a implementação concreta da venda de ativos, falaríamos de um EV/Ebitda de 3,39 bilhões, ainda muito atrativo.
Alternativamente, matéria de hoje do jornal O Globo aponta estudos dos principais acionistas para vender a Oi como um todo, e não somente parte da companhia.
Assim, uma potencial história para Oi a partir de agora poderia ser: opinião pública e imprensa passam a pressionar fortemente pela aprovação do PLC 79, envolvendo diretamente a senadora Daniella Ribeiro (relatora) e o próprio governo. Como não parece ser do interesse do governo uma intervenção da Anatel no caso (matérias da imprensa apontam nesse sentido, pois poderia sinalizar algo ruim para investimentos em telecom no Brasil). Vota-se o PLC ainda em setembro e isso muda por completo o ambiente para as teles no Brasil, destravando muito valor e basicamente eliminando a perspectiva de cash burn estrutural de Oi, o que obviamente também facilita a venda de ativos. Em paralelo, a empresa caminha com a venda da Unitel e levanta caixa de 4 bilhões de reais. Adicionalmente, nesses níveis de preço, poderia até fazer uma chamada de capital de 2,5 bilhões de reais — isso eliminaria o temor de uma intervenção imediata e daria fôlego para negociar venda de ativos; o mercado passaria a fazer conta de soma das partes e, mesmo vendo a diluição, poderia perceber o caráter depreciado dos ativos.
Essa é apenas uma das possibilidades, claro. Há outra, que pode parecer elucubração excessiva, mas foi ventilada pela Folha ontem, envolvendo interesse da AT&T na Oi. O imbróglio é o seguinte: para o negócio entre AT&T e Time Warner ser concluído (algo que envolveu 85 bilhões de dólares e 18 países), precisaria do aval do Brasil (veja: só do aval do Brasil, indicando uma certa aberração). De acordo com a imprensa, o presidente Donald Trump teria pedido ajuda a Bolsonaro para conseguir aval da Anatel para a compra da Time Warner. Isso exigiria uma alteração na lei da TV paga, pois a legislação restringe a participação acionária cruzada entre produtores de conteúdo (Time Warner, por exemplo) e distribuidores (como a AT&T) — Eduardo Bolsonaro já defendeu publicamente a revisão dessa lei. Então, quem sabe, tudo pode vir num grande pacotão, o que ajudaria a explicar, junto ao lobby da Claro, evidentemente, o enorme e injustificado atraso na votação do PLC 79 (a Oi passa a ter muito mais atratividade ao comprador a partir daí).
Talvez seja um caminho para deixar todos felizes no Ocidente. Bolsonaro agrada Trump, que agrada as empresas norte-americanas e, juntos, todos desagradam o chinês, como queriam fazer desde o começo. Para a Claro ficar feliz também, encontra algumas benefícios no novo marco regulatório ligados ao 5G.
Veja ainda que, operacionalmente, a empresa também parece caminhar. Tanto O Globo quanto Valor Econômico noticiam hoje que a Oi já prepara a troca de seu presidente, o que poderia alinhar os atuais acionistas (contrários à atuação de Eurico), dar consecução ao plano de venda de ativos e cortar custos e focar na eficiência operacional.
Em termos pragmáticos, portanto, o que fazer em relação às ações da Oi?
Se você já seguiu a indicação e comprou os papéis, entendo que deva ter paciência. Esteja ciente dos riscos, calibre devidamente o tamanho da posição, estenda o horizonte temporal. Estômago de avestruz. Gostaria de ter algo melhor a oferecer, mas a verdade é que não tenho.
Seria o caso de aumentar posição? Não acredito que seja o caso. Conforme dito em todas as publicações, estamos diante de uma ação de altíssimo risco. O sizing deve ser gerenciado com rigor, critério e diligência. Nunca tente pegar uma faca caindo. Apenas temos de esperar, com paciência. A decisão pela inação é também uma decisão, e muitas vezes a mais sábia a se tomar. Entre as virtudes de um grande investidor está aquela de saber a hora de não fazer nada, enfrentando as tentações de querer sempre comprar ou vender. Senta na mão.
Caso você ainda não tenha comprado os papéis, acredito que Oi configure uma das melhores (talvez a melhor) assimetrias de toda a Bolsa e isso me faz, sim, sugerir os papéis, com uma pequena posição. Tudo, no entanto, deve ser feito com a ciência do altíssimo risco, do prognóstico de muita volatilidade, da exigência de se ter olhar de longo prazo e de saber onde está pisando.
Para encerrar, a despeito dos comentários sobre Oi, jamais se esqueça da importância do portfólio como um todo, da necessidade de se estar sempre diversificado, com a devida calibragem das posições e com algumas boas proteções em carteira. Jamais teríamos Oi se não tivéssemos também dólar, ouro e algumas puts. É o bolo todo que importa, não apenas um pedaço dele. Mesmo com o erro em Oi até aqui, a Carteira Empiricus sobe 300 por cento do CDI em agosto (um mês bastante complicado para os mercados) e quase 500 por cento do CDI no ano, com alta de 19,75 por cento. Calma, torcida brasileira. Ainda não foi desta vez. Estamos vivos. E confiantes de que, ao final desse processo doloroso, vai dar certo. Este redator segue, respeitosamente, com a alma corinthiana, maloqueira e sofredora — graças a Deus.
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