Felipe Miranda: Opa, tirem as crianças da sala
Colunista discorre sobre importância de diversificação, ainda mais em tempos de cenário externo incerto
Antes de partirmos para as bobagens típicas sobre finanças faladas neste espaço diariamente, deixo um convite: amanhã, às 8h, estarei ao vivo com Roberto Sallouti (CEO do BTG Pactual) e o pessoal da BRASA (Brazilian Student Association) neste link. Deixe marcado em sua agenda. Vai ser bem legal.
A ideia é apresentar o trabalho mais do que especial feito pela BRASA, uma organização sem fins lucrativos para ajudar brasileiros a estudar no exterior, voltada à formação de líderes, empreendedores e causadores de mudança de impacto tanto no setor privado quanto no setor público. Uma das coisas mais bacanas da BRASA é que ela é feita inteiramente por alunos para alunos. Uma iniciativa emocionante e que merece a nossa contribuição.
Acho importante que todos nós participemos de algum tipo de iniciativa nesse sentido, com o que puder. Pode ser pouco ou muito, não importa. Acho curioso como muita gente critica a inabilidade do governo em promover bens e serviços de qualidade, em induzir o crescimento e o desenvolvimento econômico, em fomentar a igualdade de oportunidades, mas, quando se vê diante da oportunidade de, como cidadão, realizar uma iniciativa de impacto social marcante, tergiversa. Cada um de nós pode e deve registrar sua contribuição.
Ana Garcia, cofundadora e ex-CEO da BRASA, começará compartilhando informações sobre a fundação, missão e estrutura de iniciativas da organização. Diego Zancanalli, como atual aluno de Stanford e Diretor de Gente & Gestão da BRASA, compartilhará informações sobre o impacto da organização e sobre o programa de bolsas — propósito, estrutura, o que foi conquistado até o momento e os planos de conquista futura.
Eu mesmo já sou doador da BRASA e me comprometo a fazer um novo reforço financeiro à organização amanhã. A Empiricus, como pessoa jurídica, também fará uma doação à BRASA.
Como uma pequena retribuição à sua participação, eu e Sallouti, que é membro do conselho da BRASA e grande apoiador do projeto, conversaremos sobre o momento da economia brasileira, investimentos e visão de futuro. Evidentemente, ele também pode e deve falar um pouco sobre o excepcional momento operacional do banco.
É sempre um prazer poder aprender com o Sallouti. Eu mesmo estou muito animado para esta conversa. Vale aqui uma recomendação geral sobre construção patrimonial: valorize a interlocução com pessoas mais inteligentes e mais ricas do que você. Os jornais, os cursos online, seu gerente ou agente autônomo dificilmente vão oferecer ideias de investimento realmente diferenciadas. Parece um tanto lógico: situações patrimoniais médias não combinam com ideias de investimento acima da média. Como sintetizou o nada mediano Warren Buffett, “Wall Street é o único lugar do mundo onde pessoas que andam de Rolls-Royce pedem conselho para quem pega o metrô”.
Mas pessoas com altíssimo patrimônio, muito bem conectadas e com relações relevantes possuem outro nível de acesso à informação. E não há maior diferencial em finanças do que o bom acesso à informação. Se hoje, por exemplo, a qualidade da pesquisa feita pela Empiricus é muito melhor do que aquela de outras casas ou do que foi feito em seu próprio passado, isso se deve em grande medida à escala, à nossa atual rede de contatos e à boa interlocução cultivada por anos e anos.
Portanto, amanhã, às 8h, faremos esta conversa e seria um prazer enorme poder contar com sua participação. Além de ouvir a visão de uma pessoa tão brilhante como o Sallouti (oportunidade rara), teremos brindes especiais para os maiores doadores. Pessoas que doarem acima de mil reais ganharão convite para uma das três conferências anuais da BRASA — BRASA Summit (EUA), EuroLeads (França), ou BRASA em Casa (Brasil). E, para os 20 maiores doadores, uma mentoria reversa com estudante de uma das melhores universidades do mundo e alto potencial de impacto no Brasil. Aguardo você.
Recado dado, arregacemos as mangas e, com atraso de alguns dias, comecemos o mês de setembro, porque esses dois primeiros pregões não nos deram muita trégua em termos sistêmicos. A julgar pelo comportamento das Bolsas lá fora nesta manhã, temos espaço para um recomeço. Já chego lá.
Nessa de ouvir sempre pessoas mais inteligentes e mais ricas do que eu, uma vez fui a um evento para ouvir um renomado gestor. No caso, bem mais inteligente e bem mais rico — não necessariamente nessa mesma ordem.
Ele começou mais ou menos assim: “Gestão de recursos é como um filme pornô. Não adianta você fazer bem uma posição. Você precisa ir bem em todas, olhar a coisa como um todo. Se o sujeito olha uma posição minha e quer copiar, pode ser uma tragédia, porque aquilo fica descontextualizado e pode não fazer sentido dentro do portfólio daquele investidor. A carteira é — e precisa ser — pensada como um todo. Cada posição ali dentro cumpre um determinado papel”.
Embora eu já estivesse mais na fase dos filmes cult e dos clássicos, com maior ênfase no cinema europeu e mais precisamente na Nouvelle Vague, gostei da analogia. A plateia se dividiu. Teve uma mulherada meio constrangida e uns rabinos se entreolhando — eu percebi. Achei divertido e ria por dentro, sem deixar ninguém perceber; pessoal educado, sabe? Mas aquilo ficou na minha cabeça e agora voltou diante das adversidades que se colocam sobre a economia mundial.
Não sei se você percebeu, mas as coisas pioraram lá fora — em que pese alguma recuperação dos mercados hoje (ao menos até agora; sempre bom essa salutar ressalva).
Não há qualquer sinal efetivo de resolução final para o conflito comercial, político e tecnológico entre EUA e China. Temos de lidar com a comunicação intempestiva e, para dizer o mínimo, peculiar de Donald Trump no Twitter, ferindo a liturgia canônica das relações diplomáticas tradicionais, enquanto Xi Jinping parece manter-se fiel ao plano de fazer a China percorrer uma nova Longa Marcha, conforme discurso de maio, o que sugere disposição para sacrifícios e firmeza nas negociações com os EUA.
Ao mesmo tempo, a atividade industrial norte-americana, que já vinha preocupando, emitiu sinais ainda piores ontem. O PMI oficial marcou 49,1 pontos, abaixo dos 52,1 pontos anteriores e dos 51 pontos esperados. Para reforçar o temor, veio abaixo da marca dos 50 pontos, que delimita expansão ou retração.
A reação dos mercados ontem foi imediata. Houve uma corrida em direção a ativos mais seguros, sob o temor de que a economia mundial esteja à beira de uma recessão. O rendimento dos Treasuries caiu de forma significativa e o ouro subiu 1,73 por cento, para 1.556 dólares por onça.
Eu ainda não tenho a recessão norte-americana como cenário mais provável. Minha expectativa central aponta mais para um mundo anêmico de crescimento muito baixo, inflação baixa e juros cada vez mais baixos.
Vai ganhando força na minha cabeça a ideia de que os fatores para os juros zerados ou até mesmo negativos são mais estruturais do que conjunturais. Forças demográficas vão empurrando as taxas de poupança para cima — se você já tem atendidas suas necessidades mais elementares, como é para a maior parte nos países desenvolvidos, e sabe que vai viver por décadas na aposentadoria, vai precisar poupar mais, sem exigir muita recompensa financeira (juro) pela postergação de consumo. Ao mesmo tempo, a tecnologia atua como importante força deflacionária e diminui a necessidade de capex — fica mais barato aumentar a eficiência da produção.
Note que tanto a demografia quanto a tecnologia são forças estruturais, não passageiras ou momentâneas. A não ser que haja uma revoada de cisnes negros, o mundo vai ficar cada vez mais velho e cada vez mais tecnológico, numa caminhada sem volta e numa única direção. Ou seja, as taxas de poupança vão aumentando e as de investimento caindo indefinidamente.
Então, se você aplicar essa dinâmica ao gráfico dos processos cumulativos de Wicksell, que relaciona oferta e demanda por fundos emprestáveis (não confundir com fundos imprestáveis, tão populares no mercado brasileiro), cuja interação forma a taxa de juro de equilíbrio, vai perceber que, conforme defendeu Alan Greenspan, o zero é só um número como outro qualquer. A oferta de poupança, expandindo-se com a passagem do tempo, pode cruzar com a demanda por investimento, reduzindo-se no percurso histórico, em qualquer nível inferior a zero, por que não?
Nesse caso, as taxas de juro negativa não seriam causadas por distorções implementadas pelos bancos centrais, que jogaram zibilhão de dólares na economia para salvar o sistema capitalista da crise de 2008. Ao contrário, os BCs seriam vítimas de um inexorável processo histórico, atuando atrás da curva, e não à frente. Eles apenas responderiam a condições naturais do sistema econômico.
Ontem mesmo, enquanto o mercado clamava por novos cortes de juro nos EUA, Eric Rosengren, do Fed, descartou necessidade de ação imediata. Os investidores já davam como certas novas ações do banco central americano, que, por sua vez, resiste a uma atitude mais contundente. O Fed, portanto, não está numa posição de se antecipar aos movimentos, mas de reagir, talvez até tardiamente, à desaceleração da economia.
Vale dizer que a produção industrial brasileira também decepcionou fortemente ontem, afastando a hipótese de interrupção ou antecipação do fim do ciclo de corte da Selic — encerraremos 2023 com juro básico de 5 por cento, talvez menos. E não será surpresa se viermos a discutir a hipótese de juros reais de curto prazo zerados; aliás, como é no mundo inteiro.
Resumo da história: a coisa está mais nebulosa e sombria na margem. A chance de recessão global entrou de vez na conversa e o crescimento econômico brasileiro insiste em não pegar no tranco. Evidentemente, sob forte desaceleração lá fora, ficaria ainda mais difícil para crescer com força aqui. Por ora, ainda é só uma perda de velocidade na margem, com o efeito sobre os preços dos ativos podendo ser amenizados por quedas adicionais nos juros.
De todo modo, o mundo vai ficando mais incerto, sem deixar muito espaço para se saber o que vai acontecer. E quando não se sabe o que fazer, só resta o caminho da diversificação. Precisaremos cada vez mais de um portfólio calibrado, balanceado, sem uma grande exposição direcional do tipo all-in. Insisto na importância do asset allocation e não da obsessão gananciosa e destruidora de uma ou outra posição individual. É assim que tocamos a Carteira Empiricus, que é sempre a minha melhor recomendação para você. Nada mais papai-e-mamãe.
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