Combatendo fogo com fogo, “guardiões da floresta” perseguem madeireiros ilegais na Amazônia
Madeireiros e fazendeiros vêm desmatando as terras até a reserva Guajajara e cruzando a fronteira cada vez mais nas últimas décadas (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)
Perto de meia-noite, um grupo de seis índios da tribo Guajajara, com seus rostos pintados para combate, ouve o barulho de caminhões pesados a cerca de 30 quilômetros de sua aldeia na floresta amazônica.
Eles suspeitam de uma caravana ilegal de madeireiros para corte de árvores em sua reserva. A polícia não está a caminho, mas os nativos têm um plano para revidar.
Os “guardiões da floresta”, como se autodenominam, correm para um ponto-chave no emaranhado de estradas de terra esburacadas e ficam à espera, armados com rifles e revólveres. À medida que os caminhões se aproximam, os índios se preparam para fazer uma emboscada, prender os madeireiros e entregar os invasores e seus equipamentos à delegacia mais próxima, a centenas de quilômetros.
Os homens dizem que estão entre os 180 guardiões que patrulham e protegem sua terra indígena contra madeireiros em ações noturnas.
De dia, a maioria dos guardiões cultiva mandioca, arroz e outros produtos na Terra Indígena Araribóia, uma região florestal úmida de cerca de 413 mil hectares no nordeste do Maranhão, um Estado que perdeu a maioria de sua floresta tropical ao longo do século passado.
Madeireiros e fazendeiros vêm desmatando as terras até a reserva Guajajara e cruzando a fronteira cada vez mais nas últimas décadas. No entanto, desde 2012, quando os “guardiões da floresta” se constituíram, estima-se que as incursões ilegais tenham se reduzido à metade.
“Eu estou orgulhoso de os guerreiros continuarem a luta, porque nossa terra era considerada como perdida”, disse Laercio Guajajara, um dos coordenadores do grupo.
“Mas estamos mostrando para o mundo, para o país que nossa terra tem dono e não é perdida.”
Iniciativas de grupos de vigilantes como os guardiões chamaram a atenção neste ano diante da crescente devastação da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo.
Nos sete primeiros meses de 2023, o desmatamento da floresta amazônica aumentou cerca de 67% em relação ao ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe).
Os incêndios na Amazônia, que normalmente ocorrem após o desmatamento, também cresceram cerca de 50% neste ano, de acordo com dados do governo, desencadeando uma reação global em resposta à política ambiental do governo do presidente Jair Bolsonaro.
O presidente tem declarado que as reservas indígenas brasileiras são muito extensas. Ele defende a exploração mineral e agrícola nas regiões, além de ter enfraquecido o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), de acordo com funcionários da autarquia federal.
Os guardiões do território Guajajara dizem que reforçaram suas convicções de que o destino de sua terra está em suas mãos.
“Quem deveria fazer o trabalho de fiscalização e proteção das terras indígenas não faz”, disse Olimpio Guajajara, um líder dos guardiões. “Eu tenho a missão de ter de proteger as terras.”
Um porta-voz do Ibama disse à Reuters em agosto que governos anteriores eram responsáveis pelos desafios enfrentados pelo instituto. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que cumpre seu papel de proteger a floresta, comprometendo-se a combater a atividade criminosa. O Ibama não respondeu a um pedido por comentários sobre a luta Guajajara contra madeireiros.
Polícias locais reconheceram o trabalho dos guardiões em sinalizar atividades ilegais e apresentar evidências. No entanto, as autoridades dizem que essa forma de justiça não é o melhor método para lidar com o problema.
Alguns guardiões foram mortos por madeireiros, disseram indígenas à Reuters, e muitos cobrem o rosto durante as operações para evitar se tornarem alvos. Os indígenas não recebem compensação pelo trabalho arriscado e cansativo de investigação, e gastam parte de sua escassa renda em munição, gasolina e manutenção de veículos.
Tiros e chamas
Enquanto os guardiões ficam à espreita, permanecem em silêncio e sob tensão até perceberem qualquer sinal da aproximação dos madeireiros.
Cercado pelos guardiões, um invasor rapidamente se rende e confessa que três caminhões carregados de madeira ilegal estão a caminho.
Quando os veículos chegam, os guardiões bloqueiam a estrada com uma caminhonete própria. Os madeireiros realizam disparos contra os indígenas, que revidam. Os invasores fogem para a mata.
Sem espaço para levar o homem capturado para a polícia, os guardiões deixam-no na floresta para ser resgatado por seus colegas.
Após não conseguir dar a partida nos caminhões apreendidos, o grupo de indígenas queima os veículos para garantir que não serão usados novamente.
“A gente já pediu para eles irem embora, e eles nunca foram”, disse Laercio.
Em resposta às invasões, os guardiões também atearam fogo nas instalações habitadas pelos madeireiros no meio da floresta.
“Se eles não forem embora, na próxima vez que a gente vier aqui, nós vamos levá-los amarrados também ou, quem sabe, a gente vai matá-los aqui, porque não dá mais para a gente aguentar o que eles fazem aqui dentro do território.”
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