Felipe Miranda: Há salvação para o investidor?
Colunista discorre sobre métodos para conseguir mostrar performance superior ao mercado, apesar de dificuldades humanas (Imagem: Empiricus Research)
— Deus, tudo bem? Desculpe entrar em contato assim… o Senhor sabe…bom, acho que sabe… tenho rezado muito… e como o Senhor não responde, resolvi ligar diretamente. Queria te pedir um cuidado especial com meu irmão…
— Opa, tudo bem e você? Deixa Eu ver se entendi… Você está me ligando para me ensinar a fazer o meu trabalho? Não sou Eu o Pai, onisciente e responsável por cuidar dos meus filhos? Pô, cara, dá um tempo…
Respeito todos os deuses. Todinhos. Mas acreditar, acreditar mesmo eu só acredito no Deus de Spinoza. Sabe aquele que quer que aproveitemos a vida, que desfrutemos de tudo a nós oferecido, que gozemos de tudo que Ele mesmo fez por nós?
O Sujeito cuja casa não foi construída por nós mesmos, os homens, mas que mora nos rios, nas praias, nos bosques, nas montanhas, nos mares, e que se manifesta no sorriso do meu filho, no cheiro da minha esposa ou no abraço da minha mãe. Para mim, ali está expressado o amor Dele pela gente.
Eu já procurei em várias escrituras ditas sagradas identificá-lo, mas só encontrei mesmo dentro de mim. Ah, sim, já também tentei culpá-lo pelos meus próprios fracassos, ao mesmo tempo em que culpei a mim mesmo por não conseguir correspondê-Lo, com todos os meus pecados e minhas poucas orações — depois percebi que essa entidade narcísica e egocêntrica atribuída a Ele estava humana demais e divina de menos.
O Cara não pode ser tão censurador, tão juiz, tão crítico, tão carrasco, tão vingativo e tão bravo; hoje, estou convicto de que ele é puro amor.
Não há por que pedir perdão, porque não há o que ser perdoado — foi Ele mesmo que nos fez assim, preenchendo-nos de paixão, de erros, de sentimentos, de ambivalências, de necessidades e, principalmente, de livre-arbítrio.
Ele vai nos culpar por algo que Ele mesmo colocou dentro da gente? Ah, desculpa, esse Pai que cria um lugar para colocar parte dos seus filhos para queimar no fogo por toda eternidade não faz sentido, não. Que classe de Deus pode fazer isso? Sei lá, é só a minha opinião.
Acho que essas leis e esses mandamentos, criados pelos homens, são feitos só para controlar a gente, mexer com a nossa culpa para que nos comportemos como eles querem, de acordo com a régua deles. A minha é única: quero me medir pelo quanto respeito meu semelhante.
Sabe, essa vida não é uma avaliação, uma prova, um degrau, nem um teste… nada disso. Não há prêmios, nem castigos. Você vai criar na sua vida o seu próprio céu ou o seu próprio inferno.
Não posso dizer se há ou não algo depois desta vida, mas talvez possa dar um dica: viva como se não tivesse mais nada, como se esta fosse sua única oportunidade, de desfrutar, de amar, de existir. Assim, ainda que não se tenha mais nada, você terá aproveitado da oportunidade que Deus lhe deu.
E se tivesse, tem por certo de que Ele não perguntar se você se comportou ou não, mas apenas: “Você gostou? Se divertiu? Qual foi a coisa de que mais desfrutou? O que você aprendeu?”.
Acho essa concepção divina simplesmente esplendorosa. E posso falar assim porque ela não é minha. Não tem nada de Felipe Miranda nisso aí de cima. Ah, eu adoraria que tivesse, mas não tem.
É Spinoza, purinho. E, apesar de claramente falar da vida e de uma de suas questões mais ontológicas, acho que tem inferências relevantes para o investidor.
Primeiro, a mais imediata: não há sagrada escritura, não há 10 mandamentos. O mercado é amoral e aético — o que é diferente de ser imoral ou antiético. Não tem ideologia, visão política, religião.
Money talks, bullshit walks. Essa é a única linguagem que todos entendem. Dinheiro também não tem carimbo. Ganhar dinheiro com NTN-B, com criptomoeda, com Helbor ou com Itaú, no final do dia, é a mesma coisa. Esteja aberto a todas as possibilidades a priori, sem preconceitos.
Lembre-se também de que ninguém — ok, talvez a sua esposa ou seu marido conservador, mas aprenda a lidar com isso — está te julgando. Você é o único responsável pelos seus lucros e seus prejuízos, que serão exclusivamente resultado de suas próprias decisões.
Para de reclamar dos outros, da má sorte ou de Deus — Ele tem outras preocupações hoje além do vencimento do Ibovespa Futuro. Aliás, pare de reclamar no geral. Você é adulto.
Depois, entenda sobre o único tipo de divindade possível neste mercado. Mesmos os mais celebrados financistas estão sob as mesmas regras da natureza e também eles só podem enxergar Deus no sorriso dos seus filhos, no beijo de seus cônjuges, na união de suas equipes de profissionais.
Na melhor das hipóteses, na alta das ações da Oi, quem sabe? Não superestime seu gestor ou seu analista favorito. Por favor, não. Isso vale para mim também, é claro. Principalmente para mim. Estamos todos condenados a decidir sob um ambiente de incerteza, impermeabilidade e opacidade.
Escolhemos hoje, sobre resultados que só acontecerão no futuro. E não adianta tentar, no presente, penetrar o futuro. Há razão objetiva para serem tempos verbais diferentes.
Afinal, ora, são coisas diferentes. Se fossem a mesma, teriam o mesmo nome. Não ache que nós somos capazes de saber a hora certa de aumentar ou diminuir Bolsa, o momento preciso de realizar lucros ou prejuízos com uma determinada ação, os picos e fundos de um índice. Nós não sabemos.
Acho que um bom analista, estrategista ou gestor tem, no máximo, quatro chances para sistematicamente ganhar dinheiro acima do mercado:
i) identificar, sem muita precisão, o momento em que estamos num ciclo econômico, político e financeiro (na verdade, é um ciclo só; essas coisas estão interconectadas);
ii) evitar grandes erros (você pode não saber exatamente qual o caminho da virtude, mas tem algumas boas referências do que é bastante errado; a barbárie, o assassinato, a crueldade, o furto e por aí vai são coisas quase inequívoca e universalmente condenáveis; concentração excessiva, alavancagem, exposição côncava são mazelas quase universais também);
iii) comprar coisas por menos do que aquilo vale e esperar, sabe-se lá por quanto tempo, a convergência entre preço (cotação de tela) e valor (preço considerado justo) — ainda que haja bastante dificuldade em se estimar esse tal “valor”, tenta-se fazer isso conservadoramente, de modo a se ter margem de segurança para eventuais erros de estimativa; e
iv) perseguir obstinadamente boas assimetrias, com exposição a retornos potenciais convexos (ganho potencial alto, perda potencial baixa), sob uma estratégia capaz de nos mantermos no jogo até o longo prazo (Ex.: Kelly Criterion).
Também na Faria Lima e no Leblon somos demasiadamente humanos. Aliás, os egos nessas regiões parecem corresponder ao valor do metro quadrado frente às demais localidades do país, ao mesmo tempo em que os níveis de humildade são marcados a mercado — em tempos de bull market, a convivência beira o insuportável.
A quantidade de gênios se multiplica como Gremlins na água.
Por fim, e este ponto se liga um pouco ao primeiro, não há certo e errado nessa história de investimentos, sabe? Talvez haja o errado, como no item acima em que falamos de evitar os grandes equívocos.
Mas certo mesmo, não há. Há simplesmente escolhas, em que renunciamos a determinada coisa para termos exposição a alguma outra. Tudo gira em torno de um trilema impossível de risco, retorno e liquidez.
Todos nós adoraríamos ter, simultaneamente, as três pontas do triângulo em nossos investimentos, mas é simplesmente impossível. Se houvesse um ativo sem risco e com alto retorno potencial, todos correriam para comprá-lo.
Essa maior demanda logo seria traduzida, como em qualquer outro bem ou serviço, em preços mais altos e o tal retorno potencial seria imediatamente comido.
No momento, acho que a Bolsa e os juros longos brasileiros gozam de grande potencial de valorização. Ao mesmo tempo, se concentrarmos apenas em Bolsa e juro longo, teremos possivelmente um portfólio muito arriscado.
Então, temperamos aqui essa exposição grande com uma pequena (em termos relativos) posição em dólar e ouro. No exato momento em que fazemos isso, temos mais segurança e menos risco — e abrimos mão também de retorno potencial.
Se você quer ter mais retorno potencial, tudo bem, reduza o dólar e o ouro, com a consequência, claro, de incorrer em mais risco. Obviamente, se quer mais segurança, faça o contrário (e arque com menos retorno).
Não há saída fácil, não há atalho. São apenas escolhas, com nosso livre-arbítrio. Ninguém vai julgá-lo pela carteira que decidir ter. Apenas você arcará com as consequências da escolha sobre qual ponto do triângulo risco-retorno-liquidez decidiu se situar.
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