Felipe Miranda: O tempo não para
“Não adianta culpar a imprensa por publicar notícias que desagradem suas posições em Bolsa.” diz o colunista
“My story isn’t pleasant, it’s not sweet and harmonious like the invented stories; it tastes of folly and bewilderment, of madness and dream, like the life of all people who no longer want to lie to themselves.”
“Minha história não é agradável, não é doce nem harmoniosa como as histórias inventadas; ela tem gosto de insensatez e desorientação, de loucura e sonho — como a vida de todas as pessoas que não aguentam mais mentir para si mesmas.”
Hermann Hesse
Eu já fiz front running com as ações da Marfrig. Curiosamente até, fui suspeito de denunciação caluniosa — o termo não estava na moda à época.
Tive um sócio oculto por muito tempo, que apenas fingiu ter saído da nossa companhia vários anos antes.
Depois, virei terrorista, atentando contra as eleições presidenciais e estimulando a evasão de divisas. Num grande esquema montado junto ao Google e ao PSDB, vendi minhas opiniões em troca do dinheiro do então candidato a presidente Aécio Neves, no que me rendeu processo movido pela ex-presidente da República — essa última parte é verdade.
No final, colecionei dois processos de ex-presidentes no meu currículo. A tese resultou num livro, eleito por votação popular na Livraria da Folha o melhor do ano em 2014 —, mas também essa votação foi um grande esquemão, uma marmelada organizada num conchavo com a família Frias.
Escrevi outra obra literária de importante sucesso de crítica, batizada “Manual do Cocaleiro”, em que eu ensinava as pessoas a cheirar cocaína.
Também me engajei em adjetivos como marqueteiro, agressivo, chato, repetitivo — falados por pessoas altamente capacitadas e que me conhecem super de perto, que viram aquele personagem no YouTube e, em 15 segundos, foram capazes de formar, de maneira muito bem embasada, sua opinião sobre a minha personalidade.
Até comparações com o nazismo vieram de um apresentador de esquerda, contra os financistas da Faria Lima, porcos capitalistas, exploradores.
Num famoso episódio, defendi enfática e publicamente uma menina muito competente, inteligente e trabalhadora, só porque eu tinha a intenção de transar com ela.
Mais recentemente, recomendei a venda do Ibovespa a 62 mil pontos (embora os registros oficiais, devidamente publicados e documentados, indiquem que a única movimentação feita nesses níveis foi de sugerir a compra de BOVA11, recompondo parte da posição previamente vendida dias antes, como forma exclusiva de proteger uma parcela de nossa carteira comprada; acho que o João Piccioni fez a mínima nesta crise).
E, para coroar minha ficha criminal, agora estou envolvido num esquema mais amplo e sofisticado, que contempla a intenção de derrubar um presidente e a publicação de notícias contrárias à Bolsa brasileira num importante veículo de imprensa local, por sinal acompanhado de perto pelo próprio Jair Bolsonaro.
Eu vendo as ações na frente e, na sequência, consigo empurrar a publicação, imediatamente. Mais curioso ainda: a arquitetura da coisa é tão sofisticada que nem importa se a notícia é originalmente escrita pelo Antagonista. Se o site está apenas replicando uma notícia do Estadão ou da Folha, numa espécie de clipping, também foi algo plantado, por mim, claro. Cada país tem o Rupert Murdoch que merece! Não sei como isso se encaixa com a exposição líquida comprada (não vendida) que temos em Bolsa, mas segue o jogo.
“Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro.” Uma pena que assim não se ganha mais dinheiro.
Não adianta culpar a imprensa por publicar notícias que desagradem suas posições em Bolsa. Vale o lembrete: num país em profunda recessão, em crise política e com a medalha de bronze em casos de Covid-19, o mais natural seria mesmo esperar a predominância de notícias negativas na imprensa. Lembrete 2: entre as funções essenciais da imprensa, está uma postura mais crítica, não de aplausos e apoio ao establishment. O viés investigativo e contrário é da natureza da profissão.
O jornalismo não é um palco de teatro.
Às vezes, acho que não posso muito com esse mundo das redes sociais. Ele gosta do Gustavo Lima e da Marília Mendonça, que eu mal sei quem é — fui consultar os universitários. Para alguém cujos ídolos eram Ayrton Senna, Gustavo Kuerten, Gustavo Borges, Fernando Scherer, Mike Tyson, Michael Jordan, Carl Lewis Neto, Romário e Ronaldo, confesso alguma decepção.
Bicho, eu gosto do Belchior e, aconteça o que acontecer, no fundo eu vou ser sempre um rapaz latino-americano, sem amigos importantes. “Nunca mais meu pai falou: She’s leaving home. E meteu o pé na estrada, like a rolling stone” — onde é que há gente nesse mundo? Onde é que estão os homens de verdade, cujo silêncio assusta mais do que o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética.
Uma pessoa que, como eu, vive de opiniões só as tem a oferecer — por definição, ela vai cobrar por isso. Nada mais. E essa opinião precisa ser dita ainda que venha a desagradar grupos de interesse, torcedores fanáticos e fundamentalistas religiosos, incapazes de perceber que a cloroquina não é deus nem o diabo na terra do sol.
Conseguimos conceber que as coisas não são tão maniqueístas assim? Existe a possibilidade de uma avaliação um pouco mais sofisticada e profunda, fora do completo otimismo ou inteiro pessimismo? Quando vão perceber que um mundo cheio de dúvidas, riscos e pouca visibilidade impede a calça de veludo e também a bunda de fora? Compra tudo, vende tudo? Diversificação, inclusive internacional, gestão de riscos, proteções, dilatação do horizonte temporal, redução do nível de risco do portfólio, melhora do Sharpe — onde foram parar esses conceitos?
Se você, assim como eu, ainda procura conversas de verdade, com homens de verdade, eu gostaria de convidá-lo para ouvir hoje o Rogério Xavier, às 17h. Se você quer jogar a Champions League dos investimentos — eu realmente acho que você pode e deve —, precisa ouvir aqueles poucos listados no Hall of Fame. Eles não jogam Fla-Flus. Eles fazem gestão de recursos de forma profissional.
(Deveria ser óbvio, mas melhor esclarecer, vai que… os fatos narrados nos primeiros parágrafos deste texto não correspondem à verdade, em nenhuma instância.)
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