Rodolfo Amstalden: Diário de um trader à deriva
“No último ataque de estresse, a Bolsa derreteu até os 60 mil pontos em questão de dias”, diz o colunista (Imagem: Murilo Constantino/Empiricus)
Você pode passar um dia inteiro com a tela de cotações aberta, na sua cara, e não fazer nada.
É como eu me comporto, estoicamente, quando abro meu home broker, minha
“plataforma de negociação”.
Engraçado chamar assim, dado que eu quase não negocio.
Durante 90% do tempo, sou obrigado a reconhecer que não faço nada. Não aperto um botão, não compro, não vendo. Mas também não mudo de assunto.
Sempre existe o risco de eu mudar de assunto durante os outros 10% do tempo. Nesse caso, todo o meu trabalho de um mês, às vezes de um ano, poderia se comprometer.
Sou um trader autônomo. Opero por conta, não tenho chefe. Ou, como o pessoal mais novato gosta de dizer nos fóruns de mercado financeiro, eu sou meu próprio chefe.
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Liberdade profissional?
Adoraria ter um chefe pra mentir atestado e, pelas costas, mandar se foder.
A cada vez que eu faço nada e acumulo experiência aqui, me vejo mais como um porteiro de condomínio de luxo.
Ao longo de séculos e séculos, aceito ficar inteiramente mergulhado no tédio, em troca de um salário inercial. Observo a paisagem, cumpro tarefas mecânicas, leio o jornalismo ergódico, luto para não dormir, engasgo com o café frio.
No entanto, a qualquer momento imprevisível, algum veículo suspeito pode se aproximar da guarita, pronto para invadir de maneira criminosa. Se eu estiver dormindo, cinco minutos de vacilo, acabou. Todo o meu esforço jogado no lixo. E ainda vão me enquadrar como cúmplice.
Já aconteceu algumas vezes, e eu estaria mais em paz se tivessem, de fato, me prendido por cumplicidade.
No último ataque de estresse, a Bolsa derreteu até os 60 mil pontos em questão de dias. Dos 120 mil para os 60 mil. Para os ruins de matemática, caiu pela metade, entende? Assim, sem avisar, sem tocar campainha porra nenhuma. No mercado, a campainha só toca depois que todos os ladrões já ocuparam sua casa.
Sessenta mil na minha fuça. Eu tremia, eu suava. Quando acontece, não é fácil. Pode ser uma puta oportunidade, pode ser o caminho mais rápido para a falência também.
Sabe o que eu fiz? Nada. Não tive coragem de comprar.
Foi quando eu senti que estava me faltando alguma coisa. Sangue frio, adrenalina, testosterona, sei lá. Alguma força que o trader puxa de dentro para comprar a insegurança barata e vender a certeza cara para os otários lá na frente.
Nesse episódio, porém, o grande otário fui eu. O índice voltou para os 100 mil pontos e não consigo parar de pensar nisso, no quanto de dinheiro que eu deixei na mesa.
Sabe quando vai acontecer de novo? Esse é o problema, ninguém sabe. Pode levar anos. Anos inteiros grudados na tela de cotações sem fazer nada, observando a paisagem, colhendo nome e RG para liberar a entrada.
Todos os percentuais se mexendo a cada milissegundo: verde, vermelho, vermelho, verde. E eu parado.
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