Gustavo Ruiz: Quanto custa o conflito de interesses na hora do investimento?
“Meu objetivo é deixar claro para o consumidor quais modelos disponíveis existem para que ele tome a decisão mais acertada ao investir” (Imagem: XP Inc./LinkedIn/Reprodução)
O mercado de distribuição de investimentos está cada vez mais agitado. Dessa vez, me chamou atenção o movimento de uma conhecida corretora em anunciar seu “inédito” modelo de taxa única de cobrança.
Empolgado e curioso, fui atrás para entender melhor esse movimento. Em meio a um capítulo que poderia ser da série Billions, saio da vida virtual para a vida real do mercado financeiro para fazer contas e ver se estava usando as melhores práticas de investimento. Busquei dados, números e informações completas.
Meu objetivo é deixar claro para o consumidor quais modelos disponíveis existem para que ele tome a decisão mais acertada ao investir. Prezo, 💥️como escrevi na coluna anterior, pelo consumo consciente e, para isso, as cartas precisam estar na mesa para que todos entrem no jogo com as informações necessárias.
💥️Analisando
Estabeleci algumas premissas e, antes de listá-las, reforço que, para fazer este estudo, parti do pressuposto que as comissões são divididas de forma igualitária entre corretora e assessor, sendo 50% para um e 50% para o outro, o que normalmente é a realidade praticada.
& Com capital aberto na bolsa americana Nasdaq, a empresa tem seus dados públicos e de fácil acesso: e, em sua última divulgação, a corretora divulgou que seu ✅take rate cresceu de 1,2% para 1,4% de 2023 para 2023. Essa é a comissão recebida dos produtos vendidos por ela;
& Para o estudo, considero premissas de ✅take rate de mercado mais conservadoras que as apresentadas no resultado desta empresa, de forma a deixá-lo neutro. Para isso, estou considerando que as alocações em ações geram 1,5%, Renda Fixa 0,52%, Fundos (próprios e de terceiros) 1,21% e outros 1% de receita/comissões ao ano. Utilizei dados fornecidos pelo 💥️Banco Morgan Stanley;
& Conforme reportagens publicadas sobre o anúncio do novo modelo de remuneração da corretora, seria possível que o Agente Autônomo colocasse um ✅fee de 0,5% a 1% ao ano em cima do patrimônio do cliente ao invés de receber 50% das comissões, mas a corretora ainda continuará recebendo os 50% referentes à parte dela. No cálculo, irei utilizar a taxa mínima de 0,5% em relação à taxa única cobrada pelo assessor;
& Utilizarei um cliente com perfil moderado para o estudo;
Bom, vamos as contas:
💥️Modelo Agente Autônomo & Tradicional Comissionado
É o modelo praticado pela maioria dos Agente Autônomos até então, onde ele e a corretora em que trabalha são remunerados através de comissões dos produtos vendidos aos clientes. E que variam conforme a classe, categoria ou casa, o que gera um poder arbitrário grande de conflito de interesse em escolher qual deles gerará maiores comissões.
Nesse estudo, o total de comissões geradas na distribuição é de R$ 10.055,00, do quais R$ 5.027,50 ficam para o Agente Autônomo e R$ 5.027,50 ficam para a corretora. Sendo assim, nesse caso, o custo final para o cliente é de R$ 10.055,00;
💥️Modelo Agente Autônomo – O novo Taxa Fixa
Esse é o modelo “novo”, anunciado recentemente e no qual a corretora ainda receberá comissões referentes à parte dela, porém o Agente Autônomo poderá cobrar de 0,5% a 1% do cliente. Conforme reforcei acima, para estes cálculos, considerei a taxa mínima de 0,5%.
Outro ponto importante: não ficou claro se haverá, ou não, a cobrança da receita referente à parte das comissões do Agente Autônomo ou se ela acontecerá, mas será revertida ao cliente. Estou utilizando a segunda hipótese.
Nesse caso, a corretora continuaria recebendo sua comissão de R$ 10.055,00, o Agente Autônomo receberia sua taxa fixa de 0,5%, que equivale a R$ 5.000,00 e desenvolveria sua comissão, que seria de R$ R$ 5.027,00. Por final, e para grande surpresa, mesmo usando premissas conservadoras que favorecem a corretora nesse estudo o custo para o cliente é quase igual ao anterior sendo R$ 10.027,00.
Atenção: caso o estudo tivesse considerado qualquer taxa maior do que a mínima de 0,5% para o Agente Autônomo, essa modalidade seria ainda mais cara ao cliente.
💥️Modelo Financial Advisor & ✅ Fee Based
O modelo do Financial Advisor original, ou ✅fee based, como é conhecido, é mundialmente praticado e dominante em países como Estados Unidos e Inglaterra. Aqui, tanto o originador (corretora), como o distribuidor (Advisor), não carregam conflitos de interesse. Porque, neste modelo, 100% das comissões geradas na distribuição dos produtos são revertidas para o cliente. Ou seja, as comissões de R$ 10.055,00 geradas são depositadas diretamente na conta do cliente em forma de ✅cashback.
Uma corretora que trabalha neste modelo, por exemplo, cobra uma taxa em forma de ✅fee de 0,2% ao ano (em média) do cliente, o que equivale a R$ 2.000, enquanto o Advisor cobra em média 0,5% adicionais o que equivale a R$ 5.000. Dessa forma, o custo total para o cliente fica em R$ 7.000.
Importante: não podemos esquecer que, neste modelo, 100% das comissões são revertidas, o que nos leva a uma grata surpresa: o cliente receberia de cashback R$ 3.055,00. Isso mesmo, ganharia o seu dinheiro de volta e ainda investiria de forma mais alinhada.
Reforço que algumas instituições como a Warren For Business, já possibilitam que o ✅Advisor usufrua desse modelo no Brasil.
Ao final destes cálculos, quais são as suas conclusões? Compartilho as minhas:
& Não existem modelos perfeitos, até porque boa parte dos conflitos não estão no processo ou no produto, mas sim dentro do próprio ser humano. Porém, existem formas de não evidenciar o conflito e formas de mitigá-lo;
& Tanto o modelo 1 como o 2 ainda carregam conflitos de interesses, pois existem partes comissionadas envolvidas no processo;
& Mesmo no modelo 2 de taxa fixa, o custo final para o cliente continua tão alto quanto o modelo 1;
& Financial Advisor trabalha de forma independente com várias plataformas e não é um preposto da corretora em que está vinculado, como no caso dos modelos 1 e 2;
& O Financial Advisor é dono do cliente e tem autonomia sobre as recomendações de investimento, como não é o caso dos modelos 1 e 2;
& Ao que me parece, a criação do modelo 2 está mais para um conceito de ‘falsa transparência’, atrelado à cobrança de uma taxa única, mas não deixando os interesses do cliente em primeiro lugar;
& Para mim, não existe uma forma de fazer o “meio” certo, ou você faz o certo ou não faz, não existe meio do caminho nessa história.
Ainda assim, com algum conhecimento sobre o tema, boas fontes de dados e uma curiosidade sem fim, continuo com algumas dúvidas:
& Muitos clientes geram, no modelo 1 e 2, uma receita menor do que 0,5% ao ano. Será que essa não seria uma estratégia de induzir o cliente a entrar em um modelo “melhor” para que ele gere mais receita para a corretora?
& Será que essa é mais uma maneira de um ainda não Banco se tornar mais Banco? Fazendo com que sua força de vendas não celetista receba a taxa de salário fixo, sem necessidade de arcarem com os custos e riscos trabalhistas que essa expansão implicaria?
& Será que que os clientes estão verdadeiramente no centro das decisões?
O tamanho dominante de alguns monopólios nunca foi saudável para qualquer mercado. Mas, em um ambiente novo onde a informação circula rapidamente, o poder sedutor do marketing de massa dura cada vez menos.
Não existe mais espaço para a “assessoria gratuita” ou para a ilusão do desconhecimento, não mais onde a taxa de juros de 2% vai exigir cada vez mais conhecimento e racionalidade no ato de investir.
E você como investidor e consumidor: qual modelo de assessoria quer para o seu patrimônio?
O que você está lendo é [Gustavo Ruiz: Quanto custa o conflito de interesses na hora do investimento?].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.
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