Felipe Miranda: Céu in May — aprecie com moderação
“Só nos resta o mundo real, onde convivemos com vícios e virtudes, risco e retorno, incerteza e potencial, mazelas e qualidades” diz o colunista.
Está escrito entre as máximas do templo do Oráculo de Delfos: “nada em excesso”. É uma ode à prudência e à moderação.
Há algo curioso, no entanto, sobre essa defesa. Na conversa que tivemos com Eduardo Giannetti na semana passada, naquilo que será o próximo episódio do podcast RadioCash (vai ao ar amanhã), ele identifica uma circularidade na proposição: devemos ser moderados inclusive quanto ao princípio de sermos sempre moderados. Há situações específicas em que precisamos abandonar o comedimento e lançarmo-nos ao arrojo. Nadar em mar aberto se faz necessário. O rompante de criatividade, aquele momento de iluminação que desafia a racionalidade estrita, conduz à evolução.
A arte, que também poderia ser chamada de sensibilidade ou capacidade de julgamento, está justamente em saber identificar os momentos adequados para transgredir a prescrição de prudência. Quando tocar a bola de lado, quando driblar? Quando trocar bolas do fundo de quadra, quando subir à rede no tênis? Desafios impostos à intuição e ao conhecimento tácito. Claro que a técnica e a ciência podem ajudar. Mas, como construímos, estamos falando de situações extraordinárias para irromper contra a racionalidade, precisamos de algo além.
George Soros insiste em respeitar o mercado. Ele rebate a ideia de que é um investidor contrarian. Na verdade, segundo afirma, 80% do tempo ele está com o consenso. A tendência é sua amiga. Mas, naqueles raros momentos em que você identifica uma oportunidade, você precisa ir na jugular. O leão espera, pacientemente, o instante preciso para abocanhar a zebra; até que ele ataca. Há muito risco em não arriscar. Se apenas aguardar, continuará com fome. A paciência sobre um momento ideal para avançar sem riscos se transforma em “Esperando Godot”. A situação realmente ideal não existe, porque ela habita o mundo das ideias. Só nos resta o mundo real, onde convivemos com vícios e virtudes, risco e retorno, incerteza e potencial, mazelas e qualidades.
A Empiricus existe há 11 anos e meio. Não me lembro de um início de maio em que não tenham me perguntado: “E aí, Felipe, devo vender em maio e ir embora?”, em referência, claro, ao ditado americano “sell in May and go away”. Por conta das férias no hemisfério norte, as Bolsas globais entrariam num período sazonalmente ruim, de baixa atividade. Supostamente, teríamos quatro meses negativos.
Se fosse fácil, não seria difícil. Há mais mistérios entre o “sell” e a Terra do que julga nossa vã filosofia. Decisões de compra e venda não deveriam se apoiar em critérios assim. Também aqui existe uma circularidade no raciocínio.
Ora, se sabemos que o mês de maio é sazonalmente ruim, já venderemos ao final de abril — afinal, por que esperar a queda? Então, a pressão vendedora já começaria dias antes. Mas, daí, os demais participantes do mercado perceberiam a iminente pressão vendedora ao final de abril. Logo, já começariam a vender antes, talvez em meados de abril. E haveria uma outra classe de participantes que venderia ainda antes. E outra que… Bom, você entendeu… O movimento seria tal que chegaríamos no mês de maio do ano anterior.
Pela eficiência de mercado, se há algum padrão sazonal nas séries financeiras, ele não pode ser assim tão facilmente identificado, porque seria arbitrado.
Não se trata apenas de uma abordagem inócua. Sua adoção não seria somente neutra. Ela pode ser destruidora de valor. Não ter mapa é sempre melhor do que dispor de um mapa errado.
A economia global oferece sinais sucessivos e contundentes de uma recuperação acima das projeções iniciais. Saímos de um mundo de baixo crescimento e de baixa inflação, de anos e anos na chamada “estagnação secular”, para um novo regime, de mais crescimento e mais inflação. Isso é bom para ativos nominais, bom para as ações, para os imóveis, para as commodities, que, por sua vez, ajudam mercados emergentes. O Citi já fala em minério de ferro a US$ 200 por tonelada.
As big techs americanas acabam de soltar resultados muito vigorosos, acima das expectativas e capazes de descartar qualquer suposição de uma bolha irrestrita em Wall Street (pode haver casos isolados de sobreapreçamento excessivo, mas não é algo sistêmico). Buffett manifesta seu arrependimento por ter vendido Apple.
Enquanto isso, os bancos centrais parecem ter mudado sua função de preferências e, dentro do escopo da Regra de Taylor, ponderam maiores preocupações com crescimento e menores com inflação. Ou seja, os juros devem continuar baixos por muito tempo, sob movimentos ainda intensos de compra de ativos. Segue o mundo de muita liquidez.
Internamente, se mantivermos o atual ritmo, devemos vacinar o grupo prioritário até o final de junho. Se repetirmos o padrão internacional de “pent-up demand” (demanda reprimida), a recuperação da economia doméstica pode oferecer resultados importantes. Tudo isso em valuations para cíclicos domésticos que parecem bastante atrativos.
Depois da confusão do Orçamento “inexequível”, parece termos mudado um pouco a pauta. Agora, se fala em reforma tributária, reforma administrativa e privatização da Eletrobras e dos Correios. Não tenhamos expectativas ingênuas. Muita coisa aí não vai passar. Mas metade já seria bem bom. Dado que o Brasil é o país da mediocridade e da nota 5, faz sentido.
E vale lembrar que ações são ativos reais e deveriam andar nominalmente. A Bolsa está há um ano e meio mais ou menos parada, com a inflação caminhando para patamares mais altos — isso porque ainda foi sustentada por alta vigorosa de empresas de commodities, cujas receitas estão em dólares. Os domésticos estão amassados.
Talvez a prescrição correta para maio seja um homônimo homófono: céu in May. Mas aprecie com moderação.
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