Como se dará a implementação do real digital?
Qual será o propósito de uma criptomoeda brasileira? Confira mais detalhes em entrevista com o professor de ciências contábeis Ahmed El Khatib (Imagem: Crypto Times)
Na última segunda-feira (24), Banco Central do Brasil (💥️BCB) publicou 💥️diretrizes sobre a emissão de um possível 💥️real digital, na tentativa de acompanhar a inovação tecnológica e apresentar um veículo financeiro ao varejo.
As 💥️moedas digitais emitidas por banco central (ou CBDCs, na sigla em inglês) são um 💥️assunto recorrente 💥️entre autoridades e 💥️governos em todo o mundo, então o Brasil também busca entender como ela funcionaria na prática.
Para compreendermos melhor como seria essa implementação, convidamos o 💥️professor 💥️Ahmed El Khatib, da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (💥️FECAP), para debater quais seriam as vantagens e desvantagens de uma moeda digital brasileira. Confira:
1) Como você observa essa distinção entre criptomoedas (como o bitcoin, ether) e as moedas digitais emitidas por banco central?
✅Temos uma diferença fundamental que é a questão do controle. Qual é o mote de investir em 💥️criptomoedas? Primeiro, é a segurança, pois é um sistema todo feito por 💥️encadeamento.
✅Essa é a vantagem: o sistema descentralizado, onde é fácil ter acesso. É seguro, pois 💥️só você tem a chave, e não é algo que possui uma autoridade monetária por trás.
✅A desvantagem do real digital — 💥️a proposta em voga nos últimos dias — é a centralização por uma autoridade monetária, ou seja, essa moeda digital será lastreada à moeda existente (o real) e 💥️emitida pelo banco central.
✅💥️As criptomoedas não têm lastro em uma moeda existente — que é uma das questões que se coloca. 💥️Todo metal precioso — e acho que a criptomoeda não deixa de ser — é um 💥️recurso escasso.
✅A gente tem minerações cada vez mais lentas e isso fará com que quem tiver mais oferta entregue para quem estiver demandando pelo preço estabelecido.
✅Essa questão é fundamental. A diferença entre ambos é a regulação. Como você não tem controle (criptomoedas), há a vantagem da descentralização. Já a desvantagem (do real digital) é a centralização de uma autoridade monetária.
✅Essa é a proposta sendo discutida pelo mundo afora. O 💥️governo chinês, o primeiro a criar seu yuan digital, fez isso em um 💥️projeto-piloto com cem mil pessoas.
✅Para isso, você precisa de uma moeda digital de banco central (CBDC). Isso, na indústria das criptomoedas, não existe, mas vai existir se levarmos adiante essa questão do real digital.
O yuan digital já está se tornando realidade no mercado chinês, onde grande parte das transações já é realizada via smartphones (Imagem: Weibo/The Beijing News)
2) Quais vantagens e benefícios o real digital pode trazer para a população brasileira? Acredita que o e-real terá algum impacto na nossa economia?
✅A grande vantagem é a segurança. É um processo encadeado, por chaves, por blockchain. É muito seguro. É muito difícil você corromper um sistema dessa magnitude, então você elimina intermediários, além do fato dessa moeda ser criptografada.
✅O custo também seria menor. A Casa da Moeda emite dinheiro no Brasil. É uma empresa deficitária, que não dá lucro (e nem deveria), mas gasta muito para produzir uma moeda.
✅Há quem diga que é mais barato importar uma cédula de real de um banco sueco ou suíço do que fabricá-la nacionalmente.
✅[O real digital] elimina a manutenção — porque são plataformas administradas — e a emissão de papel-moeda.
✅O meio digital — que é a proposta de colocar o real digital no varejo — dá mais serenidade para a compensação de pagamentos instantâneos — vide o exemplo do 💥️PIX, onde é possível realizar transferências em um sábado à noite, em um domingo pela manhã ou num feriado.
A médio prazo, o real digital andaria em paralelo com o real em espécie, pois ainda há muitos avanços tecnológicos a serem implementados no nosso país (Imagem: Pixabay)
3) No contexto da pandemia, os pagamentos digitais e a facilidade do PIX vão transformar o real digital em um substituto do real físico ou em uma alternativa?
✅A proposta de uma moeda digital é substituir o dinheiro físico, conforme delineado pelo banco central chinês. O mote por trás do real digital é outro: vai ao encontro de uma mudança na nossa lei cambial, que remonta os anos 1920.
✅Houve uma sofisticação para que o brasileiro e o empresário tivessem uma conta em dólar e para que bancos que não cobram juros (bancos islâmicos ou “bancos religiosos”) viessem para o nosso país.
✅Os meios digitais facilitam muito a não necessidade de trocar dinheiro, de entregar e trocar moeda. É algo que, sim, pode ser visto como vantagem.
✅Países como 💥️Reino Unido, 💥️Índia, 💥️Rússia e 💥️Estados Unidos ainda estão discutindo a aplicação disso lá.
✅[O Brasil] tem uma vantagem em relação a esses países: o nosso sistema financeiro ultra-avançado, mas por uma questão de hiperinflação. Acho que seria um caminho natural, mas acredito que não tenha sido o principal determinante.
✅Nosso país é grande, apesar de ser bancarizado. Porém, pode ser que o real digital leve anos. Se não estiver na agenda do atual ou do próximo governo, pode demorar uma década para ser implementado.
✅Já imaginou alguém no norte de Minas, ou no Sul da Bahia ou numa pequena comunidade falando de real digital? Não sei se falam sobre bancos ou sobre PIX, então é uma mudança muito drástica a ser feita. Não é para andar em paralelo, e sim substituir, gradualmente, o papel fixo.
✅No Brasil, o determinante é substituir o papel-moeda. Isso dependerá do grau de aceitação da população. Na China, 80% das compras são pagas via celular, onde há outra perspectiva, outra cultura bancária, em que um banco central já controla parte das operações.
✅No dia em que chegar nessas regiões mais afastadas, pode substituir a moeda física. Enquanto não chegar lá, e eu acho que poderá levar anos e até décadas, não haverá essa substituição. É uma mudança drástica no sistema financeiro inteiro e é preciso tecnologia para implementá-lo.
Deutsche Bank afirma que o valor do bitcoin
é baseado apenas em otimismo
Será necessário fornecer educação financeira às pessoas antes de implementar um real digital para que entendam o verdadeiro atrativo da tecnologia (Imagem: Unsplash/executium)
4) Acredita que criptomoedas ainda são algo que gera insegurança ou incerteza nos investidores brasileiros devido às notícias sobre atividades ilícitas?
✅A gente não vê [as moedas digitais], então a gente não acredita muito. É algo que está em cadeia, em rede, então você tem o controle dessas transações. ✅Desde o trabalho seminal de 💥️Satoshi Nakamoto, o pseudônimo criador do bitcoin, essa corrente é muito segura.
✅A grande questão do Banco Central, a partir de agora, se ele quiser de fato regular essa criptomoeda brasileira, é na 💥️prevenção de lavagem de dinheiro, no controle sobre atividades ilícitas, ou seja, vai precisar de uma porção de regulamentos que não existem nas criptomoedas.
✅Será necessário um esforço muito grande de conscientização para a população, explicando que [o real digital] é um método seguro, confiável, com lastro na moeda já existente, que há uma autoridade central por trás disso, além de explicar que uma coisa é bitcoin e outra é blockchain.
✅A tecnologia (blockchain) por trás do real digital é segura, à prova de fraude, à prova de balas, mas que vai ter regulamentos para deixar a população mais tranquila em relação às operações.
O BCB precisa ponderar os prós e contras de um real digital antes de apresentá-lo ao varejo nacional (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)
5) Quais incentivos o Banco Central do Brasil (Bacen) deveria dar à população em termos de caso de uso no nosso país?
✅Espero que a pandemia e todas as suas consequências — principalmente econômicas — já estejam resolvidas quando o real digital for implementado.
✅Isso pode levar anos para que seja utilizado em ampla escala. Grande parte da população ainda realiza pagamentos em lotéricas, agências dos correios. Faltam instrumentos e um grau de conscientização.
✅Na teoria, a criação de uma moeda digital lastreada a uma autoridade monetária poderia eliminar os bancos porque as pessoas poderiam fazer os pagamentos entre si livremente. A proposta das criptomoedas é justamente eliminar intermediários.
✅Eliminar os bancos é algo muito delicado em um país como o nosso, onde há, historicamente, uma grande concentração bancária.
✅O “jeitinho brasileiro” se daria no sentido de combinar com os bancos principais de que também poderiam controlar a moeda, e todos ficariam como detentores da Casa da Moeda. Eles não podem deixar de existir, senão todo o sistema deixa de existir.
💥️* Além de coordenar o Instituto de Finanças na FECAP, 💥️Ahmed é editor-chefe da 💥️Revista IFF. Ele também pesquisa sobre assuntos correlacionados a finanças, incluindo a integração do blockchain e das criptomoedas e o uso dos 💥️contratos autônomos por parlamentares paulistas.
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