Larissa Quaresma: Mais sucesso, mais escrutínio
“Quantos nomes femininos você conhece no campo dos investimentos?” diz a colunista.
Neste momento, acontece nos Estados Unidos o julgamento de Elizabeth Holmes, fundadora da famigerada Theranos. A empreendedora é acusada de uma série de crimes contra funcionários e investidores.
A Theranos cresceu e fez fama com base em uma dita revolucionária tecnologia de exame de sangue, que usaria apenas uma gota extraída dos dedos para fazer diagnósticos de saúde complexos. Os resultados incluíam diagnóstico de câncer, disposição genética a uma série de doenças e por aí vai.
O problema foi que a tecnologia não funcionava como vendido, e a empresa na verdade subcontratava uma série de laboratórios que auxiliavam nos exames. Além disso, os clientes eram obrigados a fazer coletas de sangue tradicionais para “complementar” a análise. Em 2018, a empresa foi processada pela SEC (a CVM americana) por fraude contra os investidores e, daí para a frente, foi ladeira abaixo. O caso é ilustrado em detalhes no documentário “A Inventora”, da HBO.
O episódio é especialmente emblemático porque Holmes é mulher, abandonou o curso de Engenharia Química em Stanford para empreender e só usava suéteres pretos de gola alta – te lembra algum outro empreendedor do Vale do Silício? Pois é, qualquer coincidência com Steve Jobs é mera semelhança. Além disso, Holmes se envolveu afetivamente com um dos executivos da empresa, o que trouxe mais polêmica ao caso.
Do ponto de vista dos investidores, esse foi mais um episódio a lançar luz sobre a diligência necessária ao processo de investimentos.
Houve vários outros: a farmacêutica canadense Valeant virou a queridinha dos investidores ao entregar crescimentos fora de série por diversos trimestres consecutivos e, como sempre, a performance foi atribuída às habilidades superiores da gestão. A estratégia por trás dos resultados era preços abusivos cobrados por drogas de doenças raras – o aumento chegou a mais de 1.000% em alguns dos produtos. Em 2015, um vendedor a descoberto publicou um relatório chamando a empresa de “tóxica” e, a partir daí, a SEC começou a ir atrás. Até Bill Ackman tinha caído nessa fraude.
Tivemos também o caso da Enron, que usou regras contábeis criativas para reconhecer lucros com base na expectativa de execução de projetos futuros. Aliás, essa foi a razão da queda da então auditoria Arthur Andersen.
Fama, burburinho e ainda uma imagem de empresa ESG – mulher no comando, tecnologia socialmente revolucionária – não dizem nada sobre o ativo. É preciso entender a empresa a fundo. Uma simples pesquisa de campo, fazendo as vezes de um cliente oculto para realizar os exames, já lançaria suspeição sobre a tecnologia empregada. Já fiz isso tantas vezes para Natura, Avon, Via, Magazine Luiza… O processo é inclusive divertido, garanto.
Um desdobramento de segunda ordem desse episódio foi o escrutínio superior que passou a ser sofrido por mulheres empreendedoras do Vale do Silício. As mulheres relatam que passaram a sentir suspeição exagerada de investidores, pelo simples fato de serem mulheres à frente de empreendimentos ambiciosos.
O episódio da Theranos criou uma resistência irracional por parte dos investidores. Sim, irracional, porque não existe nenhuma correlação de mulheres no comando com a existência de fraude. Aliás, nos dois outros exemplos que dei, da Valeant e da Enron, as pessoas no comando eram homens.
Veja, ser mulher e atingir um posto de comando é um feito raro. Poucas chegam lá, e são os números que mostram isso. O “all time high” de mulheres CEOs na Fortune 500 foi neste ano, em que elas representaram 8,2% da lista das 500 maiores empresas americanas em 2023.
Quando uma mulher chega lá, a responsabilidade é grande. Porque, além de todo o suor necessário para manter o posto, você se torna um exemplo e uma referência para as gerações vindouras. E isso é muito, muito importante. Minha geração ainda carece de inspirações e provas suficientes de que é possível chegar lá.
Quantos nomes femininos você conhece no campo dos investimentos? Cito aqui Abigail Johnson, CEO da gigante Fidelity Investments, ou Dawn Fitzpatrick, CIO do family office de George Soros. Existem algumas outras, mas precisamos de mais. Aposto que o leitor (ou a leitora) não conhecia as duas citadas.
Enfim, esses nomes já nos mostram que é possível chegar lá. Mas, por favor, não cometa fraude.
Um abraço,
Larissa
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