Fernando Ferrer: Algumas diretrizes para o “motorista-investidor”
“Embora possamos delinear diretrizes estruturais para a construção de um portfólio genérico, a alocação completa da carteira de um investidor deverá ser diferente da de outro em função das mais diferentes características e premissas a serem adotadas” diz o colunista.
Um problema frequentemente apresentado pelos professores de física para explicar a velocidade relativa e a importância da definição de um ponto de referência é ilustrado pelo movimento de dois carros em uma estrada.
A partir da definição de premissas de velocidade e sentido dos carros, é perguntada qual a velocidade do carro A ou B. Embora a questão possa parecer trivial, ela guarda um conceito importante que é a contextualização do problema. Afinal, a definição da velocidade depende sempre do referencial adotado.
Se o carro A se move a uma velocidade constante de 100 km/h e o carro B se move a uma velocidade constante de 80 km/h no mesmo sentido de A pela ótica de um observador que está parado no acostamento da pista, a velocidade do carro A para o passageiro do carro B será de 20 km/h. Para um motociclista trafegando a 100 km/h, a velocidade relativa do carro A é 0 km/h, e assim por diante. Fica claro que, a depender das condições do observador, a velocidade percebida é distinta.
No mercado financeiro não é diferente.
Embora possamos delinear diretrizes estruturais para a construção de um portfólio genérico, a alocação completa da carteira de um investidor deverá ser diferente da de outro em função das mais diferentes características e premissas a serem adotadas.
Idade, profissão, fluxo de caixa mensal, quantidade de dependentes, país de residência/trabalho, ambições futuras, etc. são fatores preponderantes e que devem ser tomados como referência. Fazendo o paralelo com o problema dos carros apresentado acima, a depender das condições do investidor, o ajuste fino da carteira se altera.
Transitando do âmbito particular para o geral, algumas diretrizes são importantes de serem seguidas por todo motorista (investidor):
1 – Contrate um seguro: como não sabemos quando (e se) ocorrerá o próximo sinistro, a contratação de um seguro é de suma importância. Para o investidor, proteções via moedas de países desenvolvidos e metais caem como uma luva, visto que reduzem o risco de uma carteira de investimentos. É importante ter em mente que a compra de proteções não evitará o desastre, mas certamente auxiliarão o investidor a ultrapassar por períodos mais complicados;
2 – Tenha recursos para serem utilizados em caso de emergência: por sua própria natureza, as emergências são imprevisíveis e podem causar muita dor de cabeça. Pane seca prevê multa e alguns pontos na carteira. Ter de três a doze meses de seus gastos mensais aplicados em um fundo ou título de liquidez diária te ajudará a atravessar um evento inesperado, como uma mudança profissional, uma obra de emergência ou algum problema de saúde;
3 – Fique atento ao ambiente ao seu redor: mesmo dirigindo dentro das regras de trânsito, animais podem atravessar a pista. No mercado financeiro, bolsões de liquidez eventualmente acontecem, criando distorções desagradáveis. Na última sexta-feira (17), a BDR do Paypal (PYPL34), que negocia mais de R$ 2 milhões por dia, caiu 40% no fechamento do mercado. No pregão seguinte, o mesmo BDR corrigiu a distorção, fechando em alta superior a 60%. O investidor desavisado poderia ter “panicado” e vendido com grande prejuízo na sexta. O contrário também é verdadeiro: o investidor atento pode se aproveitar dessas distorções para embolsar bons lucros.
4 – Esteja preparado para o trânsito: independentemente da época do ano, o trânsito é o fiel escudeiro do motorista carioca ou paulistano. Em minha concepção, a melhor forma para o investidor se preparar para o imponderável é montando uma carteira diversificada entre classes de ativos e geografias — esse é o Santo Graal dos Investimentos, de acordo com Ray Dalio. Crises como a do subprime, Joesley Day, greve dos caminhoneiros, Covid-19 e a mais recente envolvendo a gigante chinesa Evergrande podem ter como epicentro diferentes localidades, pegando desprevenido o investidor que está concentrado em apenas uma geografia/moeda. Embora não nos pareça ser o caso, ainda é cedo para avaliarmos se o episódio envolvendo a Evergrande poderia evoluir para um risco sistêmico de mercado. Na dúvida, tenha uma posição importante em dólar.
5 – Não programe 100% da viagem: deixe algumas tardes livres, elas podem te reservar gratas surpresas. Em pequena escala, apostas em ativos alternativos podem lhe render bons frutos. Um pouco de criptomoedas, cannabis, urânio, crédito de carbono, etc. é interessante.
6 – Desfrute da viagem: apesar dos buracos na pista e dos imprevistos que possam surgir no meio do caminho, se a escolha foi por conhecer o litoral do Nordeste, a viagem terá muito potencial de sucesso no fim das contas. De acordo com um estudo realizado pela Vanguard, o asset allocation é responsável por 88% dos padrões de retorno de uma carteira diversificada ao longo do tempo, enquanto as oportunidades pontuais em ativos específicos e o market timing representam apenas 12% do montante. Em linhas gerais, o estudo reforça a importância de o investidor investir mais tempo na construção de sua carteira de investimentos do que de tentar acertar a nova bola da vez. Do nosso lado, a construção desse portfólio passa pela montagem dos itens comentados acima, em especial no juro longo e ações internacionais e locais.
Forte abraço,
Fernando Ferrer
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