Beguinas: mulheres que viviam em comunidades sem homens na Idade Média

A mística medieval beguina Matilde de Magdeburgo, autora de "A Luz que Flui da Divindade", em gravação de C. Roberts, 1896 - Getty Images

Ela havia escrito o livro na sua língua nativa do norte da França, o picardo, e não em latim, como determinavam as normas eclesiásticas. E era "um livro itinerário espiritual", que ela lia em voz alta em diferentes localidades, o que o tornou perigosamente popular.

Para as autoridades, a mensagem era que o amor a Deus poderia ser expresso sem a necessidade de um clérigo estabelecido como mediador.

Essa ideia de democratizar a fé ameaçava reduzir o poder não só do clero, mas também do rei Felipe 4° da França, que estava tentando estabelecer-se como defensor da fé católica.

Por estes e provavelmente por outros motivos, o bispo de Cambrai, na França, declarou ✅O Espelho das Almas Simples uma obra "herética" na cidade francesa de Valenciennes, anos antes da condenação à morte da sua autora. O bispo mandou queimar publicamente uma cópia da obra na Place d'Armes, em Paris.

Porete buscou o conselho de clérigos holandeses e contou com o apoio de uma figura eclesiástica iluminada: o ex-professor de teologia da Universidade de Paris Godofredo de Fontaines.

Talvez imaginando que a tempestade terminasse com o passar do tempo, ela decidiu, no fim de 1308, ler seu tratado em público, mas foi presa e entregue ao tribunal da Inquisição. O confessor do rei, Guilherme de Paris, interrogou-a por um ano e meio, enquanto um grupo de 21 teólogos avaliava trechos da sua obra.

Durante o julgamento, Porete negou-se a prestar o juramento de dizer a verdade perante a Inquisição, que considerava uma instituição injusta. Ela também se negou a receber a absolvição sacramental por faltas que, segundo ela, não havia cometido.

O caso de Marguerite Porete foi discutido no Concílio de Viena, na Áustria, que condenou as beguinas como hereges (‘Concílio de Viena’, de Cesare Nebbia) - Getty Images - Getty Images O movimento excepcional das beguinas abordou as necessidades espirituais e os problemas socioeconômicos causados pelo excesso de mulheres solteiras nas zonas urbanas. Na imagem, reprodução parcial de ‘Beguina de Ghent’ (Bélgica), c. 1840 - Reprodução - Reprodução O movimento das beguinas estendeu-se pela Alemanha, Itália e Espanha. Ilustração de uma beguina do livro "Des dodes dantz", impresso por Matthäus Brandis em Lübeck, na Alemanha (1489) - GERMANISCHES NATIONALMUSEUM - GERMANISCHES NATIONALMUSEUM

O movimento das beguinas estendeu-se pela Alemanha, Itália e Espanha. Ilustração de uma beguina do livro "Des dodes dantz", impresso por Matthäus Brandis em Lübeck, na Alemanha (1489)

Para o historiador, mulheres como ela poderiam salvar o cristianismo da heresia. Mas o estilo de vida das beguinas também despertou receio.

Sua autonomia e autossuficiência logo desagradaram a muitos, particularmente aos homens medievais - embora o movimento também tenha inspirado um ramo masculino, conhecido como os begardos.

A castidade voluntária, sem votos vinculantes, convidava à malícia. E o fato de as beguinas estarem fora do controle da Igreja também irritou as autoridades eclesiásticas.

Como algumas comunidades beguinárias mantinham estreita associação com freis dominicanos e franciscanos e algumas comunidades e indivíduos cultivavam intensas formas de misticismo, muitas pessoas suspeitavam que houvesse tendências heréticas.

Por tudo isso, as beguinas foram objeto de preconceito e de leis restritivas ao longo do século 13.

Quando o papa Clemente 5º acusou o movimento de heresia e o proibiu, a perseguição obrigou muitas beguinas a ingressar em ordens mendicantes e monásticas reconhecidas. Algumas resistiram, mas, quando a ordem de dissolução foi finalmente extinta, o movimento beguinário já havia sido drasticamente reduzido.

Apesar da redução e das outras restrições impostas, algumas comunidades de beguinas sobreviveram até o século 20. Mas, no século 21, seu número podia ser contado nos dedos das mãos. A última beguina, Marcella Pattijn, morreu em um domingo de abril, 10 anos atrás, em Cortrique, na Bélgica.

Mas a obra de Marguerite Porete sobreviveu à sua execução. O texto original se perdeu, mas uma versão em francês do século 15 foi usada e traduzida para o inglês, italiano e latim.

O livro permaneceu em circulação como obra anônima, muitas vezes assinada por um homem como se fosse o autor. Mas, como escreveu outra beguina, Matilde de Magdeburgo (c. 1207-1282), "ninguém pode queimar a verdade".

Em 1946, a historiadora Romana Guarnieri encontrou o texto perdido na Biblioteca do Vaticano e o publicou em 1962, ressuscitando o nome da sua autora.

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