Textor expõe rachaduras na Lei da SAF e coloca ponto de interrogação não só sobre futuro do Botafogo

Dirigentes e conselheiros, parlamentares e juízes, todos acordaram nesta quarta-feira com um motivo comum para desconforto. John Textor, proprietário da empresa que comanda o futebol do Botafogo, na noite da véspera, expôs rachaduras na Lei da SAF.

O contexto ajuda no entendimento da controvérsia. Antes da venda para Textor, a grande dúvida que pairava no mercado a respeito do clube-empresa era: por que alguém compraria um clube com dívida bilionária? Por mais que haja torcida, tradição e potencial, o passivo era exagerado.

A solução foi pensada sob medida para clubes hiper-endividados. Parlamentares que conduziam a criação da legislação – sobretudo o senador Carlos Portinho, relator do projeto – deram a seguinte solução.

Dívidas das associações civis seriam tratadas por meio do Regime Centralizado de Execuções (RCE). Esse mecanismo funciona como uma espécie de fila de credores trabalhistas e cíveis. Pessoas e empresas receberiam seus valores do Botafogo em até dez anos, com descontos.

Como as associações ficariam praticamente sem receitas – pois o futebol seria transferido para a SAF, junto de todos os principais contratos –, a saída foi responsabilizar os clubes-empresas pelo repasse de 20% de suas receitas mensais. Assim, haveria dinheiro para que os credores recebessem, porém sem inviabilizar a operação do futebol.

John Textor chega ao Nilton Santos para jogo do Botafogo — Foto: Vítor Silva/Botafogo 1 de 1 John Textor chega ao Nilton Santos para jogo do Botafogo — Foto: Vítor Silva/Botafogo

John Textor chega ao Nilton Santos para jogo do Botafogo — Foto: Vítor Silva/Botafogo

A Lei da SAF funcionaria como uma espécie de barragem entre o passado das associações e o futuro das empresas, com o fluxo de pagamento das dívidas controlado. Investidores se basearam essa promessa.

O problema é que esse regime ainda não se provou na prática. A lei foi redigida propositalmente com lacunas em relação ao RCE.

Todos os credores de natureza cível e trabalhista são forçados a participar da renegociação? Eles têm o direito de recusar os termos apresentados – descontos e prazos? Quais receitas fazem parte do pacote? Legisladores deixaram para que juízes e desembargadores decidissem, na prática e no cotidiano, as respostas para essas perguntas.

Em 13 de janeiro de 2022, portanto antes de concluir a compra, 💥️Textor elogiou o formato da lei em entrevista ao ge. Um ano depois, com a SAF em operação, a declaração do empresário deixa claro que a barragem não está segurando a represa de antigas dívidas. O termo "rachadura" no título deste texto não foi escolhido por acaso.

O empresário reclamou de credores que "furam a fila" e bloqueiam receitas da SAF, além dos 20% que ele pretendia destinar para o pagamento das dívidas. Textor citou nominalmente a CBF, que reteve parte de premiação da Copa do Brasil para quitar dívida consigo mesma.

Textor afirmou, também na entrevista, que a SAF deixará de repassar os 20% das receitas até que a lei seja melhor definida e respeitada. Se por um lado é possível que emendas sejam feitas à legislação, algo que ocorreu em outros países e mercados, por outro há riscos para o futebol.

Caso o Botafogo saia do Regime Centralizado de Execuções, perderá todos os benefícios da sua adesão, sendo os principais a obtenção de descontos e prazos prolongados sobre as dívidas.

Sem qualquer acordo vigente, o clube-empresa ficaria exposto a execuções, bloqueios e penhoras de todos os credores da associação civil. O caixa seria ameaçado. E a própria associação, Botafogo de Futebol e Regatas, voltaria a ter de se preocupar com esses velhos problemas.

Em teoria, é possível que Textor esteja planejando a mudança para outro mecanismo de renegociação de dívidas, frequentemente usado por empresas quase falidas: a recuperação judicial ou extrajudicial. Neste caso, graças a décadas de outros casos, há jurisprudência no Judiciário.

Por enquanto, sabe-se apenas o que o americano disse na entrevista, isto é, que travará uma "dura batalha" nas cortes para que juízes e o governo reinterpretem a lei de outro modo – financeiramente favorável à SAF.

O desfecho desta história não interessa apenas ao Botafogo. Outros clubes, como o Vasco, aderiram ao RCE com a mesma expectativa de reorganizar dívidas antigas. Os buracos na barragem de um podem aparecer também na do outro. E outros investidores em potencial, que olham para o mercado brasileiro e ainda não sabem se devem entrar nele, agora têm mais um ponto de interrogação a considerar.

@rodrigocapelo

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