O gol que só Cano fez

No futebol se costuma nomear os tipos de gols: gol de letra, gol de placa, gol que Pelé não fez (quando se chuta direto ao gol da altura da linha divisória do gramado). Este último o maior de todos os jogadores não fez, nem de direita, nem de esquerda, ambidestro que era. Maradona, o maior dos jogadores compatriotas de Germán Cano, tentou no Maracanã, com a perna boa, em 1989 - acertou o travessão. Eu estava trabalhando no Maracanã há 33 anos, minha pauta era acompanhar e descrever o dia de Dieguito (e que dia!), não estava no estádio domingo. Portanto, quem esteve no Maracanã no último Fluminense x Vasco, deve se orgulhar por esse gol que Cano fez (no mítico estádio, num clássico, jogo duro, com a perna que é a melhor) jamais será esquecido.

Cano não precisaria fazer o gol que fez para estar na história do futebol brasileiro, do Fluminense, do Maracanã. Os números mostram isso, os recordes vêm sendo constantemente quebrados. O argentino famoso pelo L, a inicial de seu filho, é o jogador no futebol da América do Sul que melhor sabe se desmarcar - aliás, a visão que ele tem desse fundamento é única. Todos constatam o óbvio, que Cano é especialista em dar apenas um toque na bola quando ela chega para marcar os gols. Mas como ele consegue fazer tantas vezes isso? Porque quando a bola está na intermediária ou pelo lado, Cano já está observando a marcação adversário e se colocando livre. Assim, quando a maioria das bolas chega, não há ninguém a seu lado para dividir a bola (ou seja, ele pode ajeitar o corpo à feição para bater) e ninguém na frente para atrapalhar o caminho da bola (ou seja, ele pode mirar e chutar a bola fora do alcance do goleiro). Parece simples, mas só Cano faz tão bem.

O primeiro gol contra o Vasco foi exatamente assim. O Fluminense levou "anos" construindo a jogada pela direita. E o lateral Pumita Rodriguez parece não conhecer bem essa característica do atacante argentino, porque deu-lhe o espaço suficiente para Cano estar onde a bola e dar uma única batida para abrir o placar.

Mas o assunto do post é sobre o segundo gol. Quando dei o título "o gol que só Cano fez", sabia que corria o risco de aparecer alguém com alguém lance que teve pouco divulgação mostrando alguém que fez um gol da mesma distância com o pé "menos bom". Sim, porque o diferencial desse lance que já um diferencial em si é o fato de Cano ser destro - e o gol ter sido de canhota. Bater a bola dali exige a força certa, a batida certeira e a direção... bem, quando você olha para a frente daquela distância, o espaço que o gol ocupa é mínimo. Então é dificílimo com a perna boa, o que dizer com a perna "mais ou menos"...

Além disso, não foi um lance em que, por exemplo, o Fluminense rouba a bola, e toca a Cano. Ou seja, ele teria alguns segundos entre a roubada de bola e o passe para imaginar o chute. Tampouco foi um lance em que Cano recebe a bola, ele ajeita, olha, calcula e bate - isso, longe de ser fácil, é mais comum, já neste ano o menino Ivonei, do Santos, marcou um dessa maneira. Nada disso. A "assistência" foi do vascaíno Rodrigo. Antes do lampejo de arriscar a genialidade, Cano teve o reflexo de deixar a bola cair para seu lado esquerdo, com o objetivo de tirar qualquer chance do zagueiro mais próximo. Cano, com o que fez, poderia colocar a bola na frente porque criou o espaço para isso. Mas ele confiou na intuição.

Há ainda um adendo. O jogo era um clássico e estava duro. O Fluminense ganhava de 1 a 0, mas o Vasco pressionava e fora melhor durante todo o jogo. Cano poderia tentar o golaço e, ou mandar na arquibancada, e dar o adversário mais uma chance de atacar, poderia pegar fraco e dar um passe para o goleiro Léo Jardim iniciar um ataque vascaíno. Mas Cano confiou na intuição. Detalhe: Léo Jardim não falhou. Sua posição adiantada era correta porque o Vasco estava todo na frente e essa é a posição de um goleiro cada vez mais líbero. Se Cano tenta a arrancada, Léo teria a chance, inclusive, de dividir com ele ganhar a disputa. Mas a história desse dia mágico resume-se assim: ganhará o time que tiver Germán Cano. Um dia já foi o Vasco, hoje é o Fluminense.

Que sorte de quem estava no Maracanã...

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