SAF do Atlético-MG: ex-CEO do Botafogo fala sobre fases e vê lei como "segunda chance" aos clubes
O Atlético-MG levará ao Conselho Deliberativo a proposta para transformar o clube em empresa, já com proposta oficial de um grupo de investimentos para se tornar o sócio majoritário. Discussão para as próximas semanas. A lei da SAF ainda gera dúvidas (e algumas críticas). O 💥️ge entrevistou Jorge Braga, ex-CEO do Botafogo, que participou do processo de transformação do clube carioca.
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Assim como o clube da estrela solitária, o Atlético convive com uma dívida bilionária, praticamente impagável, que corrói os cofres do clube por meio de juros e encargos mensais milionários. Para os atuais dirigentes do Galo, a SAF se tornou o único caminho rumo à prosperidade. Jorge Braga destaca que a "sociedade anônima do futebol" é uma segunda chance para os clubes superendividados, mas também destaca as novas responsabilidades que estarão em jogo.
1 de 4 Sede do Atlético-MG será o local de votação dos conselheiros — Foto: Fred Ribeiro
Sede do Atlético-MG será o local de votação dos conselheiros — Foto: Fred Ribeiro
- A SAF traz ao futebol questões corriqueiras no mundo empresarial, mas que são minimizados no futebol: pagar compromisso em dia, publicação de balanço, transparência, controle de gestão. A Juventus tomou um cano grande, teve os dirigentes processados, por causa de falta de gestão e correção. Há também a investigação contra o Manchester City de financeiro. Isso vai chegar. O que a SAF faz é acelerar toda essa discussão - disse.
O Botafogo virou SAF e foi comprado pelo empresário John Textor, que aportará R$ 400 milhões em três anos, além de enfrentar uma dívida de R$ 900 milhões. No Atlético, o potencial investidor é Peter Grieve, que irá captar recurso no exterior em um fundo de investimentos. A ideia a ser colocada no papel é aportar R$ 800 milhões por 51% das ações, com o Galo mantendo cerca de 40%, e o restante será trocado pela família Menin pela dívida não-onerosa via mútuos.
O Atlético ainda precisa assinar a proposta vinculante, já com direitos e deveres entre as partes (vendedora e compradora), e apresentá-la para aprovação do Conselho Deliberativo. Depois, é elaborado o "acordo de acionistas". Isso tudo, entretanto, precisa suceder a uma atualização do estatuto social do Galo, com a inclusão da possibilidade em transformação em SAF. Pontos que Jorge Braga analisa e discute na entrevista. 💥️Leia!
- É uma mudança de patamar aos clubes, especialmente agora com a discussão sobre a liga ficar mais quente. Em todos os países em que há liga, a participação dos clubes-empresa é muito grande. As responsabilidades e consequências sobre a gestão têm um impacto maior em relação à associação.
- A SAF é a melhor segunda opção. É a segunda chance para os clubes altamente endividados, que queiram estrutura a parte financeira e pagar. Não é um calote. Muitos dos ruídos que estamos escutados é de quem esperava coisa diferente do que ela faz. É um bom veículo para os clubes endividados alongarem as suas dívidas. Há uma série de mecanismos. Uma das formas de enfrentar a dívida, que é o RCE, só é possível se você efetivar uma SAF.
- A escolha é sempre uma decisão estratégica. O Bayern é um clube-empresa no qual os sócios têm participação grande na condução de estratégia do clube. Tenho visto o Landim (presidente do Flamengo) falarem desse conceito. Seria uma estrutura de capital pulverizada, com parceiros estratégicos. A Adidas é um parceiro estratégico do Bayern. Aí, seria estrutura de capital. Creio que essa fase no Brasil irá demorar ainda. Estamos falando da SAF como saída para clubes endividados. Mas essa SAF irá chegar.
- A SAF traz ao futebol questões corriqueiras no mundo empresarial, mas que são minimizados no futebol: pagar compromisso em dia, publicação de balanço, transparência, controle de gestão. A Juventus tomou um cano grande, teve os dirigentes processados, por causa de falta de gestão e correção. Há também a investigação contra o Manchester City de fair play financeiro. Isso vai chegar. O que a SAF faz é acelerar toda essa discussão.
- Vou dizer o que penso, evitando comentar a fala de outras pessoas. Estamos falando de uma lei nova e inovadora. Precisa de tempo de ajuste. Foi assim com qualquer lei no Brasil. A recuperação judicial levou alguns anos, nos quais havia dúvidas sobre cláusulas e condições. Qualquer lei nova admite melhorias. Mas a lei da SAF tem colocações claras em relação ao enfrentamento da dívida, e a separação das dívidas do clube e da SAF. Pode até acontecer uma confusão ou outra da Justiça. Mas pelo que sei, toda vez que o clube recorreu a um tribunal superior, o apelo foi ganho. A minha convicção é esta: é uma lei inovadora, admite ser melhorada, mas não pode ser atacada. Não é passe-livre para um calote.
2 de 4 Jorge Braga, CEO Botafogo — Foto: Vitor Silva/BotafogoJorge Braga, CEO Botafogo — Foto: Vitor Silva/Botafogo
- O RCE é exclusivo para clubes que são SAF. Se não for escolhido, existem mecanismos mais comuns, como a recuperação judicial e a recuperação extra-judicial. Cada uma com suas vantagens e desvantagens. Se formos colocar na régua, a RCE está na esquerda, a REJ está no meio, e a RJ está na direta. Quando mais à direita, mais seguro é o desenho. Porque ele é mais antigo, já foi testado há mais tempo, há estabilidade, em compensação, ele é mais rígido. Quanto mais à esquerda, onde está o RCE, ele é mais flexível, só que permite discussões de melhoria. No RCE, o percentual a ser pago das dívidas depende das receitas do clube/SAF. Outra coisa: não existe a condição de o clube/associação falir, na outra ponta, no RJ, se o plano a ser apresentado não tiver a maioria dos credores, o juiz pode decretar a falência. Não existe o remédio perfeito para todos, varia do momento e da estratégia de cada clube.
- O torcedor de futebol gosta de comparar tudo. Agora, há a comparação de qual é a maior SAF. Isso é muito difícil de fazer sem olhar os contratos por dentro, que são confidenciais. No Botafogo, além do aporte na SAF de R$ 400 milhões, há compromisso de assumir R$ 900 milhões. O investidor se responsabiliza a enfrentar esse número em determinado prazo. Isso não é um desejo, ou "se der". Há outras SAF's que o aporte está condicionado às receitas da própria SAF, ou desempenho desportivo. São incomparáveis os valores crus assim, sem analisar o que está por trás.
- Na minha experiência, o ponto-chave é qual é a governança que irá existir para proteger a perenidade do clube. São dois modelos mentais diferentes: o do clube é ter sucesso esportivo, ganhar títulos. Do investidor, por definição, é rentabilizar o investimento. As duas coisas conversam em alguns lugares, mas nem sempre. Especialmente a plataforma multi-clube. A discussão da venda do Jeffinho no Botafogo. A mesma coisa no Bahia. Será um clube-satélite do Grupo City? Tão ou mais importante das garantias que o investidor terá capacidade de investir - não só em compra de jogadores, mas em estrutura física e intelectual -, há o enfrentamento das dívidas, e também quem irá fiscalizar, como sócio minoritário, as ações do investidor.
- Normalmente tem uma régua que é assim: o clube faz, primeiro, o entendimento estatutário de que irá virar SAF. É uma decisão que precisa ser validada em assembleia, de acordo com a regra do estatuto. O Santos, por exemplo, já aprovou essa previsão. A boa prática diz que precisa fazer o trabalho de casa. Um apartamento quebrado, com infiltração, com dívida de IPTU, tem valor diferente de um apartamento reformado, regularizado. Quanto mais você diminuir a dívida, e melhorar o posicionamento esportivo, mais valorizado fica a SAF. Depois, existe a fase de prospecção. O Atlético fez isso, contrata um . Eles fazem um "teaser", que é o documento/resumo, que provoca os investidores. Eu fiquei impressionado ao saber que mais de 100 pessoas/fundos foram instigadas. Há um funil, que separa perfil de investidor. Na época do Botafogo, uma das condições pré-aprovadas é que o investidor teria o recurso próprio. Mas varia. Uma vez selecionado esse grupo, há a oferta não vinculante (em inglês é a non-binding offer), é um movimento de troca de informações. O clube, junto dos seus conselheiros, tem um prazo para responder essa carta.
3 de 4 Peter Grieve (à direita) na época como proprietário de clube do Zimbabué — Foto: ReproduçãoPeter Grieve (à direita) na época como proprietário de clube do Zimbabué — Foto: Reprodução
- Essa oferta não-vinculante vira a vinculante, na qual há multa de saídas, de rompimento, com cláusulas e acomoda variações ainda. Depois dessa oferta vinculante, são escritos os documentos definitivos. E a peça principal é o "Acordo de Acionistas", que estabelece todas as regras de convivência: qual a participação mínima do clube, a divisão das cadeiras no conselho de administração, quais outros direitos do clube. No caso do Botafogo, mesmo que o percentual de participação seja diminuído, não há perda de direitos políticos. O Acordo de Acionistas especifica todas as condições, como multas, sanções, obrigações do investidor, reunião do conselho fiscal para apresentação de balancetes, como a operação e o "dia seguinte" acontecerão. Esse acordo passa a ser validado no primeiro aporte, seja um sinal. É quando há a validade jurídica. Estamos falando das regras do mercado.
- No Botafogo foi definido assim: o acordo seria apresentado na íntegra para o conselho fiscal, e os principais pontos seriam apresentados para um grupo reduzido do conselho deliberativo, com confidencialidade, uma série de cuidados, com cópias identificadas para cada conselheiro, para evitar o problema de vazamento de informações.
- Eu não cheguei a ter contato com o Peter. Eu não vi a oferta. Elegemos a XP Investimentos para, entre outras coisas, fazer levantamento prévio do perfil e da capacidade dos investidores.
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