A bem-vinda ousadia de Lázaro

Duvido que alguém fora de departamento de futebol do Corinthians não tenha se surpreendido, mesmo que minimamente, quando saiu a escalação do time para enfrentar o Palmeiras e nela estava o meio-campo com Rony, Renato Augusto, Adson e... Giuliano. Qualquer um apostaria que diante do bicho-papão verde o Corinthians escalasse ao lado de Rony outro marcador (Du Queiroz, Vera, até Paulinho) - inclusive Abel Ferreira. Mas Fernando Lázaro aproveitou a chance, talvez única neste ano, de relembrar a todos o tamanho do Corinthians e mostrar, na prática, que o rival de fato é o que há de melhor no Brasil, mas que se um time jogar sem medo e encarar, pode vez por outra ter sucesso.

A chance a que me referi é: um jogo pela primeira fase do Paulista, em casa, sabendo-se que em caso de derrota os danos era mínimos. Tenho dúvidas de que numa final, ou numa Libertadores, ou num mata-mata, Lázaro fosse para dentro do Palmeiras como foi. Por outro lado, a estratégia ousada poderia não ter funcionado e a responsabilidade seria total dele. Ele deu uma cartada e, se não ganhou os três pontos, ganhou um mais um enorme crédito com a torcida e a mídia. Meu questionamento sobre a escalação inicial não era por ser ofensiva ou dar espaço para o Palmeiras armar contra-golpes. O problema todo é que, sendo ousado, Lázaro na teoria daria ao oponente o jogo que o Palmeiras gosta: ser atacado, não ter a bola, e ter mais chances de esticar bolas aos dínamos Dudu, Endrick e Rony. Mas ao ouvir a coletiva de Abel, pesquei uma frase que clareou minha compreensão sobre a certeza de Lázaro de que sua ousadia tinha pleno cabimento.

Abel admitiu: "Nosso adversário foi mais agressivo na busca pelo resultado". O que fica claro? Que Lázaro teve a seu favor exatamente o fator surpresa. O Palmeiras não esperava se acossado em dois momentos do jogo, Abel chegou a reagir no início do segundo tempo, mas quando o Corinthians voltou a ressurgir não das cinzas, mas das águas que desabaram sobre o estádio, ele fez trocas que deixaram o Palmeiras sem força. A surpresa foi tamanha que o time de Abel perdeu uma bola que tinha dominada, depois sua zaga bateu cabeça até o fantástico Renato Augusto achar Roger Guedes na linha da pequena área. O Palmeiras não costuma tomar esse tipo de gol...

Vendo que a proposta de Lázaro funcionava cedo, os jogadores do Corinthians começaram a acreditar, e a dar 110% no campo. Renato Augusto, que contra a Portuguesa aceitou a marcação firme, contra o Palmeiras foi um gigante que Gabriel Menino não conseguia "achar". E aí podemos dizer que o time de Abel Ferreira, que a partir dos 25 minutos começou a ter mais a bola, teve uma inestimável ajuda do rival. Apenas com Rony a marcar, ele não conseguiu impedir o centro de Piquerez. Gil ficou olhando a locomotiva Rony (o do Palmeiras) voar e empatar o jogo.

O gol deu confiança ao Palmeiras, e na volta do intervalo, Fernando Lázaro, humano que é, errou ao colocar Romero - um jogador contratado pelo que foi há anos, mas que hoje não funciona. Teve início então a segunda etapa do clássico, agora com Palmeiras confiante. E, a exemplo do que ocorreu em 18 vezes na temporada passada, o time de Abel Ferreira fez mais um gol de bola parada, mais um gol desse por vezes pouco desvalorizado Rony, de cabeça.

O Corinthians, por estar em início de temporada, poderia aceitar a derrota para não se esgotar fisicamente, ou Lázaro poderia pensar em trocar os craques de mais idade e colocar jovens. Nada. O técnico corintiano lembrou de seu pai, Zé Maria, quando este colocava bola na frente e ia tal qual um trator até a linha de fundo para cruzar. Iniciou o terceiro tempo do jogo com uma dose de reforço na ousadia: tirou o cão de guarda Rony e entrou com Vera, também um volante, mas com saída de bola, um jogador que sobe, quebra linhas com passes, é enfim mais ofensivo. O Corinthians não aceitava perder de novo para Abel. O técnico português tentou reforçar o meio, mas Jaílson só chamou o Corinthians a atacar. Tentou dar força ofensiva com Atuesta e Breno, mas há um abismo técnico entre eles e Veiga e Endrick. Até que o Corinthians, depois de uma série de milagres do goleiro Weverton, empatou com Gil (que falhara nos dois gols de Rony). Que clássico!

O jogo traz algumas lições que serão úteis no futuro. Para o Corinthians do corajoso Lázaro, o time precisa aprender a jogar sendo atacado. Esse é o ponto que leva o Timão a ser Timão quando joga em casa e os oponentes se retraem, e a ser timinho quando, fora de casa, vê sua zaga inconstante ser induzida ao erro por qualquer anfitrião. O Palmeiras não precisa de muitas lições, e as que surgem são processadas na hora por Abel. Mas fica a observação: quando o time enfrentou rivais que não jogaram com medo, mostrou que seu sistema defensivo tem pontos vulneráveis - tomou 3 gols do Flamengo e 2 do Corinthians.

O empate não foi ruim para ninguém, tanto Corinthians (que ganhou do São Paulo e jogou melhor do que o Palmeiras) como Palmeiras (que continua invicto, já com uma taça nova em 2023) têm o que celebrar. Mas o único vencedor da noite na Arena chama-se Fernando Lázaro.

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