Felipe Miranda: Mudança de hálito
💥️Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research
“Para uma pessoa rica isolada da socialização vertical com os pobres, os pobres se tornam algo inteiramente teórico, uma referência de livros didáticos. Como mencionei no capítulo anterior, ainda estou para ver um decano bien pensant de Cambridge saindo para beber com taxistas paquistaneses ou levantando peso na companhia de falantes do dialeto cockney. A intelligentsia, portanto, sente-se no direito de lidar com os pobres como um constructo; uma construção puramente mental que eles mesmos criaram. Assim, eles se convencem de que sabem o que é melhor para eles.”
É Nassim Taleb, claro.
Quando vi a CVM lançando o programa “Precisamos falar sobre dinheiro”, por um momento me empolguei. Respeito muito a CVM. Seria conteúdo independente de qualidade, livre dos conflitos de interesse da indústria financeira tradicional. Supostamente, bom para a pessoa física. Então, me cadastrei lá no tal grupo de WhatsApp e encontrei o seguinte programa:
A esperança de um conteúdo estimulante para a pessoa física foi subitamente frustrada. Será que alguém quer mesmo receber uma mensagem cujo título é “Juros”? Ou, então, “Rotativo do cartão de crédito”? Quem sabe “Mudança de hábito”? Pessoas gostam de histórias, de imagens, de sonhos, de terem seus sentimentos provocados. Não é esse o tipo de comunicação realmente capaz de mudar comportamento.
Talvez ainda pior: ao entrar com um conteúdo entediante, o investidor pode se desinteressar pelo tema. Aquele que poderia um dia melhorar os hábitos de poupança e investimento se vê afastado do processo como um todo, porque acha aquilo difícil ou chato demais.
Até mesmo Warren Buffett tem lá suas três pastas em que arquiva as opções de investimento que lhe são apresentadas: “Yes”, “No”, “Too hard”. Se ele não entende algo em cinco minutos, vai para a caixa “Difícil demais”. E se não ama em dez minutos, aquilo vai para a pasta “Não”.
Entende a resistência que esse tipo de coisa pode causar? Uma má apresentação leva o hábito de investimento para a caixinha “No” (não) ou “Too hard” (muito difícil). Você tem uma única chance de se comunicar com o sujeito e não pode errar, sob o risco de tê-lo alijado daquela prática.
Os investidores potenciais não podem ser referências abstratas e teóricas. Essas são pessoas cujas decisões se apoiam fundamentalmente em sentimentos, mais até do que em elementos considerados estritamente racionais. As coisas são o que elas são, e não o que nós gostaríamos que elas fossem.
Preocupa-me ainda mais porque, sob uma pretensa disposição científica, que na verdade é apenas cientificista, os formuladores de política econômica e os reguladores querem tutelar o investidor pessoa física. Eles sabem, claro, o que é bom e ruim para o cidadão comum, mais do que o próprio sujeito. É o planejador central determinando as decisões dos indivíduos.
Veja que até mesmo no que supostamente seria a fronteira do conhecimento em Economia acontece o fenômeno. As Finanças Comportamentais, ramo agora queridinho de jornalistas, de pseudoestudiosos da teoria econômica e de outros ternos vazios metidos a descolados, já renderam dois prêmios Nobel de Economia (a rigor, não existe prêmio Nobel de Economia, mas vamos pular essa parte), inclusive do ano passado, dado a Richard Thaler.
Sim, eu gosto do cara – ele estará aqui conversando conosco no evento de aniversário da Empiricus, na próxima sexta. Mas seu livro “Nudge”, se não for interpretado com o devido cuidado, pode levar a prescrições de política econômica que considero bastante perigosas.
Como o indivíduo toma decisões pessoais desalinhadas à chamada racionalidade econômica estrita, poderia o planejador central, esse ser onipotente, determinar o que o cidadão deve fazer.
O que talvez escape a essa turma é que os testes feitos pelas Finanças Comportamentais são feitos em ambientes de laboratório, onde o indivíduo não está, de fato, com a própria pele em jogo. E isso muda tudo. Gerg Gigerenzer já formalizou o argumento ao apresentar a ideia da racionalidade ecológica, propondo que o único significado possível para a racionalidade precisa se ligar à sobrevivência – ora, dentro de um laboratório, a sobrevivência não está em jogo; e isso muda tudo.
Se você está no conforto do seu sofá, pode ser avesso ao risco. Se está no meio de uma guerra tomando tiro de todo lado, talvez precise ser amante do risco para sair dali – não há alternativa. Isso explica, por exemplo, porque a chamada aversão à perda não implica irracionalidade ou inconsistência das preferências, conforme querem apregoar.
Aqui, partimos do princípio de que falamos com pessoas, e não com concepções platônicas, abstratas e montagens didáticas construídas por livros-textos. São pessoas que querem aumentar seu patrimônio ou sua renda. Algumas delas já estão muito familiarizadas com investimento, sendo até profissionais do ramo. Outras estão começando e precisam de histórias, símbolos e narrativas para realmente mudar seu comportamento.
Qual imagem me vem à cabeça nesta ponte do feriado?
Na verdade, são duas. A primeira é um gráfico do Ibovespa em dólar, conforme abaixo. Não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem. Há motivos também nos gráficos para sermos otimistas com Bolsa.
Por outro lado, com o Ibovespa perto da máxima histórica depois da disparada da sexta-feira, outra imagem aparece bem na minha frente. É a do mito de Ícaro. Após não ouvir os conselhos do pai, Dédalo, Ícaro se aproximou demais do Sol e viu suas asas derreterem, caindo ao mar.
Nos momentos de euforia, o investidor vai ser tentado a aproximar-se do Sol, depois de ter ficado por muito tempo preso no labirinto do Minotauro. Para não acabar morto no mar Icário, aprecie com moderação.
Se a comunicação com o varejo tem por objetivo mudar comportamento e não somente cumprir um protocolo politicamente correto, ela pode – e deve – mexer com os sonhos, mas também precisa necessariamente falar dos riscos e de ponderação. Seus investimentos podem alçar voo, mas em nenhum momento podem abrir mão da proteção e da diversificação.
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