Felipe Miranda: O ano não acabou

💥️Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research

Durante dez anos, fui o primeiro da lista de quem seria o próximo a morrer. Fiquei decepcionado quando caí no ranking. Uma vez, um médico me disse que me restavam seis meses de vida, mas fui ao enterro dele. Os obituários me interessam muito ultimamente. Mas não confio nos médicos

Keith Richards, aniversariante do dia.

Quando Mick Jagger aceitou receber o título de “Sir”, tornando-se cavaleiro da Ordem do Império Britânico, Keith Richards não gostou. “Cara, nós somos os Rolling Stones…isso não tem nada a ver com a gente.” Keith nunca bateu continência à Rainha, sempre obedeceu apenas a si mesmo, tendo certo desgosto pelas trips egóicas de Micky. Está fazendo rock’n’roll há sei lá quanto tempo e não parece disposto a parar, nem a morrer (e olha que o cidadão tentou, hein?), tão cedo.

Vejo os jornais descartando o rali de final de ano ou antecipando  em alguns dias o encerramento de 2018. Como sabe de tudo essa gente, meu Deus, sendo tão capaz de penetrar o futuro.

Talvez seja a ânsia por sair de férias — sabe como é: jornalista não escreve para seu leitor; jornalista escreve para jornalista, sonha em trabalhar na Piauí e dedica a vida a receber elogios sobre sua erudição e sua imparcialidade nas conversas de final de semana em alguma cervejaria artesanal ou num  bar descolado no centro de São Paulo — se for no Copan, ainda melhor!

Lembro daquele reveillon de 2002 em Garopaba, praia da Ferrugem. Tinha uma faixa branca enorme pendurada no alto, com palavras em preto: “Estacione seu carro aqui por apenas 25 reais – LADRÃO NÃO TIRA FÉRIAS”.

Bicho, podíamos deixar o carro devidamente seguro ou beber 25 reais, que, naquela altura da vida, eram uma fortuna. Optamos, claro, pela segunda alternativa e, fomos descobrir depois e de maneira não deliberada, pelo roubo de nosso toca CD — na época em que ainda existia toca CD, muito mais caro do que 25 reais. Decisão nada talebiana.

Algumas profissões ou mesmo atuações informais não permitem o completo desligamento. Você pode ir com a família divertir-se e descansar em algum ótimo resort escolhido pela CVC, óbvio. Quem sabe viajar de executiva para o exterior visando curtir parte dos lucros acumulados nesse ano a partir de um acerto no investimento em Bolsa. Você merece, eu concordo. Os filhos e a patroa também, mais ainda. Mas, se leva essa história de investidor realmente a sério, não dá para largar de mão — hoje em dia está fácil e uma olhadinha no celular por dia já resolve.

“With the lights out, it’s less dangerous”, nos lembraria Kurt Coubain. Nos últimos dias do ano, quando a liquidez está baixa e ninguém está olhando muito, acontecem barbaridades nos mercados financeiros. Com fundos tentando marcar para cima sua cota de final de ano e aparecer bonito na foto, você pode, sim, fazer um ano inteiro em uma semana. O que rola de puxeta de 10 por cento nos últimos cinco pregões é uma grandiosidade.

Eu mesmo nunca desligo completamente — embora, claro, também viaje nesta época do ano. Talvez seja herança dos tempos de Guarujá, em que uma situação particular não sai da minha cabeça.

Não sei se era 92 ou 93. Não importa muito. A gente estava na barraca da Rita, um daqueles quiosques na praia da Enseada, ali pela altura do Brunella (não existe mais no lugar), responsáveis pelo oferecimento de altíssima gastronomia. Excelentes coxinhas, risoles, pasteizinhos e por aí vai. Acho que o papai já deveria ter tomado umas 23 batidas de coco — sei lá como conseguia tomar tanto daquela bebida doce (de onde herdei a preferência pelo bitter?). A mamãe estava em fúria com aquilo. Com pai alcoólatra (isso é assunto pra outro dia), ela sempre ficava em fúria com as bebedeiras do meu pai. Sorte que não acontecia muito. Era só de final de semana — o pequeno problema é que a semana do papai acabava na terça (sim, é uma hipérbole, calma).

Após levantar-se com dificuldade da cadeira de praia, espreguiçar-se feito um bicho preguiça e escorar-se em duas ou três pessoas para conseguir equilibrar-se, papai falou: “Preciso ligar no banco. Vou caçar um orelhão”. Eu sinceramente não acreditei. Achei que ele ia caçar só um oxigênio ou uma água pra jogar no rosto, dar aquela recuperada clássica de quando se passou do ponto, manja?

Meia-hora depois ele volta, rindo de orelha a orelha: “Acabamos de ganhar uma Parati.” Ele realizava lucros com alguma ação do setor de telecom, acho que era Telebrás, ainda antes da privatização. Descemos a serra de Chevette, subimos de Parati.

São vários os casos de reais mudanças de paradigma patrimonial durante as férias. No livro “Fora da Curva”, Luis Stuhlberger narra como tudo mudou para o mitológico fundo Verde durante uma viagem para Foz do Iguaçu e Buenos Aires. Em “Reminiscenses of a Stock Operator”, Jesse Livermore descreve várias e várias vezes em que interrompeu suas férias por conta de oportunidades nos mercados de commodities agrícolas.

Resumo da história: não baixe a guarda. O mercado financeiro não é o lugar que premia apenas a iniciativa; para ser realmente bem sucedido nesta história, você precisa de terminativa, daquele “last minute stamina”, de persistir até o último momento sem abandonar a coisa antes da hora. A recompensa vem.

Nosso cérebro, ávido pelo desejo de controle (a razão é uma grande emoção, é o desejo de controle, como disse Nietzsche) e despreparado para conviver com a incerteza, tem uma tendência a nos fazer acreditar que as trajetórias (no mercado ou na vida) são lineares, graduais e com variações bem comportadas. Na realidade, porém, não é assim. O mercado caminha em saltos não-lineares. Fica parado durante muito tempo e, de repente, vupt! Tudo acontece.

Por mais incrível que possa parecer, se há um momento em que as puxetas de final de ano acontecem é… no final do ano. Temos praticamente duas semanas ainda.

Onde podem estar lacunas para esse tipo de atuação dos investidores institucionais?

Primeiro, no dólar, com uma posição gigantesca em aberto de gente comprada — por mais que o câmbio me pareça caro aos níveis atuais, falando as próximas linhas estritamente sob a ótica de trading, a arapuca está se desenhando para uma puxada para perto de quatro reais.

Depois, na Bolsa. Fundo multimercado brasileiro, que na verdade não entende muito de ações, mas tudo bem, veio para renda variável há pouco tempo e só perdeu dinheiro (na lista de pés trocados em Bolsa brasileira, não necessariamente nessa ordem: rabino, Economist, Eurasia, Exame e multis). Essa turma também está ávida por empurrar a Bolsa pra cima e garantir uma lâmina mais bonita para apresentar a seus clientes prospectivos. Com pouca liquidez como estamos agora, fica mais fácil.

Mais especificamente vale para as small caps também, em especial aquelas típicas queridinhas do smart money local. Aqui, com pouco dinheiro você faz mais magia do que o Walt Disney. É sempre uma referência interessante para o período de férias.

Mercados iniciam a terça-feira tentando se recuperar do forte tombo da véspera. Ainda não encontram força suficiente para variações mais contundentes diante da expectativa em torno da reunião do Fed. O encontro começa hoje e deve marcar nova elevação do juro básico dos EUA.

A tensão em torno da reunião tem aumentado conforme crescem as preocupações com uma desaceleração mais forte da economia em 2023. Em paralelo, no meio de um bear market (mercado com queda superior a 20 por cento desde o último pico), há grande medo dos efeitos colaterais de um aperto monetário mais forte. Jeffrey Gundlach, lenda do mercado de bônus, foi um dos que alertou para o risco de subir o juro agora, no meio do bear market — dado o argumento de autoridade, serviu para disseminar mais aversão a risco.

Discurso de Xi Jinping no aniversário das reformas econômicas chinesas, falando de hegemonia e coisa e tal, também gera algum desconforto num momento de guerra comercial com os EUA.

Agenda doméstica traz como destaque ata do Copom, além de IPC-Fipe e prévia do IGP-M. Nos EUA, saem estoques de petróleo.

Ibovespa Futuro tem leve alta de 0,2 por cento, dólar e juros futuros estão perto do zero a zero.

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