Felipe Miranda: Prefiro ter os chifres de um touro a não ter olhos de tigre
Precisa ser muito irresponsável para adotar esse título em pleno Dia dos Namorados, hein? Não sou o Dinho dos Mamonas Assassinas, nem meu nome é Dejair, facinho de confundir com João do caminhão, mas me considero um touro, ao menos momentaneamente. Touro é condição de ser ou de estar? Depende do ponto de vista, né? Pão ou pães é questão de opiniães — só eu acho genial aquela entrada de Tom Sawyer no meio de “Bois Don’t Cry”?
Lembro do Fofão, garçom do Retiro do Caçador ali na Heitor Penteado, que adorava narrar as vezes em que fora corno. Foram três ou quatro. Ele curtia, era uma loucura. Enquanto servia as doses (sim, eram sempre duplas) de Wyborowa pro papai, gargalhava orgulhosamente dos flagrantes dados na esposa. André Kiss é testemunha — da narrativa fofa, não dos flagrantes.
Brincadeiras (eu espero!) à parte (conhecendo a Gabi, ela já está furiosa e estamos apenas no terceiro parágrafo — durmo no sofá, mas não perco a piada), parece que agora estão todos otimistas com a aprovação da reforma da Previdência. É o que a proximidade dos 100 mil pontos sugere. Chegaram pontualíssimos à festa, com apenas três aninhos de atraso em relação ao início do bull market.
Até aí, beleza. O passado não se muda. Apesar de até ele ser incerto no Brasil e do viés de retrospectiva reescrever um pouco a história, ao menos dentro da nossa cabeça — alguns estudos em neurociência mostram que, a cada vez que reacessamos um assunto na memória, recontamos o caso de uma maneira marginalmente diferente; ao longo do tempo, conforme repetimos o procedimento várias vezes, as memórias vão se distanciando da versão original. A memória não é somente um depósito estático; ela se disfarça de baú para esconder sua própria criatividade.
O que me causa certa perplexidade — e causa mesmo — não é o descuido com o horário, tampouco o fato de terem perdido a chance de comprar por menos da metade do preço, mas, sim, como traduzem seu otimismo na construção de portfólio. É isso que tem implicação prospectiva. Uma opinião sem a devida exposição vale zero.
O que é mais ou menos consenso dentro do espectro dos otimistas (é fundamental ater-se a isto: estamos falando de pessoas que se dizem otimistas com os ativos de risco brasileiros, seja por conta da aprovação da reforma da Previdência, seja por um melhor prognóstico para o crescimento econômico, pela perspectiva de queda da Selic, por uma combinação de todas essas coisas ou de qualquer outro fator) vai por aí:
“Estamos atribuindo maior probabilidade ao cenário bullish (favorável) e, portanto, elevamos a posição comprada no chamado ‘kit Brasil’. Agora, temos 10 por cento da carteira em Bolsa (para ser mais justo: há casos chegando a 15).”
Bicho, 10/15 por cento em Bolsa? Esses são nossos otimistas? Onde estão os heróis? Ah, eu prefiro mesmo o Tio Ricco: muito risco, pouco ego. Se você não assumir risco quando está otimista, vai ganhar dinheiro de verdade quando? São raras as oportunidades de você fazer um alto potencial de retorno. Quando elas aparecem, meu caro, você precisa ir na jugular.
Lembro de Stanley Druckenmiller no livro “The New Market Wizards” dizendo: “George Soros tem uma filosofia que eu também adotei para mim. A maneira para construir retornos consistentes de longo prazo é por meio da preservação de capital e de alguns home runs. Você pode ser muito mais agressivo quando está tendo bons lucros. Muitos gestores, quando sobem 30 ou 40 por cento, encerram seu ano ali — isto é, passam a agir muito cautelosamente no resto do exercício, como forma de preservar o bom retorno acumulado até ali. A forma, porém, de apurar retornos verdadeiramente superiores no longo prazo é produzir retornos de 30 ou 40 por cento e, então, se você ainda tiver convicções, perseguir 100 por cento no ano! Se você puder reunir uns poucos anos de retornos próximos a 100 por cento e evitar períodos de retornos muito negativos, então assim atingirá retornos espetaculares no longo prazo”.
Quando essa turma estiver pessimista, então, sai de baixo. Vai ter o quê? Uns 200 por cento do PL vendido em índice? Veja: não falo de um ou outro cara. Pode ser o private banking, o gestor de multimercados, o alocar de grandes fortunas. Não há uma posição efetivamente grande em ações nas carteiras desse pessoal.
Ao tentar explicar a baixa propensão à Bolsa, mesmo quando comparada às suas próprias características históricas, uns podem argumentar que ficaram grandes demais e que, em paralelo, gozam também de uma posição relevante em títulos longos, sejam eles indexados ou prefixados, o que confere uma exposição consolidada importante ao tal “kit Brasil”.
Respeito, claro. Entendo tudo. Eles mesmos não me entendem, mas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco não pode cobrar reciprocidade…
Agora, pense bem, talvez também possa haver outras razões aí.
Ora, se ficaram grandes demais, se o tamanho está lhes tirando a possibilidade de terem uma alocação maior em Bolsa ou atrapalhando sua agilidade, não deveriam ter fechado seus fundos antes, para proteger o cotista antigo e preservar a capacidade de gerar alfa? Querem assistir a uma peça de teatro sendo que não cabem nas poltronas. A culpa é das poltronas, da própria obesidade ou de ambos?
Além disso, há uma questão mais ontológica na minha visão. Existe um viés relativo anti-Bolsa na maior parte dos fundos multimercados brasileiros. Se você pegar os gestores de hedge funds e/ou macro locais, quase nenhum veio de Bolsa originalmente. Esse não é seu habitat natural. O cara era trader de câmbio e juro, fez umas dez exegeses desses nichos, mas não foi nascido e criado no ambiente Bovespa, ou então foi tesoureiro de câmbio ou, quem sabe, operava commodities. Bolsa, mesmo, quase nenhum (eu queria escrever nenhum mesmo, mas, como sou sereno e moderado, evitei).
Nisso, inclusive, a Empiricus é bem diferente desse pessoal. Nascemos como uma casa de equities e transbordamos para outros mercados. Não sei se é bom ou ruim; apenas é o que é. Até poderia dar minha opinião pessoal, de que os multimercados vão, sim, precisar se reinventar num cenário de Selic a 5 por cento, com a renda variável virando reserva de valor e taxista (Uber também, para não me acusarem de sectário) tendo sua carteirinha de ações, mas isso é papo para outra hora.
Existe, ao menos para mim (e deixo explícito se tratar exclusivamente de uma opinião pessoal muito respeitosa, de quem apenas admira essa gente), outra força fazendo com que os gestores de hedge funds, os privates e os alocadores acabem não dando à Bolsa a mesma atenção de outros mercados, além da já mencionada falta de raízes genealógicas nesse ambiente.
Eu me refiro à estrutura de incentivos. Se você tem um cara realmente bom de ações dentro de uma gestora grande, ele tem uma voz diabólica soprando em seu ouvido o tempo todo sobre o quanto poderiam ser gordas as taxas de performances a serem recolhidas em um ano bom de seu fundo de ações. Assim, ele fica tentado a sair e montar a sua própria casa de equities. JGP e SPX são exceções que confirmam a regra, gestoras grandes que conseguiram montar times excepcionais também em ações.
Por fim, sempre rola aquela desconfiança, e aqui não passa de desconfiança, de ter se perdido o “eye of the tiger”, aquela chama dos ávidos pela necessidade de ainda se provarem e não apenas de preservar a própria reputação. Como está escrito no livro “Mindset — A nova psicologia do sucesso”, não há nada pior para uma empresa do que o fato de seu top management passar a preocupar-se com sua reputação, em vez de se preocupar com o que é certo a se fazer. Se isso acontece a um gestor, ele fica domesticado. E, na sabedoria de rua de Rocky Balboa, “a pior coisa que acontece a um boxeador é quando ele fica domesticado”. Como diria Taleb, a reputação é para os escravos.
Já vivemos tempos mais animados por estas bandas. Talvez eu seja da época e da região dos jagunços. Por isso, pra mim, temos de ter pelo menos 30 por cento em Bolsa. Esse é o melhor cavalo agora, com fundos imobiliários razoavelmente bem precificados e a curva de juros já tendo queimado ao menos boa parte de sua gordura.
Isso significa uma aposta all-in? Claro que não. Aqui, nunca foi, nem nunca será. Sempre protegido com posições de hedge em dólar, ouro e puts fora do dinheiro.
Algo deve mudar simplesmente por que o camarada ficou rico ou grande demais? Por favor, não. Day One. Sempre.
Antes de comentar a abertura dos mercados, faço o convite para os quatro leitores desta newsletter acompanharem a “ Semana do Pai Rico, Pai Pobre, de Robert Kiyosaki”, num material bem bacana preparado pelos nossos sócios da Agora Financial Brasil.
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