Memória ou invenção: de que são feitos os nossos sonhos?

Imagem Imagem: Getty Images

De onde vêm os sonhos? O que são essas sombras e luzes que compõem em nossa mente estranhas imagens inexistentes, ora obscuras e turvas, ora de uma nitidez extraordinária? Sei que essas perguntas são velhas, que já alcançamos infinidade de respostas para elas, que a filosofia, a literatura, a psicanálise, a neurologia, já todas encontraram seu quinhão a dizer. Mas, não sei, há dias em que acordo com a sensação de que tudo ainda é insuficiente, como se o assombro de sonhar não tivesse sido alardeado o bastante, como se ainda devêssemos nos admirar com essa criação diária da psique, tão espantosa quanto banal.

Leio a respeito e descubro que o sonho pode não passar de uma forma um tanto caótica de memória, fragmentos de experiências que despontam sem sucessão nem lógica, a que só mais tarde damos a ordem de uma história. Nada de não-vivido, não-visto, não-aprendido ou não-pensado poderia ter lugar ali, espaço privilegiado da reencenação de um passado, recente ou antigo, conhecido ao extremo ou quase totalmente esquecido. A cada noite reviveríamos inúmeros momentos perdidos da nossa existência, numa vasta antologia íntima sem princípio nem fim — daí a ideia, cara a Borges, do sonho como uma modesta eternidade pessoal.

Mas há no sonho, como talvez em todo pensamento e toda linguagem, uma prática extensiva de deformação da experiência original. Freud o descreve com precisão: no sonho tudo se condensa, se desloca, se inverte, toda cronologia é ilusória, todo objeto se faz símbolo insondável. O que recordamos já não é recordação nenhuma, e sim recriação livre e anárquica. Aos poucos passamos, então, à noção contrária, de que o sonho só pode ser uma invenção, de que nada nele jamais tomou parte na realidade. Livre do corpo, no sonho, a alma brinca — Borges evoca Petrônio e atualiza sua palavra, propondo o sonho como brincadeira da mente, a mais antiga arte da humanidade.

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