Reflexões sobre um gato recém-chegado à casa
O gato está aqui por causa da criança, da tristeza da criança. Em ânsia amorosa, ela vandaliza o gato. Beija-lhe o pelo, espreme-lhe as costelas, ergue-o ao céu proclamando-o Rei Leão. O gato responde com uma unhada. Gato mau, gato malvado, eu te odeio. O gato quando está em paz dá um longo suspiro e dorme, como fazia a criança quando era ainda mais criança. A criança hoje dorme com o gato, a criança ama o gato, a criança é o gato.
O gato é um bebê. Como todo bebê, veio de um terreno baldio, resgatado do torpor faminto por um alma que lhe deu vermífugo, banho de lenço umedecido e Whiskas sabor carne. Sente falta da mãe, finge mamar e emporcalha camisetas com sua baba viscosa. O gato tem um olhar assustado. Se pudesse, moraria no bolso do casaco onde passou seus primeiros dias. O gato ronronante é um canguru.
O gato também é um cachorro. Mordisca dedos, braços e narizes, coloniza colos, exige cafunés, interrompe programas de TV, demanda uma atenção que ninguém pode dar. Alquebrados e resistentes, somos o que o gato tem e o gato agora é parte do nosso bando. Não sei se o gato é feliz. Somos o gato quando a maçaneta gira, a porta se fecha e há um dia adiante para se preencher.
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